O cumprimento das metas de descarbonização no Shipping é complexo, embora, paradoxalmente, as principais causas atuais que o condicionam sejam de fácil compreensão.
São elas: (1) A indisponibilidade de novos combustíveis com baixo, ou nulo, teor de carbono em quantidades adequadas e a preços competitivos; (2) A indisponibilidade de assegurar o fornecimento desses novos combustíveis aos navios nos portos de escala, e (3) A dificuldade de proceder à renovação integral dos navios em operação à escala global, seja através de retrofitting, de modo a melhorar o seu desempenho ambiental, seja pelo desmantelamento daqueles com respeito aos quais os investimentos a realizar não são economicamente viáveis, ou porque se encontram no final do seu ciclo de vida, com o propósito de substituí-los por novas construções de navios tecnologicamente mais amigos do ambiente.
Por outras palavras, o cumprimento das metas de descarbonização no Shipping em grande medida não é um “problema” exclusivo dos Armadores, já que, previamente, têm que ser asseguradas condições técnicas inerentes à transição energética e tecnológica em curso, mas também à capacitação dos portos, para que a adoção dos novos combustíveis seja feita sem sobressaltos. Ou seja, apesar do firme compromisso dos Armadores em tornarem o Shipping “Net zero”, atualmente não dispõem de capacidade efetiva de concretizar esse desiderato por si próprios, desde logo, porque as suas decisões de investimento dependem de condicionalismos que lhes são exógenos e que estão por resolver!
…urge agora seguir o caminho que tem vindo a ser percorrido por outros países europeus e desenvolver, em tempo, um Programa de descarbonização que assegure o apoio do Estado à construção de novos “navios não poluentes” ou “navios com nível nulo de emissões”, preferencialmente em estaleiros nacionais
Dito isto, importa compreender ainda que, quando nos referimos à descarbonização no Shipping, não estamos perante uma mera substituição dos combustíveis atuais por outros mais “verdes”, até porque, perfilam-se várias soluções alternativas levando a que, no futuro, os navios possam ter que estar aptos a consumir vários combustíveis, muitos deles com menor densidade energética, com variantes “dual-fuel” ou mesmo “tri-fuel”, o que, podendo conferir flexibilidade aos armadores, exigirá também que os portos estejam aptos a satisfazer necessidades “multi-fuel” nas quantidades necessárias e a preços aceitáveis.
Assim, até pela própria natureza global da atividade do Shipping, atualmente todos Armadores partilham os mesmos desafios, incluindo os Armadores Portugueses que competem com os maiores armadores do Mundo nas linhas internacionais, nomeadamente as que nos ligam aos países da CPLP, tendo em cima da mesa as duas opções acima referidas (1) Reconverter os navios existentes, em operação, de modo a incorporarem soluções tecnológicas que melhorem o seu desempenho ambiental e (2) Construir novos navios, que, tipicamente, exigem investimentos muito avultados e de longo prazo, já que os seus ciclos de vida operacional rondam 25/30 anos.
É com este cenário em pano de fundo que a Associação de Armadores da Marinha de Comércio (AAMC) tem, desde a primeira hora, vindo a acompanhar a evolução deste tema no plano internacional, desde logo na European Community Shipowners´ Associations (ECSA) e na International Chamber of Shipping (ICS), integrando os seus Órgãos de Direção, permitindo que os Armadores Portugueses “tenham voz” e possamos estabelecer importantes pontes de cooperação com congéneres estrangeiras, bem como, partilhar antecipadamente informação relevante aos Associados da AAMC.
Neste sentido, ciente dos enormes desafios de competitividade que se colocam aos Armadores Portugueses, a AAMC intercedeu junto da Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM) e do Senhor Secretário de Estado do Mar do anterior Governo, através dos quais, após anuência das instâncias Europeias, permitiu que o Estado Português, através da Portaria n.º 30/2024, de 30 de janeiro, aprovasse o Regulamento do Sistema de Incentivos «Navegação Ecológica», consagrando 50M€ proveniente da dotação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) destinado a promover e apoiar financeiramente projetos que visem acelerar a descarbonização do transporte marítimo de mercadorias e passageiros, no médio e longo prazo, em prol da proteção do ambiente, dedicado apenas à reconversão dos navios existentes em operação, para melhoria do seu desempenho ambiental.
A AAMC deu, em tempo oportuno, os seus contributos em reuniões promovidas pela DGRM – que importa salientar liderou de forma exemplar todo este processo – por forma a elaborar o aviso que enquadra as candidaturas e torná-lo o mais adaptado possível à realidade dos armadores portugueses. Ainda que não esteja oficialmente confirmado, tudo indica que todas as candidaturas apresentadas foram efetuadas precisamente por associados da AAMC, o que vem premiar a postura pro ativa que esta associação tem tido em todo este processo.
Dado este passo inicial e ultrapassado que está o desafio mais imediato, urge agora seguir o caminho que tem vindo a ser percorrido por outros países europeus e desenvolver, em tempo, um Programa de descarbonização que assegure o apoio do Estado à construção de novos “navios não poluentes” ou “navios com nível nulo de emissões”, preferencialmente em estaleiros nacionais, fundamental para garantir a competitividade do Shipping nacional e da indústria de construção e reparação naval, mas também, garantir a disponibilidade dos novos combustíveis em quantidades adequadas e a preços aceitáveis nos portos nacionais, designadamente em Lisboa, Leixões, Açores e Madeira, saindo reforçada a convicção que o seu financiamento deverá encontrar suporte nas receitas provenientes das taxas EU ETS (EU Emissions Trading Scheme).
RUI RAPOSO
Presidente da Associação dos Armadores da Marinha de Comércio
Excelente artigo. Assim venha em tempo um Programa a que alude.