Não sei se ainda têm perna de pau, um olho de vidro e cara de mau, mas os piratas do século XXI existem e continuam a a atacar navios (geralmente embarcações comerciais, navios de carga e até embarcações de passageiros) em alto-mar.
Vejamos o ano de 2023: em maio, piratas atacaram um graneleiro norte-americano e raptaram três membros da tripulação, ao largo da costa do Gabão, no Golfo da Guiné; em junho, as forças especiais italianas abordaram um navio de carga que navegava da Turquia para França, depois de a tripulação ter sido ameaçada por piratas ao largo da costa italiana; em agosto, após uma operação que durou 28 horas, as Forças Armadas da Libéria libertaram 23 tripulantes raptados por piratas a bordo de um navio de pesca chinês.
A pirataria marítima, uma ameaça que atravessa séculos, é um problema global que afeta não só a segurança das águas internacionais, mas também o comércio mundial. Tornou-se – surpreendentemente – parte da tradição em muitas nações, ocorrendo em áreas propensas à pirataria, como o Golfo de Aden, o Estreito de Malaca e o Golfo da Guiné.
Este não é, todavia, um problema restrito a regiões específicas, mas sim uma ameaça que se espalha pelos principais canais de navegação global. Os ataques são mais comuns em áreas de intenso comércio marítimo e as motivações são muitas e distintas, incluindo interesses financeiros, políticos e do mercado negro. Para os marítimos, os encontros com piratas podem ser traumáticos, com tripulantes frequentemente mantidos em cativeiro sob condições brutais durante as negociações de resgate.
As zonas de maior atividade pirata, conhecidas como “pontos quentes,” incluem o Noroeste da África, Golfo da Guiné, Mar Vermelho, Somália, Corno de África, Golfo de Áden, Oceano Índico, Subcontinente Indiano, Sudeste Asiático, América do Sul e Central e Caraíbas.
No contexto internacional, a pirataria marítima é considerada uma violação grave do direito internacional. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS), de 1982, desempenha um papel fundamental na governança dos oceanos e recursos marinhos, incluindo abordagens para combater a pirataria. A UNCLOS atribui a responsabilidade de combater a pirataria às nações costeiras em suas águas territoriais e permite a captura de piratas em águas internacionais por navios de guerra de qualquer Estado, enfatizando a necessidade de cooperação internacional.
No entanto, o desafio reside na aplicação efetiva da legislação, já que a jurisdição varia dependendo do local onde os ataques ocorrem. A luta contra a pirataria é ainda mais complexa quando os ataques ocorrem em águas territoriais de um país, pois a intervenção de navios de guerra estrangeiros pode violar a soberania territorial.
O relatório do IMB registou 65 incidentes no primeiro semestre de 2023, incluindo abordagens bem-sucedidas a 90% dos navios visados e violência contra tripulações, com reféns, raptos e ferimentos.
A Organização Marítima Internacional (IMO) também tem desempenhado um papel significativo na luta contra a pirataria marítima, agindo em colaboração com outras agências para prender e julgar piratas, destacando a importância da cooperação internacional na resolução deste desafio persistente – lembremo-nos que o ano 2011 foi designado pela IMO, de forma inovadora, como o “Ano da Luta Conjunta contra a Pirataria Marítima.”
A pirataria marítima tem um impacto significativo no comércio internacional, afetando as rotas comerciais globais. Áreas de alto risco de pirataria aumentam os custos operacionais das companhias de navegação, resultando em preços mais altos para os consumidores finais. Além disso, a pirataria pode causar atrasos no transporte de mercadorias e danos materiais aos navios e cargas, resultando em perdas financeiras.
Para combater a pirataria marítima a comunidade internacional tem tomado várias medidas. Além das diretrizes UNCLOS, foram estabelecidas parcerias navais e operações de segurança em áreas propensas à pirataria. Essas operações militares têm ajudado a dissuadir e responder a ataques de piratas. Além disso, programas de capacitação e desenvolvimento foram implementados em países costeiros afetados pela pirataria, abordando as causas subjacentes, como pobreza e falta de oportunidades económicas.
Ainda assim, em 2021 o Conselho de Segurança das Nações Unidas, num debate aberto de alto nível sobre a melhoria da segurança marítima, destacou o aumento alarmante da pirataria marítima global, especialmente em áreas como a Ásia, África Ocidental, Estreito de Malaca e Singapura e Mar da China Meridional. Já em 2023, o Bureau Marítimo Internacional (IMB) da ICC expressou preocupação com o ressurgimento da pirataria e assaltos à mão armada no Golfo da Guiné e o aumento de incidentes no Estreito de Singapura. O relatório do IMB registou 65 incidentes no primeiro semestre de 2023, incluindo abordagens bem-sucedidas a 90% dos navios visados e violência contra tripulações, com reféns, raptos e ferimentos.
Ora, estes números refletem uma crescente preocupação com a pirataria marítima e a necessidade contínua de esforços internacionais para combatê-la, mostrando com toda a clareza que os problemas da pirataria estão longe de estar resolvidos.
Embora os desafios da pirataria marítima persistam, sendo um desafio complexo para o direito internacional, o comércio mundial e a segurança e proteção dos marítimos, as respostas globais coordenadas, juntamente com a aplicação de medidas de segurança modernas, são fundamentais para mitigar o seu impacto e garantir a segurança contínua das águas internacionais e do comércio internacional.
Pós-graduada em “Maritime Law”, com especialização em “‘Oil and Chemical Pollution”, pela London Metropolitan University