Exmo. Senhor Primeiro-Ministro, Dr. António Costa
Durante a visita de membros do governo e responsáveis da Infraestruturas de Portugal às obras da linha ferroviária Évora-Elvas no passado dia 21, à pergunta de V..Ex.ª sobre a eventual mudança de bitola ibérica para a bitola standard-UIC (“europeia”) – “No dia em que haja essa mudança em Espanha, e se possa fazer essa mudança aqui, desaparafusa daqui, aparafusa ali. É isto?” – foi-lhe respondido que era “isso mesmo”.
Como engenheiros e gestores no domínio dos transportes, não podemos deixar de manifestar a nossa estranheza pela simplicidade desconcertante com que se encara o problema de uma eventual mudança de bitola. Bastaria recordar o que se passa com a renovação da linha do Norte – obras com mais de 30 anos e com um custo que teria permitido a construção de uma linha nova no mesmo percurso, sem as perturbações de serviço que ainda perduram – para se ser mais realista e cauteloso com esse tipo de afirmações. Essa hipótese contraria o conhecimento técnico existente, além de que, numa linha única, nunca poderia ser concretizada sem a total interrupção do serviço ferroviário.
É por isso nosso dever esclarecer quais as consequências que uma tal obra acarretaria, para que não se induza em erro os decisores políticos de um modo tão grosseiro, ignorando a experiência internacional.
Com efeito, a operação de mudança de bitola foi testada em Espanha, com os seguintes resultados:
1. Uma equipa de 17 trabalhadores, com a maquinaria necessária, apenas consegue mudar 1 km de linha por dia.
2. Para além disso, é necessária a substituição integral de todos os aparelhos de mudança de via (vulgo “agulhas”), para o que não basta apertar e desapertar parafusos …
3. A partir do momento em que as obras se iniciam, toda a linha fica inoperacional até que a mudança de bitola se complete em toda ou parte da extensão da linha pois, na zona onde a obra começa, a bitola fica diferente da do resto da linha e por isso os comboios não passam
4. Daí que, nos corredores de grande tráfego a solução seja construir linhas alternativas durante as obras, o que é um gigantesco desperdício de recursos, ou passar tudo para a rodovia, o que implicaria um enorme aumento dos custos económicos e ambientais.
A opção de Portugal estar a investir em linhas novas com uma bitola diferente da “europeia” nunca poderá ser corrigida com a simplicidade enganosa com que tem sido apresentada. Alguém (em particular a IP) calculou o impacto económico do encerramento total ou parcial da Linha do Norte, ou o seu funcionamento em via única, durante um ou dois anos?
Tal como se reafirmou no último Congresso da ADFERSIT, a importância que o governo atribuiu ao sector ferroviário e a consequente concretização de Plano Ferroviário Nacional, não é compatível com visões de curto prazo, para mais tecnicamente mal fundamentadas. A não ser que levar os comboios que circularão na linha da alta velocidade a todas as capitais de distrito seja o novo e original fundamento técnico para uma tal opção.
As soluções de transbordos ou eixos variáveis não são competitivas. Se o fossem, a União Europeia não teria eleito a interoperabilidade como grande critério de financiamento de novas linhas ferroviárias e a Espanha, que usa esses sistemas há mais de 50 anos, não investiria milhares de milhões de euros por ano para os substituir.
A opção de Portugal estar a investir em linhas novas com uma bitola diferente da “europeia” nunca poderá ser corrigida com a simplicidade enganosa com que tem sido apresentada.
Se a solução fosse essa, tanto a Espanha como os países bálticos não estariam a investir, com financiamento da UE, em novas linhas de bitola europeia para tornarem as suas redes ferroviárias compatíveis com as da restante Europa. Ou uma bitola diferente, só usada na Irlanda e na Finlândia (que essencialmente só está ligada à Rússia), é solução para ligar um país periférico como Portugal ao centro da Europa?
A Espanha tem hoje uma rede ferroviária em bitola europeia com mais de 4 mil km e continua a investir mais de 3 mil milhões de euros por ano na sua expansão em linhas aptas para tráfego de passageiros e mercadorias, incluindo as linhas que mais interessam a Portugal, o Y-Basco e Badajoz – Madrid.
Surpreende-nos a mudança de posição que se verificou nos últimos anos por parte dos responsáveis que gerem a infraestrutura ferroviária, ao arrepio de décadas de estudos e avaliações ambientais e económicas, sem uma justificação tecnicamente suportada. Onde estavam esses responsáveis quando, ao longo de vários governos, projetaram as diferentes ligações a Espanha em bitola europeia, que fundamentaram os acordos políticos assinados nas várias cimeiras ibéricas? Ou não estavam a defender o interesse nacional quando prepararam o processo de adjudicação da linha Poceirão – Caia em bitola europeia, no contexto das ligações a Madrid e ao porto de Sines?
Senhor Primeiro-Ministro.
A introdução da bitola europeia em Espanha começou em 1988.
Barcelona recebe hoje cereais ucranianos, embarcados na Polónia, que vêm em comboios que circulam em linhas de bitola europeia.
Espanha já celebrou, com vários governos portugueses, vários protocolos para a construção de linhas internacionais em bitola europeia. Portugal falhou todos esses compromissos. Para Espanha é vantajoso que o nosso tráfego europeu fique dependente dos centros logísticos espanhóis. Difícil é entender que o governo português tenha a mesma visão do problema, pois isso funcionará como um garrote à competitividade das nossas empresas e à atração e fixação de investimento industrial
Pensamos que face ao conhecimento técnico disponível, à necessidade de recuperar o tempo perdido e dar melhor uso aos fundos europeus para modernizar a nossa rede ferroviária, se devem construir em bitola europeia as linhas portuguesas previstas para o Corredor Atlântico nos prazos acordados.
Para isso, deve assegurar-se com Espanha a chegada à fronteira de linhas internacionais com as mesmas características técnicas, recuperando os acordos celebrados nas cimeiras ibéricas.
Com os melhores cumprimentos,
Arménio Matias – Fundador da ADFER e ex-Administrador da CP
Manuel Moura – ex-Presidente da ADFERSIT e da RAVE
Eduardo Frederico – ex-Presidente da ADFERSIT
Joaquim Polido – ex-presidente da ADFERSIT
Vitor Caldeirinha – ex-Presidente da ADFERSIT e professor universitário
Mário Lopes – ex-presidente da ADFERSIT, Professor Universitário e Coordenador do Grupo de Infraestruturas Portuárias e Ferroviárias da CIP
Tomaz Leiria Pinto – ex-Presidente da ADFERSIT e consultor de engenharia e gestão ferroviária
Fernando Nunes da Silva – Presidente da ADFERSIT e professor universitário.
A solução passa por começar a construir uma nova rede, (totalmente nova) em bitola UIC com material rolante próprio. Depois pensar em intercambiadores tipo TALGO ou com bogies BRAVA, para a interoperabilidade na coabitação das duas redes , em bitola ibérica e bitola UIC.
Foi o que Espanha fez.
As nossa prioridades são a linha de elevadas prestações (160 km/h) de Sines a Badajoz em bitola UIC, em plataforma própria, com a elasticidade adequada e que é diferente das plataformas para comboios de passageiros e a linha A Coruña-Huelva, atravessando Portugal e passando debaixo do Terminal do novo aeroporto de Lisboa em Alcochete.
Perdão, emendo, Terminal da Nova Cidade Aeroportuária de Lisboa.
Não entendo porque técnicos experientes e conhecedores da matéria ainda perdem tempo a tentar ensinar a governantes incompetentes, incluindo o primeiro-ministro, o bê-à-bá da ciência ferroviária.
É por isso que Portugal não passa da cepa torta e fica cada ano que passa mais atrasado.
Pobres Portugueses que tão maus governantes elegem e nunca aprendem com o erro que cometem.
Cumprimentos