Bruno Bobone
Presidente da Associação Comercial de Lisboa
O ano de 2021 foi o segundo ano de uma vida diferente. Uma vida condicionada, uma vida desequilibrada, em que muito daquilo que normalmente dávamos como garantido e que nem sequer nos tomava um minuto de pensamento, passou a ser uma presença constante nas nossas preocupações diárias. Desde saber se podemos sair à rua, se podemos entrar numa loja, se vamos encontrar alguém a trabalhar numa repartição pública ou se podemos cumprimentar alguém, até à necessidade de fazer um teste para ir a um evento público ou mesmo ao casamento de um filho, a vida mudou.
E mudou mais ainda nas coisas que são menos evidentes, como seja o medo com que uma parte muito significativa da população vive hoje o seu dia a dia, muito promovido pelo poder político, porque serve de controlador das atitudes dos cidadãos, e pela comunicação social, que viu na ansiedade provocada por esse medo uma fonte de procura de notícias e um manancial de títulos que atraem os seus clientes.
Mas também afectou, e muito, a actividade económica. A desregularização do equilíbrio logístico dos transportes mundiais, provocado pelo fecho assimétrico dos vários países, somado ao aumento do tempo necessário à rotação dos equipamentos de transporte criou desequilíbrios na procura que levaram a um crescimento exponencial dos custos de transporte.
A paragem económica criada com o princípio da pandemia levou também a um fortíssimo esforço de recuperação económica, que aumentou a procura de matérias-primas por todo o mundo e que aumentou brutalmente o custo destas mercadorias.
E, assim, acabámos 2021, o segundo ano da pandemia, com um maior conhecimento do vírus e dos seus efeitos, com uma solução de combate no campo sanitário, com a vacinação da população, mas com um resultado ainda muito negativo e por solucionar no campo da economia.
Muito se disse ao longo destes dois anos sobre o equilíbrio entre a saúde e a vida da economia. Muitos foram os que alertaram que, no final das contas, seriam maiores os resultados da pandemia por não se cuidar da economia do que por não se cuidar dos doentes.
…muito se poderia ter feito para evitar que a economia fosse tão afectada e para que se pudesse compensar os efeitos da cura com procedimentos que defendessem a economia.
E chegámos a 2022 com uma perspectiva de inflação sobre as economias mundiais, com um aumento da pobreza dos países menos desenvolvidos e com um desequilíbrio enorme no sector do transporte de mercadorias.
Durante a pandemia, e principalmente no seu princípio, foi muito grande a esperança de que a experiência que vivemos, que pôs pela primeira vez a pessoa humana à frente da economia, a solidariedade antes do interesse individual e a coragem de alguns heróis a cuidar de todos os que se refugiaram no medo, pudesse vir a mudar a sociedade que desenvolvemos.
A esperança que pudesse dar a todos a consciência de que, como me disse o Papa Francisco, de uma crise nunca se sai sozinho: ou saímos todos ou não sai ninguém – e de uma crise nunca se sai igual, ou saímos melhores ou saímos piores, e que por isso poderíamos sair todos juntos e muito melhores para criar um mundo focado em todos e cada um, em que as diferenças fossem consideradas como uma mais valia na criação de uma sociedade mais humana e mais rica, tanto em valores como em qualidade de vida.
Infelizmente, a memória humana é menos longa do que gostaríamos e as preocupações do dia a dia voltaram rapidamente a tomar conta do nosso discernimento, pelo que a perspectiva que se abre para o ano que agora começa é muito menos bonita do que poderia e deveria ser.
Já não estamos juntos. Já não precisamos de ser solidários. Já podemos ver a diferença entre os que ganharam com a crise pandémica e os que perderam com ela.
Há empresas que obtiveram resultados estratosféricos com que nunca tinham sonhado e outras que pura e simplesmente tiveram que fechar as portas. Há países com crescimentos económicos extraordinários e outros em que ainda nem sequer sabem em que situação sairão da pandemia.
Mas a pandemia também nos trouxe coisas boas. E a mais óbvia foi a evolução da pessoa digital.
A ideia de que podemos trabalhar a partir de qualquer local é uma ideia libertadora e entusiasmante. Que podemos trabalhar às horas que nos dão mais jeito e que podemos estar em casa junto da família sem ter que sair para trabalhar são perspectivas totalmente inovadoras e que trazem uma enorme flexibilidade à nossa vida.
Há que cuidar e compreender que todas as evoluções tecnológicas do passado, desde o computador, o telemóvel, e mesmo antes, a industrialização, foram sempre vistas como formas de facilitar a nossa maneira de viver, mas, no final, aquilo que nós fizemos foi tornar-nos dependentes dessas mesmas evoluções tecnológicas e perdemos muitas vezes a qualidade da nossa vida privada e da nossa intimidade, o que nos acabou por trazer maior ansiedade, frustração e infelicidade.
Mas a pandemia também nos trouxe coisas boas. E a mais óbvia foi a evolução da pessoa digital.
Temos que garantir que a flexibilização é um benefício e não uma nova forma de aumentar a confusão entre a vida familiar e a vida profissional, retirando qualidade a ambas.
Por tudo isto, o ano de 2022 vai ser um ano da maior importância.
Um ano em que podemos decidir se queremos voltar a viver como antes da pandemia ou se queremos viver melhor. Se queremos uma sociedade que se preocupa em se juntar e partilhar, ou se deixamos tudo voltar a ser como dantes – e a tentar ser sempre mais que os outros e a viver melhor que os outros.
Se queremos ter empresas focadas no desenvolvimento das pessoas, criando uma riqueza partilhada e sustentada, ou se voltamos a viver o campeonato de ver quem consegue ser mais rico.
É um ano para pensarmos naquilo que queremos e deitar mãos à obra porque se queremos mudar teremos que trabalhar muito mais e muito melhor para combater a facilidade de voltar a ser o que fomos.