É muito interessante analisar a evolução das pesquisas em sistemas portuários desde a década de 1960, utilizando uma abordagem bibliométrica. Um recente estudo destaca a transformação da investigação científica de gestão sobre portos, que inicialmente focava na relação hinterland-porto, passando posteriormente a explorar a conectividade marítima e as redes portuárias globais. A resiliência regional e a sustentabilidade emergem como tópicos centrais nas pesquisas recentes, refletindo as mudanças no contexto socioeconómico e geopolítico global.
A investigação portuária nas primeiras décadas centrou-se no estudo dos portos como pontes entre a terra e o mar, explorando a sua importância para o desenvolvimento económico regional. Estes estudos frequentemente envolviam modelos teóricos sobre a localização de portos e sua integração com as cadeias logísticas terrestres. No entanto, a partir do ano 2000 houve uma mudança significativa, com o foco a migrar para a análise da conectividade entre os portos, utilizando redes complexas para estudar as interações marítimas globais.
Através de uma análise bibliométrica, os autores deste estudo referido identificam um aumento no número de publicações a partir de 2000, com a globalização e a expansão do comércio internacional desempenhando um papel importante nesse crescimento. Esta mudança reflete uma transição nas teorias e abordagens utilizadas, onde o papel dos portos é analisado numa perspetiva mais global, não apenas como nós locais de conexão, mas também como centros cruciais em redes globais de transporte.
Nos estudos mais recentes, o conceito de conectividade portuária ganhou centralidade. O estudo explica que a capacidade de um porto se integrar de forma eficiente em redes globais de transporte marítimo determina, em grande parte, o sucesso económico e logístico do porto. Esta conectividade é examinada sob o prisma de redes complexas, onde os portos funcionam como nós interligados que afetam diretamente a fluidez do comércio global. A análise dessas redes, e da sua resiliência a choques globais, como a pandemia de COVID-19 ou crises geoestratégicas e financeiras, tem sido um tema de crescente interesse.
Além disso, a resiliência regional também emerge como uma área chave. Estudar como os portos se recuperam e se adaptam a crises económicas, políticas e ambientais oferece uma perspetiva crítica para o futuro das pesquisas, em especial com as crescentes ameaças das mudanças climáticas. O papel dos portos na construção de infraestruturas e redes resilientes será cada vez mais importante.
Existem lacunas importantes na literatura, especialmente no que diz respeito ao impacto ambiental dos portos e a necessidade de modelos mais integrados que combinem aspetos terrestres e marítimos de forma holística. A pesquisa sobre a relação entre portos e emissões de gases de efeito estufa, por exemplo, ainda é escassa, apesar da urgência da questão dentro do contexto de sustentabilidade global.
O futuro da investigação sobre sistemas portuários deve focar em três áreas principais: digitalização, sustentabilidade e resiliência. O uso de tecnologias emergentes como big data, inteligência artificial e automação tem o potencial de transformar as operações portuárias, aumentando a eficiência e a sustentabilidade. Além disso, com as mudanças climáticas enquanto ameaça crescente, é imperativo que as pesquisas considerem formas de mitigar os impactos ambientais e garantir que os portos se possam adaptar às novas realidades.
É importante desenvolver uma abordagem mais integrada que combine os aspetos económicos, sociais e ambientais dos portos, promovendo uma visão mais holística e resiliente dos sistemas portuários no futuro. Por outro lado, o impacto da globalização nas operações portuárias, com o aumento das cadeias de abastecimento interligadas e a crescente interdependência entre portos globais, reforça a necessidade de uma abordagem cada vez mais interdisciplinar na pesquisa.
As políticas comerciais, regulamentos internacionais e acordos climáticos globais estão diretamente ligados ao desempenho dos portos, e é algo que não foi plenamente explorado. A influência dos acordos comerciais bilaterais e multilaterais, as tensões geopolíticas e as mudanças nos padrões de consumo global provavelmente serão temas de pesquisa que emergirão com mais força nos próximos anos.
A investigação sobre sistemas portuários precisa de continuar a expandir as suas fronteiras teóricas e metodológicas, considerando não apenas a conectividade e o impacto ambiental, mas também os fatores económicos e políticos globais que moldam os sistemas portuários no mundo contemporâneo.
O estudo referido apresenta a distribuição do número de artigos publicados em várias revistas académicas que abordam o tema dos sistemas portuários. A revista com o maior número de artigos é a Maritime Policy and Management com 38 publicações, seguida pela Journal of Transport Geography com 37 artigos. Essas duas revistas claramente dominam a produção académica sobre portos, mostrando uma concentração do conhecimento em revistas especializadas na política marítima e na geografia do transporte.
Outras revistas com números significativos de publicações incluem GeoJournal (13 artigos), Transport Policy (11 artigos), e Maritime Economics and Logistics (8 artigos). Essas revistas refletem o foco nas interações económicas, políticas e logísticas que permeiam a pesquisa sobre portos e a sua importância nas cadeias globais de abastecimento. A presença de revistas como Sustainability e International Journal of Shipping and Transport Logistics demonstra o interesse crescente por questões ambientais e a complexidade dos sistemas logísticos modernos, refletindo as tendências emergentes de digitalização e sustentabilidade. A concentração dos artigos em poucas revistas sugere que o campo dos estudos portuários tem um número limitado, mas altamente especializado, de publicações que servem como plataformas de disseminação do conhecimento.
O estudo aborda ainda a concentração, que se refere ao processo pelo qual o tráfego e as funções dos portos se concentram em poucos portos principais, enquanto a desconcentração trata da redistribuição do tráfego e das operações para portos periféricos ou menos especializados.
…enquanto a pesquisa sobre gestão portuária avança em direção à sustentabilidade e conectividade, é crucial que também se concentre em garantir a equidade no acesso a inovações e na resiliência em um contexto de crises geopolíticas e económicas globais.
Nas décadas de 1960 e 1970, muitos estudos focaram no desenvolvimento de infraestruturas portuárias para servir a economias emergentes. Já nas décadas de 1980 e 1990, os estudos começaram a abordar a especialização de portos e o surgimento de hubs marítimos, refletindo o desenvolvimento do comércio global.
Nos anos 2000 em diante, observamos um foco crescente na regionalização e na intermodalidade, com o desenvolvimento de hubs e sistemas de feeder (alimentadores) que conectam portos centrais e secundários. Este período também viu o crescimento dos portos asiáticos, especialmente na China, enquanto outros portos em regiões como a Europa enfrentaram pressões de desconcentração, com mais tráfego desviado para portos de médio porte. Esta tendência de desconcentração reflete uma mudança estratégica global para reduzir a dependência de poucos portos principais e distribuir as cargas de forma mais eficiente em toda a cadeia logística.
Destaca-se ainda o papel da metropolização, a competição entre portos dentro de regiões interconectadas (por exemplo, na Europa e na América do Norte), e o desenvolvimento de portos especializados para certos tipos de mercadorias, como petróleo ou contentores, adaptando-se às novas dinâmicas do comércio global.
O estudo aborda ainda diversos projetos de cooperação focados na sustentabilidade que foram desenvolvidos entre portos europeus no período de 2010 a 2023. Estes projetos refletem o crescente interesse em reduzir os impactos ambientais dos portos, promovendo operações mais verdes e eficientes. Entre os projetos mais relevantes estão o Green EFFORTS (2012–2014), liderado por Bremen, que envolveu várias cidades europeias como Hamburgo, Delft e Roterdão, e que focou em operações portuárias mais ecológicas.
Outro projeto importante é o GREENCRANES (2012–2014), liderado por Valência, que envolveu Koper e Livorno, concentrando-se em tecnologias verdes e alternativas ecológicas para a operação de guindastes e terminais de contentores. Projetos como o SUSPORT (2020–2022), que abrangeu portos na região do Adriático, também visaram a sustentabilidade portuária com foco na mobilidade urbana sustentável e nas operações logísticas mais limpas.
Esses projetos refletem a crescente cooperação internacional no desenvolvimento de infraestruturas mais sustentáveis e a adaptação dos portos europeus às mudanças climáticas. As iniciativas mostram um compromisso significativo com a inovação tecnológica e a transição para operações de baixo carbono, abordando os desafios ambientais de forma colaborativa e inter-regional.
Em conclusão, observa-se um claro foco em conectividade, especialização e, mais recentemente, sustentabilidade. Verifica-se um ênfase crescente na sustentabilidade e na cooperação entre portos, especialmente na Europa, com projetos destinados a reduzir os impactos ambientais e aumentar a eficiência das operações portuárias.
Embora os estudos sobre gestão portuária tenham evoluído significativamente nas últimas décadas, movendo-se de uma análise centrada no hinterland-porto para uma abordagem mais complexa que integra a conectividade global, sustentabilidade e resiliência, ainda persistem desafios importantes. A concentração de publicações em poucas revistas especializadas e a dependência de colaborações internacionais refletem uma comunidade de pesquisa que, embora produtiva, carece de maior diversidade geográfica e interdisciplinaridade. A desconcentração do tráfego portuário e a regionalização emergem como soluções estratégicas para a eficiência das cadeias logísticas, mas ainda são insuficientemente exploradas, especialmente fora dos principais centros globais.
Adicionalmente, o foco crescente em sustentabilidade nos portos, exemplificado pelos projetos europeus de cooperação, como o Green EFFORTS e o GREENCRANES, levanta questões sobre a aplicação prática dessas iniciativas em contextos fora da Europa. Muitos portos em países emergentes enfrentam limitações estruturais e financeiras que os impedem de adotar rapidamente as melhores práticas ambientais discutidas na literatura. Portanto, há uma lacuna evidente entre as pesquisas e as implementações práticas globais, o que aponta para a necessidade de estudos que abordem não apenas as questões de sustentabilidade, mas também a viabilidade de implementação em portos com realidades financeiras e infraestruturais diversas.
Por fim, a interação entre as políticas globais, como os acordos climáticos e comerciais, e as operações portuárias ainda não é totalmente compreendida. As tensões geopolíticas, que afetam as rotas comerciais e a competitividade dos portos, exigem uma análise mais aprofundada para antecipar os impactos dessas incertezas no sistema portuário global. Sem um esforço mais interdisciplinar que una as dimensões económicas, ambientais e políticas, a pesquisa sobre portos pode se tornar excessivamente segmentada, limitando sua capacidade de influenciar políticas e práticas globais de forma significativa.
Assim, enquanto a pesquisa sobre gestão portuária avança em direção à sustentabilidade e conectividade, é crucial que também se concentre em garantir a equidade no acesso a inovações e na resiliência em um contexto de crises geopolíticas e económicas globais.
Fonte: Artigo “A Systematic and Critical Review of Port System Research” de César Ducruet e Theo Notteboom, 2023.
VÍTOR CALDEIRINHA
Professor Universitário de Gestão Portuária