O CIRE – Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, o qual veio a substituir o antigo CPEREF – Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de abril, constituiu, há cerca de 20 anos, um momento preponderante do regime das insolvências em Portugal.
Com o CIRE pretendeu-se a simplificação de procedimentos, o ajustamento de prazos, de forma a tornar estes processos urgentes mais céleres, medidas de recuperação adaptadas ao caso em concreto, o reforço das competências do juiz em termos de gestão processual, a delimitação do âmbito de responsabilidade dos administradores da insolvência e um reforço de responsabilidades assacadas aos devedores insolventes.
A reforma ocorrida e as sucessivas alterações tinham como objetivo principal reorientar as insolvências para a promoção da recuperação das empresas, privilegiando-se sempre que possível a promoção da recuperação da empresa, como alternativa à liquidação do património. Dentro deste espírito surge, em 2012, o processo especial de revitalização que pretende assumir-se como um mecanismo específico, célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente, mas que ainda não tenham entrado em situação de insolvência atual. Em abril de 2022, o período da cessão do rendimento disponível, respeitante à exoneração do passivo restante, é reduzido de 5 para 3 anos.
A introdução do CIRE e as suas contínuas alterações, na sua maioria decorrentes de diretivas europeias, revelam uma tendência clara de evolução para soluções preventivas e revitalizadoras, em contraste com o anterior regime em que as empresas em situação económica difícil seguiam para a falência (Bancarrota) e culminavam o seu percurso, na sua maioria, na dissolução e liquidação dos seus ativos para ressarcir os seus credores.
…as empresas em Portugal estão a enfrentar dificuldades financeiras significativas, (…) pelo atual contexto geopolítico, pelo aumento significativo dos custos de produção, pelo aumento das taxas de juro e da inflação em alta.
Naturalmente, todos os esforços e iniciativas legislativas dirigidos ao apoio do mercado empresarial são de enaltecer, permitindo-se gerar riqueza nacional e postos de trabalho. Contudo, para além dos instrumentos e mecanismos existentes, é fundamental que o recurso aos mesmos seja implementado em tempo certo e ajustado ao caso em concreto e, só assim, se conseguirá uma real (tentativa de) recuperação da empresa, de modo a aumentar o seu valor, promover uma imagem de confiança e de credibilidade junto dos seus credores e contribuir para a dinâmica e eficiência dos mercados.
De acordo com os dados publicados pela DGPJ – Direção Geral da Política de Justiça, entre 2015 e 2022, o número médio de falências decretadas por trimestre desceu de 1.061 para 400. Cerca de 50% das sociedades com falências decretadas no período 2015 a 2022 tinham idades compreendidas entre os 6 e os 19 anos, tendo esta proporção diminuído ao longo do período. No período 2015-2022, registaram-se decréscimos no número de insolvências decretadas na generalidade dos setores de atividade económica, com exceção do setor da Agricultura e Pescas (+51,4%). No que respeita ao setor dos Transportes, entre 2015-2022 há um decréscimo de 51,5%.
Todavia, já em 2023 se verificou uma tendência crescente de insolvências na maioria dos setores, com um aumento mais acentuado na indústria, verificando-se um aumento de 47% face ao ano anterior.
Existe um sinal claro de que as empresas em Portugal estão a enfrentar dificuldades financeiras significativas, resultantes do contexto atual de incertas e desafios crescentes, provocado pelo atual contexto geopolítico, pelo aumento significativo dos custos de produção, pelo aumento das taxas de juro e da inflação em alta.
Se as soluções extrajudiciais de resolução de endividamento ou negociação com os credores falharem e não existir alternativa, as pessoas singulares, tal como as empresas, podem encontrar no processo de insolvência um caminho que lhes permita a recuperação, sendo fundamental um diagnóstico financeiro atempado e uma intervenção estratégica adequada. Caso contrário, será um remédio tardio, um cuidado paliativo que culminará no desligar da máquina após um longo período de coma. Este tem sido um desafio difícil para o tecido empresarial, atuar com medidas ajustadas e em tempo oportuno, dentro das soluções existentes no processo de insolvência em constante mutação há 20 anos, tentando acompanhar os tempos (europeus), com coisas boas e outras menos boas. “Você não pode mudar o vento, mas pode ajustar as velas do barco” (Confúcio).
ALEXANDRA DIAS TEIXEIRA
Sócia da JPAB – José Pedro Aguiar-Branco Advogados
Coordenadora da área de Direito Bancário & Recuperação de Crédito