As Indústrias Navais: perspetivas
A construção, manutenção e reparação naval continua a ser um setor ativo e de grande relevância da Economia do Mar nacional e europeia. Como todos os sectores de produção industrial também a indústria naval sofreu modificações profundas durante as últimas décadas, nomeadamente com o desinvestimento nas indústrias tradicionais em oposição ao interesse nas novas indústrias tecnológicas. Os últimos anos representaram momentos chave para o setor em Portugal com o aumento de atividade na construção naval e nos setores de manutenção e reparação navais e tecnologia marítimas.
O aumento da atividade de construção naval em nichos de mercado específicos tem sido um dos pontos de viragem para este segmento, com resultados positivos registados nos últimos anos.
No setor de construção naval, 2024 apresentou-se como um ano de evolução positiva com a execução dos novos contratos de construção celebrados em 2023 e com novas adjudicações para a construção de navios militares.
Também para os estaleiros de menor dimensão o ano de 2024 teve momentos de júbilo com os efeitos positivos dos programas associados à descarbonização das atividades no setor marítimo apoiados pelo PRR, que tem tido um impacto relevante. Estes efeitos positivos terão continuidade no ano que agora se inicia e contribuirão certamente para a evolução positiva que se espera para o setor.
No que respeita à manutenção e reparação navais, 2024 foi um ano de sentimentos mistos considerando que o crescimento extraordinário verificado em 2023, alicerçado em projetos de modificações estruturais de navios como resposta à necessidade de embarcações mais eficientes, não se repetiu. Foi, no essencial, um ano de reajustamento que se refletiu no valor global de negócios dos estaleiros deste segmento. Este reajustamento de atividade não é indicativo da inversão do momento positivo vivido nos últimos anos, mas apenas um regresso a índices de evolução normais para a manutenção e reparação naval tendo em consideração o mercado global em que se insere.
Os programas apoiados pelo PRR para uma navegação marítima ecológica não tiveram o mesmo impacto que se sentiu na construção durante o ano de 2024. Espera-se que a fase de execução dos 10 projetos aprovados em 2024 se faça sentir durante o ano de 2025 de um modo positivo, com o acréscimo de atividade daí advindo.
O ano de 2025 apresenta-se como uma incógnita perante as incertezas geopolíticas resultantes da continuidade dos conflitos a decorrer e também pelas indefinições dos caminhos da descarbonização do transporte marítimo. A incerteza quanto às tecnologias que poderão dar uma resposta à necessidade de cumprimento das metas definidas pela legislação da Organização Marítima Internacional OMI/IMO e da União Europeia tem mantido a decisão de muitos armadores em suspenso, aguardando uma clarificação das soluções de longo prazo.
O caminho para a descarbonização das embarcações apresenta apenas uma certeza: não haverá uma solução universal e todas as soluções apresentadas até ao momento têm obstáculos técnicos e operacionais de monta. Assim, a decisão dos armadores não será tão rápida como o esperado, o que terá impacto nos projetos de transformação das embarcações, necessários a uma evolução positiva do setor da reparação naval. Mas nem tudo são más notícias, pois a incerteza relativamente às soluções definitivas associada à necessidade de cumprimento de metas bastante próximas tem indiciado a busca de soluções intermédias para redução de emissões por parte de muitos armadores. Estas soluções podem vir a representar num futuro muito próximo investimentos relevantes em transformações de embarcações em estaleiro. Assim, espera-se uma atividade crescente na modificação dos sistemas das embarcações da frota existente de modo a prolongar a vida útil comercial dos navios com mais idade, bem como alterações mais profundas nos navios mais recentes de modo a mitigar o pagamento das elevadas taxas que se avizinham.
Os investimentos na modernização de infraestrutura com muitas décadas de existência, as necessidades de investigação e acompanhamento das novidades tecnológicas associadas aos novos combustíveis e sistemas de propulsão dos navios, associada à necessidade de captação e formação de trabalhadores que possam manter o setor em atividade apresentam-se como grandes desafios dum futuro muito próximo.
Num segmento com menos visibilidade devido à sua menor dimensão, as tecnologias marítimas nacionais têm crescido nos últimos anos com o desenvolvimento de soluções tecnológicas inovadoras e com potencial de aplicação comercial a nível mundial. O crescimento desta vertente da indústria naval é esperado nos próximos anos, sendo o apoio dos armadores nacionais uma nota de relevo, pois tem sido um dos fatores de sucesso de muitos projetos. Os projetos de investimento em alterações da frota existente no âmbito do PRR com utilização de soluções nacionais serão uma fonte rendimento muito relevante e a continuidade destas parcerias entre as empresas inovadoras nacionais e os nossos armadores pode ser um fator chave para o desenvolvimento de novos e inovadores projetos tecnológicos.
Desafios nacionais e europeus
Os desafios da indústria naval europeia e nacional continuam a ser de grande monta, sendo necessárias decisões estratégicas europeias que permitam assegurar a continuidade deste setor industrial fundamental para a manutenção da nossa soberania. As Associações Nacionais do Setor, através da sua Associação Europeia – SEA Europe – têm reclamado uma política europeia para o transporte marítimo com a criação do European Maritime Act, defendendo a necessidade de apoio para garantir que a construção das novas embarcações “verdes”, bem como a transformação das existentes, seja feita em estaleiros europeus, com recurso a equipamentos desenvolvidos na Europa. Sem ações políticas fortes dificilmente haverá sucesso europeu e nacional neste processo de renovação da frota marítima mundial.
Os investimentos na modernização de infraestrutura com muitas décadas de existência, as necessidades de investigação e acompanhamento das novidades tecnológicas associadas aos novos combustíveis e sistemas de propulsão dos navios, associada à necessidade de captação e formação de trabalhadores que possam manter o setor em atividade apresentam-se como grandes desafios dum futuro muito próximo.
O envelhecimento, a falta de mão de obra qualificada e os custos de formação
Como tem sido repetido em múltiplas ocasiões, vários setores industriais portugueses, incluindo as indústrias navais, deparam-se com desafios complexos no que respeita aos recursos humanos disponíveis. O envelhecimento dos trabalhadores, principalmente em funções e nichos de mercado mais tradicionais, é resultado, desde logo, da falta de atratividade de muitas das profissões desta indústria, nomeadamente pela exigência física.
A indústria em geral e a indústria naval em particular enfrenta uma escassez de mão de obra qualificada que ameaça a sustentabilidade de muitas empresas. A reduzida oferta de formação para o setor industrial associada à inexistência de oferta específica ao setor naval tem forçado a redução de capacidade de muitas empresas e obrigado a um esforço adicional de investimento em formação interna que raramente tem efeitos a longo prazo resultando num investimento sem retorno. O setor enferma de um elevado nível de desinvestimento em formação, compreensível pelas dificuldades financeiras sentidas e pelo excesso de oferta de mão de obra durante os anos 90, requerendo neste momento um esforço adicional às empresas, que não o conseguem suportar na sua totalidade. Tradicionalmente, o segmento de construção naval alimentava o mercado com mão de obra qualificada que era posteriormente utilizada pelas empresas de manutenção e reparação e por empresas de prestação de serviços de menor dimensão para reforço dos seus meios. Esta solução desapareceu juntamente com a atividade de construção dos estaleiros de maior dimensão e, deste modo, assistimos à criação de um desafio adicional para o sector.
A aplicação da estratégia de reindustrialização europeia e nacional deve ter em atenção as necessidades de formação dos diferentes setores, não esquecendo a necessidade de criação de formação tecnológica de nível intermédio e a formação em setores mais tradicionais com menor incorporação tecnológica, mas essenciais para as empresas. A orientação de esforços não se deve dar considerando apenas o aumento de qualificações académicas que, sendo necessários, não respondem às necessidades prementes das empresas.
Há a necessidade de apoiar os setores tradicionais de menores dimensões, que não têm meios de formar, de modo sustentável, profissões em vias de extinção, fundamentais para a manutenção de atividades essenciais para muitos dos estaleiros de pequena dimensão. Neste grupo estão, por exemplo, desenhadores navais, carpinteiros navais e calafates que, não sendo necessários em grande número, são essenciais para setores mais tradicionais da indústria naval comummente esquecidos.
Novos projetos de construção de embarcações de recreio
Numa nota bastante positiva, os últimos anos têm registado uma evolução muito interessante no segmento de construção de embarcações de recreio. Desde o aparecimento de novos construtores nacionais em segmentos de luxo, à instalação em solo nacional de unidades fabris de construtores estrangeiros que potenciam o crescimento deste segmento e abrem portas a novos projetos nacionais e internacionais. Estes novos projetos têm a particularidade de estarem localizados no mesmo porto, criando assim um polo onde no passado não existiam empresas deste tipo.
Os desafios de maximizar o investimento público
O poder político pode e deve ser o veículo promotor dos diversos modelos de colaboração necessários a maximizar o aproveitamento do investimento disponível. Ao nível do investimento público, nomeadamente, na renovação das frotas nacionais (embarcações portuárias, embarcações de fiscalização, embarcações militares) devem ser criados mecanismos que, dentro do quadro legal existente, permitam promover o recurso a empresas nacionais em detrimento de soluções alternativas que não promovam a indústria nacional. Neste capítulo, a necessidade de definir os prazos de investimento à capacidade de construção instalada – de modo a não criar constrangimentos e permitir que os estaleiros nacionais possam cumprir os novos contratos sem comprometer a sua atividade regular e as relações com os seus clientes comerciais – apresenta-se como um desafio que, com algum esforço e diálogo, pode ser ultrapassado. Também a eliminação de cláusulas contratuais desnecessárias, que excluem estaleiros nacionais, deve ser equacionada de modo a apoiar a produção nacional. Não são apenas os grandes projetos de investimento que potenciam o aproveitamento do tecido industrial nacional; o recurso sistemático a empresas nacionais para serviços recorrentes e de menor dimensão são a melhor forma de fomentar o entendimento e permitir que se atinjam os níveis de confiança necessários.
Neste sentido, a AI Navais continua o seu esforço de sensibilização de todos e nomeadamente das entidades públicas para a necessidade de encontrar soluções para este setor estratégico adotando procedimentos que promovam a participação de empresas nacionais em todas as oportunidades de negócio.