No passado dia 14 de dezembro de 2022 foi publicada a Diretiva (UE) 2022/2464[i], do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa ao Relato de Sustentabilidade das empresas, substituindo-se o anterior modelo de reporte de informação não financeira[ii].
Esta Diretiva vem instituir um novo quadro de reporte de sustentabilidade que visa apoiar a estratégia do Pacto Ecológico Europeu e do Plano de Ação sobre o Financiamento Sustentável da União Europeia e promover uma maior informação e conhecimento sobre o posicionamento e a performance das empresas nestas matérias.
As empresas abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva passarão a ser obrigadas, no âmbito do seu relatório de gestão, à inclusão e divulgação pública de informações sobre o impacto da sua atividade ao nível ambiental, social, de direitos humanos e de governação corporativa (os fatores ESG[iii]).
Além disso, terão de utilizar para este efeito standards específicos[iv] de modo que se alcance uma harmonização e uma metodologia comum para o fornecimento desta informação. O primeiro conjunto de standards transversais foi publicado em novembro de 2022, especificando as informações que as empresas devem relatar sobre as questões de sustentabilidade e prevê-se até junho de 2024 a publicação de standards setoriais, incluindo para o setor dos transportes, standards dirigidos a PME’s e mesmo standards dirigidos a entidades de países que não fazem parte da UE.
Será também adotado um segundo conjunto de normas de relato de sustentabilidade, até 30 de junho de 2024, especificando as informações complementares que as empresas deverão divulgar sobre questões de sustentabilidade e os domínios de comunicação de informações, sempre que necessário, bem como as informações setoriais em que a empresa opera.
Este esforço visa não só garantir uma maior transparência, disponibilidade e credibilidade da informação sobre a sustentabilidade empresarial, hoje cada vez mais relevante para os mais diversos stakeholders, como também permitir a fácil comparação da informação não financeira das empresas. Trata-se, no fundo, de um instrumento de gestão do risco de sustentabilidade das organizações e do impacto da sua atividade nas pessoas e no ambiente.
As alterações introduzidas pela Diretiva vêm não só reforçar a informação a reportar como aumentam a exigência deste reporte. As empresas são obrigadas a auditar e validar a informação disponibilizada (obrigatoriamente por terceiros independentes, designadamente Revisores Oficiais de Contas), com obrigação de monitorização do desempenho por parte das entidades abrangidas, pretendendo-se sejam capazes de identificar as suas oportunidades de melhoria e que ativamente intervenham em conformidade no sentido da promoção do seu desenvolvimento sustentável.
No fundo, pretende-se que estas matérias passem a ombrear, no que à sua comunicação diz respeito, com as obrigações já existentes relativamente à organização e disponibilização da informação financeira.
Além disso, é alargado significativamente o âmbito de aplicação da Diretiva, de modo a serem abrangidas mais empresas.
Ficam sujeitas a estas obrigações de reporte todas as grandes empresas da Europa[v] (já em 2025 relativamente ao exercício de 2024 ou no ano seguinte caso não estivessem abrangidas pela anterior diretiva de reporte não financeiro), as PME’s cujos valores mobiliários sejam negociados num mercado regulamentado na UE (em 2027, relativamente ao exercício de 2026) e até mesmo subsidiárias de empresas fora da UE[vi] (em 2029, relativamente ao exercício de 2028).
Sabendo-se que, em sede dos fatores ambientais, são particularmente relevantes os indicadores relativos às metas de descarbonização, a Diretiva poderá representar um desafio particularmente pesado no que respeita às empresas do setor dos transportes.
Além desta aplicação direta, prevê-se que a Diretiva possa ainda, indiretamente, abranger um universo muito mais significativo de empresas já que prevê a necessidade de ter em conta, para as entidades obrigadas, a sua respetiva cadeia de valor. De facto, ao abranger também os impactos que se verifiquem ao longo da cadeia de valor, estarão em causa todos os produtos e serviços utilizados, as relações comerciais que se estabeleçam, todos os fornecedores,… mesmo que fora da UE, pelo que a Diretiva tem um potencial campo de aplicação muitíssimo superior.
Os Estados-Membros terão até julho de 2024 para pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias à transposição da Diretiva.
A adaptação a este novo contexto obrigará a um esforço por parte das empresas, com impacto desde logo nos seus órgãos sociais, seja ao nível da sua gestão seja ao nível da sua supervisão. Será necessário adotar novos sistemas de recolha e tratamento de informação bem como assegurar a monitorização e verificação da informação e a implementação dos planos destinados à melhoria contínua dos indicadores relevantes.
Sabendo-se que, em sede dos fatores ambientais, são particularmente relevantes os indicadores relativos às metas de descarbonização, a Diretiva poderá representar um desafio particularmente pesado no que respeita às empresas do setor dos transportes.
Todas as empresas devem preparar-se para responder a estas novas obrigações. Tanto mais que bastará que se relacionem com grandes empresas para serem penalizadas nas suas relações comerciais, ou mesmo delas excluídas, caso não disponibilizem informação sobre estas matérias e não tenham capacidade para medir e melhorar a sua performance nos fatores ESG.
No entanto, e de outra perspetiva, na qual mais acreditamos, o respeito e a melhoria contínua em sede de ESG pode ser um critério diferenciador e capacitador, gerador de novas oportunidades de negócio e capaz de aumentar os níveis de confiança, competitividade e reconhecimento das empresas e, consequentemente, o seu posicionamento concorrencial.
Urge, assim, que as empresas se preparem para novos e maiores controlos nestas áreas – desde logo, o público, e que rapidamente introduzam e adotem novos critérios (in)formadores da sua atividade.
Dir-se-ia que a criação de lucro estará assim definitivamente afastada como princípio exclusivo orientador da boa corporate governance, transferindo-se a tónica para preocupações de sustentabilidade, de justiça equitativa, de respeito pelo Homem e pelo planeta e transformando as empresas em agentes de mudança para este novo paradigma.
[i] Disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32022L2464.
[ii] Designadamente, o Regulamento (UE) n.o 537/2014, a Diretiva 2004/109/CE, a Diretiva 2006/43/CE e a Diretiva 2013/34/EU.
[iii] Enviromental, Social, Governance.
[iv] European Sustainability Reporting Standards (ESRS), em desenvolvimento pelo European Financial Reporting Advisory Group (EFRAG).
[v] Em concreto, entidades que cumpram com dois dos três critérios seguintes: mais de 500 colaboradores, mais de 40 milhões de euros em receitas e mais de 20 milhões de euros em ativos.
[vi] Para estas, caso tenham um volume de negócios líquido superior a 150 milhões de euros na UE e que tenham pelo menos uma grande filial ou uma sucursal da UE que gere um volume de negócios líquido superior a 40 milhões de euros ou que seja cotada.
GABRIELA QUEIROZ
Advogada associada da JPAB