A indústria 4.0 e as novas profissões
Em abril de 2011, na Feira de Hannover, falou-se pela primeira vez do conceito Indústria 4.0. Nessa altura, na Alemanha falava-se de um projeto que iria modernizar e propor mudanças na indústria. Mais tarde, na edição de 2013 da mesma Feira, o Governo Federal Alemão apresentou um plano estratégico para desenvolvimento do conceito, que prometia revolucionar a indústria e o trabalho, trazendo para a ordem do dia termos como digitalização, automatização e robotização, Internet das Coisas, Inteligência Artificial, Machine Learning, Big Data, entre outros.
Logo nessa altura, iniciou-se a discussão sobre as novas profissões que iriam emergir e as velhas que iriam desaparecer: havia opiniões para todos os gostos e previsões que apontavam em todos os sentidos. Se uns garantiam que iriam ser destruídos milhares de postos de trabalho, levando ao aumento exponencial das taxas de desemprego, outros, menos pessimistas (ou mais ponderados), previam que haveria, isso sim, necessidade de mais trabalhadores em novas áreas e com novas competências. Se de um lado se temia o caos, do outro receava-se que pudesse ser difícil encontrar profissionais disponíveis, com as competências adequadas. Depois de centenas de seminários, conferências e palestras, em que se discutia e refletia sobre o tema, depois de dezenas de programas de apoio à qualificação e requalificação de pessoas, de reskilling e upskilling, importa perceber onde estamos, ao fim destes 10 anos. E os dados quantitativos são claros: se em 2013 a taxa de desemprego em Portugal era de 17,3%, curiosamente a mais alta das últimas décadas, em 2022 foi de 6,0%, tendo descido todos os anos desde 2013 (Pordata e INE). E isto não aconteceu apenas em Portugal. Na Alemanha, por exemplo, a realidade é ainda mais complicada e as empresas desesperam, sempre que necessitam de recrutar novos trabalhadores.
Estes dados contrariam, e provavelmente surpreendem, todos os que achavam que iriam ser destruídos muitos postos de trabalho. Na verdade, se em 2013 já era muito difícil encontrar profissionais disponíveis com qualificações adequadas, hoje tornou-se quase impossível, mesmo sem exigir qualificações especiais.
O novo paradigma: atrair e reter talento
À medida que isso ia acontecendo, entravam na ordem do dia novos chavões, como atrair e reter talento; inventam-se novos métodos e fórmulas para o recrutamento de trabalhadores; reinventam-se práticas antigas para reter os novos (e, às vezes, também os mais antigos) trabalhadores; recorre-se a termos mais sexy para nos referirmos aos trabalhadores, como capital humano, talentos, pessoas, recursos…
E no meio de tudo isto, o que estamos a fazer com, e para, os nossos trabalhadores mais resilientes e que estão nas nossas empresas há muito tempo? Estamos a prepará-los para os novos desafios e para as novas necessidades? Estamos a qualificá-los e/ou a requalificá-los, tendo em conta planos de formação e de desenvolvimento adequados e bem estruturados? Estamos, pelo menos, a cumprir as 40h/anuais de formação, previstas no Código do Trabalho? E se sim, estamos a selecionar a formação tendo em conta a sua utilidade para o trabalhador, mas, também, para a empresa? Ou estamos apenas a fazer “alguma” formação, que nos vai aparecendo de forma avulsa e aleatória na mesa de trabalho e, de preferência, gratuita, sem nos preocuparmos com o impacto que esta possa causar ou, sequer, se é adequada às nossas necessidades?
Atrair e reter novos talentos é, sem dúvida, importante; mas esquecer os que temos connosco e não os envolver nos processos de desenvolvimento e crescimento da empresa é um desperdício e um erro crasso.
Bem sei que nenhum dos leitores desta reflexão / provocação se enquadra nesse perfil e não se irá rever nele. Mas, provavelmente, todos conhecemos empresas onde a formação dos seus trabalhadores é relegada para segundo ou terceiro plano e não é uma prioridade, nem é encarada como uma ferramenta importantíssima para reter trabalhadores e, simultaneamente, capacitá-los para as necessidades atuais e futuras.
Em qualquer conversa, discurso ou artigo (como é o caso deste) sobre as dificuldades que as empresas enfrentam hoje, está sempre presente o tema da escassez dos recursos humanos disponíveis e da dificuldade em atrair e reter talentos. Não deixa de ser curioso que, normalmente, a ordem seja esta: atrair e depois reter! Sim, porque partimos do princípio de que os talentos importantes são os que vamos conseguir atrair e recrutar de novo. E porque não inverter e pensar em reter, envolver, formar, qualificar e preparar os que temos atualmente, algumas vezes há muito tempo, partindo de planos de formação ajustados às nossas necessidades e realidades, bem preparados, bem elaborados e melhor implementados, recorrendo a especialistas e a entidades de formação experientes e de confiança?
Não teremos nas nossas equipas profissionais que estão a ser subvalorizados e subaproveitados? Que com planos de desenvolvimento e de formação eficazes e, já agora, promovidos e apoiados pela empresa, se tornem mais úteis e bem mais motivados e preparados para ocuparem novas funções, as tais para as quais temos dificuldade de recrutar!?
Talvez desta forma não tenhamos necessidade de recrutar novos trabalhadores, ou, então, poderemos recrutar para funções menos exigentes e críticas. Talvez desta forma os nossos atuais trabalhadores se sintam mais motivados e com mais vontade para continuar na empresa.
Admito, mais uma vez, que provavelmente nenhum dos leitores se revê nesta reflexão, mas… talvez já tenham passado pela experiência de contratar novos trabalhadores, para novas funções e, logo a seguir, alguns dos que já estavam na empresa há muito tempo acabarem por sair, obrigando a novos recrutamentos. Atrair e reter novos talentos é, sem dúvida, importante; mas esquecer os que temos connosco e não os envolver nos processos de desenvolvimento e crescimento da empresa é um desperdício e um erro crasso.
PORTUGAL 2030 – A formação como motor para o desenvolvimento
Quando deixarmos de olhar para a formação dos nossos quadros como algo que se faz apenas para cumprir uma obrigação legal, tendo como critério primeiro o custo e o impacto que tem no trabalho de hoje, para a considerarmos como parte essencial de uma estratégia abrangente, em que as necessidades futuras de trabalhadores (quantidade e qualidade) sejam consideradas e levadas a sério, talvez o tema da atração e retenção de talentos se torne menos importante e crítico.
A poucos meses de começarem a ser publicados os primeiros anúncios para os concursos previstos no PORTUGAL 2030, nomeadamente os que se destinarão a financiar programas de formação profissional, é fundamental que as empresas se preparem para que se possam candidatar a esses programas. É muito importante que saibam exatamente o que precisam e que vejam esses programas como um investimento no futuro. É fundamental que as empresas aproveitem os fundos que serão disponibilizados de forma adequada e eficaz. Para isso, é imprescindível que façam um diagnóstico exaustivo às suas necessidades atuais e futuras, que definam planos de desenvolvimento para os seus trabalhadores, que definam planos de formação e prevejam modelos de análise do seu impacto. E, já agora, que escolham cuidadosamente os seus parceiros. Sem isso, estaremos a desperdiçar oportunidades e recursos.
ELÍSIO SILVA
Câmara de Comércio e Indústria Luso-Alemã – Diretor da DUAL