Iniciou-se hoje, 1 de outubro, às zero horas locais, aquele que poderá ser um dos maiores conflitos laborais a nível portuário da história dos EUA. É preciso recuar ao ano de 1977, em que os portos da Costa Oeste encerraram durante um período de 44 dias, para termos paralelo nas questões e na gravidade dos efeitos que estão em causa.
O “braço de ferro” entre a associação dos Estivadores dos portos da Costa Este dos EUA – “ILA Association” – e os Operadores Portuários, representados pela “USMX – United States Maritime Alliance”, agudizou-se e não houve alternativa se não avançar para uma greve da estiva que irá paralisar, durante sete dias, todos os principais portos da Costa Leste dos EUA e os portos da Região do Golfo do México. Estamos a falar de um universo de 45 000 estivadores, que asseguram a operação portuária naqueles portos.
Principais Portos da Costa Este dos EUA afetados pela Greve da Estiva
Ambos os lados exibem argumentos legítimos e a conciliação dos mesmos afigura-se muito complicada. O anterior contrato coletivo de trabalho portuário cessou no dia 30 de setembro, e as exigências por parte do sindicato dos estivadores (aumentos significativos na ordem dos 60% a 70% ao longo de um período de seis anos), bem como o compromisso de não acentuar o progressivo grau de automação dos terminais, são considerados inaceitáveis pela Associação dos Operadores Portuários.
Os estivadores alegam em sua defesa que não existiu durante os últimos anos qualquer política de atualização salarial e, mais importante ainda, que a perigosidade e o sacrifício que todos tiveram para manter a operação portuária durante o período do Covid 19 não foram devidamente compensados. Os resultados financeiros excecionais dos Operadores Marítimos e Portuários nesse período não tiveram qualquer tipo de reflexo nas condições salariais dos estivadores. Lembramos que o acordo coletivo de trabalho assinado em 2023 pelos estivadores dos portos da Costa Oeste do EUA (dos quais os mais relevantes são LA e Long Beach) se resumiu a aumentos salariais na casa dos 30%.
Estima-se que uma greve de 7 dias poderá fazer demorar semanas até à regularização dos fluxos de mercadorias, levando à disrupção das cadeias de abastecimento a montante e jusante da atividade portuária.
Apesar das tentativas de mediação se desenvolverem ao mais alto nível (incluindo a Casa Branca), o consenso ainda não foi alcançado. A maior parte dos analistas defende que não haverá intervenção direta da Administração Biden durante os cinco primeiros dias de greve, mas que se a mesma se prolongar poderá tornar-se necessário impor a requisição civil (Taft-Hartley na Legislação dos EUA), que nunca foi adotada para a operação portuária. A Administração Democrata terá de mostrar “pulso forte” a um mês da eleições presidenciais nos EUA, e esta poderá ser uma “prova de fogo”, com implicação direta nos resultados eleitorais de novembro.
A greve terá um efeito devastador sobre a sincronização das cadeias de abastecimento, podendo causar um efeito em cadeia, que se irá traduzir em rutura os stocks nas principais unidades industriais dos EUA (especialmente na indústria do vestuário, na indústria automóvel e no abastecimento de bens perecíveis).
Estima-se que uma greve de 7 dias poderá fazer demorar semanas até à regularização dos fluxos de mercadorias, levando à disrupção das cadeias de abastecimento a montante e jusante da atividade portuária.
A JP Morgan avalia os custos diários da paralisação portuária em 5 000 milhões de USD. Numa altura em que os dados da inflação estavam controlados e a Reserva Federal dos EUA se preparava para apresentar dois novos cortes nas taxas de juro como incentivo à economia, o potencial acréscimo dos custos logísticos (transporte/inventário) vem novamente pôr em causa a política monetária Americana.
Principais Carregadores que utilizam os portos da Costa Leste dos EUA e Golfo do México
Empresas como a Walmart, Home Depot, IKEA, Samsung, LG Electrics e a maior parte dos grandes produtores automóveis são muito dependentes dos fluxos de tráfego nestes portos, os quais representam 43% a 49% das importações/exportações dos EUA.
Em solidariedade com as causas dos estivadores dos EUA, a Associação da Estiva dos Portos do Canadá (em particular dos terminais de contentores do porto de Montreal) já anunciou, em paralelo, um período de três dias de greve. A ideia de transferir a carga contentorizada associada aos terminais da Costa Leste dos EUA para os terminais de Montreal também parece posta de parte.
Para além dos contentores, os portos da Costa Leste dos EUA e do Golfo do México, em particular os portos de Houston e New Orleans, são igualmente responsáveis por 60% a 70% das exportações dos EUA de produtos petrolíferos (crude/ refinados/ gás natural). O mesmo é aplicável a uma parte significativa da indústria petroquímica.
A nível dos granéis agroalimentares (cereais e soja), 60% das exportações dos EUA também passam por estes portos.
Os portos da zona do Golfo do México são particularmente relevantes no tráfego de maquinaria pesada e peças e componentes para a indústria automóvel (importação/exportação). Representam igualmente 25% a 30% das importações de aço, cimento e outros materiais para a construção civil.
A greve não vai afetar os portos da Costa Oeste dos EUA, os quais já tinham anteriormente negociado o contrato coletivo de trabalho com a estiva. No entanto, não se afigura possível que a carga que entra pela costa ocidental seja encaminhada por via rodoferroviária para os grandes centros de atração e geração de carga (situados na Costa Leste dos EUA), devido a limitações de capacidade.
Vamos aguardar o resultado das negociações. Cada vez é mais percetível que a nova “normalidade” nas cadeias de abastecimento está na capacidade de resposta à “anormalidade” associada às disrupções da mesma.