No contexto do planeamento da recuperação económica durante e pós-pandemia, os governos dos vários Estados-Membros veem na aposta na ferrovia uma forma de dinamizar as empresas e a indústria.
Esta aposta não é alheia, muito pelo contrário, às crescentes preocupações do foro ambiental e à necessidade de medidas mais musculadas para dar cumprimento às propagandeadas metas de descarbonização.
Constatado o ritmo algo lento da introdução no mercado dos veículos elétricos, parece evidente que a aposta na ferrovia pode ser decisiva para tonar a mobilidade “mais inteligente” e, por essa via, dar um “boost” ao propósito europeu de vir a alcançar a neutralidade climática até 2050.
A 29 de dezembro de 2020, numa Declaração Conjunta, o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão Europeia acordaram em dar prioridade máxima, em 2021, a um conjunto de iniciativas, sendo a primeira, precisamente, a de aplicação do Pacto Ecológico Europeu.
Pelo menos desde 2001, com a aprovação da Diretiva n.º 2001/16/CE, relativa à interoperabilidade do sistema ferroviário transeuropeu convencional (não de alta velocidade), a União Europeia lançou um processo com vista a garantir a segurança e fluidez da ligação entre os sistemas ferroviários dos Estados-Membros.
Em 2012, a Diretiva n.º 2012/34/EU viria estabelecer um “espaço ferroviário europeu único”, reunindo os princípios relativos ao desenvolvimento do setor e ao licenciamento de empresas ferroviárias, estimulando a concorrência e promovendo a transparência.
Mas é agora, em 2021 – declarado o “Ano Europeu do Transporte Ferroviário” – que se pretende dar um passo decisivo a favor da utilização dos comboios como meio preferencial de transporte de passeiros, passando os mesmos a constituir uma alternativa eficaz e competitiva perante os voos intraeuropeus e as viagens com recurso aos automóveis.
A Presidência da União Europeia incumbe a Portugal neste primeiro semestre.
E ficou clara a intenção do nosso País de aproveitar o ímpeto europeu para dar também seguimento ao Programa Ferrovia 2020, que previa a renovação completa das condições ferroviárias nacionais até ao final do ano passado, tendo ficado por realizar quase 90% das obras previstas. 2023 é agora a data limite prevista para a recuperação e modernização das nossas velhas linhas ferroviárias.
A aposta na ferrovia – nacional e comunitariamente falando – pode constituir, a nosso ver, uma das mais interessantes e inteligentes, sendo o encurtamento das distâncias geográficas mero símbolo de uma necessária e verdadeira aproximação.
Assim, não é de estranhar que a produção legislativa nacional a este respeito tenha sido vasta no último trimestre de 2020, com a tão aguardada transposição da regulamentação comunitária de 2016, através de vários diplomas.
A 13 de outubro, através do Decreto-Lei n.º 85/2020, Portugal transpôs parcialmente a Diretiva comunitária (de 2016) relativa à segurança ferroviária, regulando a promoção e a gestão da segurança na ferrovia nacional, bem como definindo regimes de fiscalização e sancionatórios.
A 20 de outubro, o Decreto-Lei n.º 91/2020 traduz a “peça fundamental do puzzle”, dado que transpõe a Diretiva europeia relativa à interoperabilidade do sistema ferroviário na União, fixando as condições para a sua concretização, em matéria de conceção, construção, entrada em serviço, adaptação, renovação e exploração, bem como qualificações profissionais e condições de saúde e segurança do pessoal afeto à exploração e manutenção.
Finalmente, a 7 de dezembro, o Decreto-Lei n.º 101-C/2020 veio complementar o regime anteriormente referido, no que se refere a investigações de segurança a acidentes e incidentes no Transporte Ferroviário, visando tornar as mesmas mais eficazes.
A aposta na ferrovia – nacional e comunitariamente falando – pode constituir, a nosso ver, uma das mais interessantes e inteligentes, sendo o encurtamento das distâncias geográficas mero símbolo de uma necessária e verdadeira aproximação.
Estamos profundamente convencidos de que tal representa, no que parece um regresso ao passado, o sábio aproveitar de património – histórico, construtivo-arquitetónico e, porque não dizê-lo, cultural – tão marcante no Velho Continente, que pode significar um salto de gigante no cumprimento das metas ambientais determinantes do nosso futuro.
JOANA SILVA AROSO
Sócia da JPAB – José Pedro Aguiar-Branco Advogados
Coordenadora de Infraestruturas, Transportes & Mobilidade