Luís Miguel Ribeiro
Presidente da AEP – Associação Empresarial de Portugal
Escrever sobre as expectativas e os desafios para a economia portuguesa conduz sempre a um exercício de reflexão sobre os principais constrangimentos, no sentido de os conseguirmos eliminar, e os principais desafios, por forma a podermos vencê-los e potenciar as inúmeras oportunidades.
Para além dos aspetos intrínsecos do nosso território nacional, Portugal, enquanto pequena economia aberta e inserida num mundo concorrencial e fortemente globalizado, depende muito do enquadramento externo, que nos últimos tempos não tem sido o mais favorável, bem pelo contrário.
Num contexto em que se encontrava já muito fragilizado, pelos impactos negativos da pandemia por Covid-19, o tecido empresarial, sobretudo o industrial, tem vindo a assistir a um agravamento de diversos custos operacionais, de que são exemplos os aumentos dos preços das matérias-primas, da energia e dos transportes. A esmagadora maioria das empresas não tem capacidade para absorver tamanho agravamento e não encontra outra solução senão a de refletir no aumento do preço final dos bens.
Ao agravamento dos custos operacionais é expectável incorrer, a curto prazo, num aumento dos custos financeiros, face ao previsível aumento das taxas de juro, em virtude das alterações da política monetária por parte dos bancos centrais, em particular do BCE (Banco Central Europeu), face à evolução da inflação na área euro. Em dezembro a inflação na área euro atingiu 5%, que correspondeu ao máximo da série iniciada em 1997. Nos Estados Unidos o valor foi de 7%, o máximo desde janeiro de 1982.
Num contexto em que as empresas ainda se encontram muito fragilizadas, e com uma forte pressão para esmagamento da sua margem de negócio, como pode o país gerar mais riqueza – e de forma sustentada – que permita uma rápida convergência com o nível de vida médio dos países mais desenvolvidos e não apenas com a média da União Europeia?
Os dados históricos são muito claros. Nas duas últimas décadas, Portugal cresceu praticamente metade da média europeia e foi ultrapassado por vários países. Segundo as previsões de outono da Comissão Europeia, Portugal arrisca-se a ocupar a posição de sexto país mais pobre da União Europeia, apenas acima da Letónia, Eslováquia, Croácia, Grécia e Bulgária.
É este cenário que temos de inverter, com políticas públicas adequadas e direcionadas a quem fundamentalmente cria riqueza e emprego: as empresas privadas.
Crescer mais e melhor passa por criar condições que permitam alcançar aumentos sustentados de produtividade e melhoria da competitividade; aumentar o peso do investimento e das exportações no PIB e, simultaneamente, reduzir conteúdos importados ao longo de toda a cadeia de valor; (re)qualificar as pessoas e, com isso, enfrentar melhor os desafios da digitalização, da automação, da inteligência artificial e da transição climática, com uma forte adoção do modelo de economia circular; estimular o apoio à cooperação e ao crescimento das empresas, num contexto em que, à escala europeia, o nosso tecido empresarial é cada vez mais micro.
Portugal tem hoje um desafio ainda maior para atingir a meta que definiu para a intensidade exportadora (53% em 2030), ainda assim bem distante de países europeus de dimensão semelhante ao nosso. Temas como a valorização da indústria e a melhoria da conectividade internacional são absolutamente cruciais.
…não basta produzir com qualidade. Os produtos têm de chegar aos mercados de uma forma operacional, competitiva e sustentável. É aqui que a questão da melhoria das infraestruturas de conectividade internacional (portos, aeroportos, ferrovia e logística) é absolutamente crítica.
De facto, a disrupção que temos vindo a assistir nas cadeias de fornecimento globais veio demonstrar, ainda mais, a imperiosa necessidade de uma aposta na valorização da indústria e serviços conexos, em linha com as prioridades europeias. Por isso, a AEP apresentou ao Governo um Programa Estratégico para a Valorização da Indústria Portuguesa, por forma a aproveitar o excelente “ADN industrial” português e a sua vocação exportadora. Trata-se da proposta de um Programa com um horizonte temporal que se estende ao longo de uma década, que ambiciona aumentar o peso do VAB industrial no VAB total da economia a uma média de um ponto percentual ao ano, incorporando várias dimensões: Tecnológica (Inovação, I&DT); Formação e (Re)qualificação; Eficiência Empresarial; Capitalização e Diversificação de Fontes de Financiamento; e Capacitação das Entidades Associativas de Apoio à Indústria.
Não podemos negligenciar que a indústria transformadora é um setor que possui uma elevada capacidade de induzir um efeito de arrastamento na produção e no emprego de vários setores de atividade económica (a montante e a jusante), tem uma excelente capacidade para “dialogar” com as entidades do Sistema Científico e Tecnológico e, com tudo isso, inovar, incorporar maior valor acrescentado nos bens que produz, melhorar a produtividade e competitividade e conduzir ao crescimento económico sustentável.
Mas, não basta produzir com qualidade. Os produtos têm de chegar aos mercados de uma forma operacional, competitiva e sustentável. É aqui que a questão da melhoria das infraestruturas de conectividade internacional (portos, aeroportos, ferrovia e logística) é absolutamente crítica.
Neste âmbito, sem prejuízo de uma análise custo-benefício séria, que ganha ainda mais relevância num contexto muito condicionado pelos desequilíbrios estruturais existentes, designadamente pelo elevado endividamento da economia portuguesa, continuo a defender que na implementação de uma estratégia de investimento público de médio e longo prazos (como são os grandes projetos de obras públicas) esteja subjacente um compromisso superior a uma legislatura, que não dependa dos partidos que governem na altura, por forma a não passarmos por avanços e recuos em projetos de natureza estratégica para o país. Temos o exemplo muito claro ao nível do transporte aéreo, onde após sucessivos estudos se mantêm as indefinições quanto à localização do aeroporto de Lisboa, que perduram há meia centena de anos.
Na melhoria da conectividade com os nossos principais mercados, não posso deixar de assinalar a vertente da ferrovia para o transporte de mercadorias, com a imperiosa necessidade de se garantir corredores internacionais que permitam ligar – de forma competitiva, operacional e sustentável – o nosso país, em particular as regiões mais industrializadas e com elevada vocação exportadora (como o Norte e o Centro, que representam conjuntamente cerca de 50% do PIB e 60% das exportações), aos mercados da União Europeia, onde se concentram 71% das exportações portuguesas de bens.
Para além de não respeitar os requisitos da operacionalidade, competitividade e sustentabilidade, os investimentos previstos na ferrovia muito dificilmente permitirão atingir as metas europeias de transferir, nas próximas décadas, para os modos ferroviário e marítimo uma quota de 50% do transporte rodoviário de mercadorias em distâncias de mais de 300 quilómetros.
No momento em que escrevo este artigo ainda não conheço os resultados das eleições legislativas antecipadas. Contudo, independentemente do resultado eleitoral, o novo Governo não pode deixar de implementar um conjunto de políticas públicas de suporte à melhoria da envolvente empresarial e ao crescente processo de internacionalização da economia, que, reafirmo, deve exigir um grande consenso que possa dar estabilidade aos grandes projetos de investimento de obras públicas, mas também que permita viabilizar o conjunto de reformas fundamentais e inadiáveis que na AEP temos vindo a defender.