Na passada semana decorreram em Lisboa as V Jornadas de Direito Marítimo, organizadas pelo Centro de Direito Marítimo da FDL, coordenado pelo Professor Manuel Januário da Costa Gomes, cujo tema central foi a celebração do Centenário das Regras de Haia.
Quando falamos de Stakeholders deste Setor Marítimo Portuário, nem sempre damos a devida importância ao papel desempenhado pelos juristas especializados em Direito Marítimo e ao Tribunal Marítimo (DL 35/ 86 ). Todavia, estes profissionais e esta instituição permitiram desenvolver o enquadramento legal indispensável ao desenvolvimento exponencial do Transporte Marítimo e do Comércio Internacional registado ao longo das últimas décadas.
Deve, por isso, o Setor Marítimo Portuário agradecer ao Professor M. Januário da Costa Gomes por esta iniciativa e por manter o CDM da FDL uma referência internacional na divulgação do Direito Marítimo.
Como Carregadores, a propósito deste Centenário, gostaríamos de referir quatro ideias:
- A perspetiva histórica
A maioria dos Carregadores não detém profundos conhecimentos jurídicos do transporte marítimo, em especial os Carregadores de menor dimensão, que usam sobretudo o transporte marítimo para contentores.
Apesar de figurar (no verso) dos Conhecimentos de Embarque, a referência à sua aplicação, as Regras de Haia – Visby não constam da terminologia habitual da negociação dos contratos de transporte e fretamento, nem de comércio internacional. Todavia, as R. de Haia para o transporte de mercadorias por mar em Portugal foram publicadas em 1932 no Diário do Governo e são aplicadas também como direito interno desde a publicação do célebre Decreto Lei nº 37 748, em 1 de Fevereiro de 1950.
Na altura, as Regras de Haia representaram o restabelecimento de um certo equilíbrio (…) Com o passar do tempo, o mínimo que podemos dizer é que o pendulo das responsabilidades aliviou e favoreceu os Armadores
Mas, afinal, qual o mérito das Regras de Haia, assinadas em Bruxelas em 25 Agosto de 1924?
Quando criadas, tiverem o mérito de procurar estabelecer o mínimo de justiça no equilíbrio das responsabilidades entre o Armador e o Carregador no transporte de mercadorias por mar.
Até essa altura, podia mesmo dizer-se dos Armadores que redigiam arbitrariamente os Conhecimentos de carga quase em total imunidade, estabelecendo numerosas exclusões e limitações de responsabilidade, pelo que se chegou a dizer que sobre eles apenas impendia a “obrigação de receber o frete“ (in João Mata, “Seguro Marítimo – Mercadorias”, 1989).
Na altura, as Regras de Haia representaram o restabelecimento de um certo equilíbrio. Através de um documento simples, com apenas 16 artigos, foram definidas as responsabilidades e isenções do Armador e Carregador, constituindo ainda hoje a base do ordenamento jurídico português relativo ao transporte marítimo de mercadorias.
Mas ao longo do tempo Portugal procurou promover alguma atualização das Regras, dentro do permitido.
Por exemplo, em 1950, o limite da responsabilidade por volume do armador / transportador foi estabelecido em 12.500 escudos;
E em 1986, quase quarenta anos depois, o Decreto Lei nº 352/86, de 21 de Outubro, atualizou este valor, no seu artigo 31º, fixando o limite de responsabilidade em 100.000 escudos, que em 2001 foram convertidos em 498,80 euros por volume ou unidade mencionado no conhecimento de carga.
Este valor continua ainda bastante reduzido, quando comparado com os valores inseridos nas novas convenções – Regras de Hamburgo e Regras de Roterdão – sem contar com a falta da opção “por kg de mercadoria”.
- Opções dos Carregadores
Os Carregadores, em particular para transporte de contentores, continuam a ter um poder negocial muito inferior ao dos Armadores (o transporte marítimo de contentores é controlado mundialmente por cinco Armadores).
Resta, por isso, ao Carregador, como solução para controle e redução do risco a contratação de seguros de carga (nomeadamente a Cláusula A das Institute Cargo Clauses) que lhe permitem gerir o risco, apesar do aumento inevitável do custos de transporte devido ao pagamento de prémios de seguro.
- Necessidade de reequilíbrio
Com o passar do tempo, o mínimo que podemos dizer é que o pendulo das responsabilidades aliviou e favoreceu os Armadores.
O progresso tecnológico aplicado à construção de navios, à navegação e às comunicações beneficiando de satélites reduziram o risco do transporte marítimo, devendo consequentemente ser dadas mais garantias ao Carregador. Como por exemplo:
– o limite máximo de responsabilidade do Armador por volume deveria ser corrigido tendo em conta a taxa de inflação desde 1986 (possivelmente um valor oito vezes mais alto); esse valor deveria também ter em conta o peso da mercadoria, como sucede nas convenções mais recentes;
– o prazo de entrega da mercadoria deveria ter limites e, de forma clara, estabelecer-se a responsabilidade do transportador pelo atraso na chegada da mercadoria ao destino;
Em suma: o equilíbrio deveria ser restabelecido com o aumento das responsabilidades dos Armadores, sendo urgente em Portugal a revisão da Legislação em vigor, no sentido de recuperar esse equilíbrio de responsabilidades entre Carregadores e Armadores.
- Os Tribunais Marítimos
Mas em Portugal o Governo não deverá atuar apenas a nível legislativo.
Em termos de funcionamento do Tribunal Marítimo, as oportunidades de melhoria deverão ser avaliadas. Existem processos que demoram vários anos, que se traduzem numa perda de valor para os agentes económicos envolvidos.
Caso seja esta a solução, o aumento dos meios à disposição do Tribunal Marítimo deverá ser considerado por forma a aumentar a eficácia na conclusão dos processos judiciais, e a eventual instalação de alguns dos outros tribunais marítimos criados pelo D.L. 35/86, que nunca saíram do papel (artigo 1º nº 2) – Leixões, Faro, Funchal e Ponta Delgada.
PEDRO VIEGAS GALVÃO
Conselho Português de Carregadores