(O presente artigo de opinião foi escrito com base nas declarações publicadas no Diário de Notícias a 2 de abril de 2022 e no Expresso, edição número #2528)
Infelizmente, na semana em que os serviços de obrigações públicas retornaram a Vila Real garantindo uma ligação a uma capital de distrito onde o comboio tarda a chegar, a principal notícia no seio da aviação nacional foi outra.
Decidiu tomar o holofote o presidente da câmara municipal do Porto com um conjunto de declarações curiosas sobre a redução da oferta de serviços aéreos nesta cidade. Para quem não leu as referidas declarações, e para dar uma breve resenha, Rui Moreira considera que a TAP deve operar determinadas rotas a partir do Porto de forma a servir o interesse público da cidade. Se não o faz, operando maioritariamente a partir de Lisboa, então é necessário concluir que esta companhia serve exclusivamente o interesse da região de Lisboa.
Consequentemente, por servir apenas a região de Lisboa, a legitimidade do apoio financeiro dado pelo governo à empresa em causa esvai-se por estar a criar-se “uma distorção no mercado”. Subsidiar uma companhia que tenta atrair para Lisboa rotas que de outra maneira viriam para o Porto é diretamente apontado como um problema.
Já antes aqui alertámos para o perigo da narrativa criada em redor dos apoios à TAP, em específico, do argumento sobre a importância da companhia para a economia portuguesa tacitamente associado a uma imagem na qual a reversão da privatização implicaria o regresso da companhia aos ruinosos tempos em que esta servia exclusivamente como instrumento político do governo que se encontrasse em funções. Por outras palavras, e em nossa humilde opinião, ainda não foi suficientemente explicado aos portugueses, sejam eles autarcas ou não, que a reversão da privatização da TAP não representa, nem pode nunca representar, a restauração de um modelo obsoleto de companhia aérea que secundariza os resultados operacionais em prol da execução de interesses políticos alheios à operação de uma companhia aérea.
Mais importa notar que não o digo por uma questão de posição pessoal sobre o tema ou convicção política sobre a dimensão e função do setor empresarial do estado, mas simplesmente porque desde a aprovação do terceiro pacote legislativo da aviação, em 1992, a realidade a que Rui Moreira faz referência já não existe, nem pode existir. Convocar o interesse público como uma obrigação de uma companhia aérea acima da sua rentabilidade, nos tempos atuais, é tão anacrónico como pagar a passagem aérea nesse voo em escudos.
O que carece de explicação, e essa explicação também não foi dada aos portugueses, é qual o plano para tornar rentável uma companhia que, livre das amarras do interesse público já desde 1992, se deixou levar à falência técnica ao ponto de necessitar de uma intervenção de gigante esforço financeiro e, já agora, o plano para se evitarem intervenções futuras.
O que igualmente carece de explicação, pois a expressão “infinitamente mais caro” é obviamente vazia e de certa maneira insultuosa por quem a usa se crê ser resposta suficiente, é que seja explicado o racional económico da decisão tomada, mas com valores e não propaganda ideológica, pois se esta é subjetiva, a análise financeira das decisões tomadas com dinheiro dos contribuintes tem de ser objetiva.
Em suma, o que carece de explicação é a razão pela qual se distorceu o mercado (utilizando a expressão de Rui Moreira) por uma empresa que se encontra impedida de realizar uma atividade de interesse público por não ter margem financeira para tal (que não tem), de forma que o custo político dessa decisão possa ser sentido pelo atual governo.
A questão que fica no ar (…) é a aparência de que, para Rui Moreira, (…) desde que a distorção de mercado beneficie a cidade, está tudo bem e aplauda-se o interesse público; quando não beneficia, há que atuar. Lamento, mas não procede.
Até esse esclarecimento ser prestado, comentários e dúvidas como as levantadas pelo edil portuense continuarão a ter o seu lugar, nem que seja para apontar o aparente amadorismo na gestão do processo. Faria bem o Ministério competente justificar-se de forma concreta e objetiva quanto à opção tomada e qual o projeto para a companhia. Até lá, devemos assumir que não existe, assacando-se as devidas conclusões políticas.
Outro ponto curioso das declarações é a referência aos efeitos perniciosos da distorção de concorrência que o auxílio em causa traz. Pois, certamente, todos os auxílios estatais trazem distorção à concorrência, e precisamente por isso o processo de auxílios em causa foi submetido à aprovação da Comissão Europeia. Nesta análise do processo foram determinados um conjunto de remédios que, a bem ou a mal, sempre terão de ser aplicados.
A questão que fica no ar resultado deste infeliz comentário é a aparência de que, para Rui Moreira, não existe distorção do mercado caso a TAP opere a partir do Porto a perder dinheiro porque o interesse público tudo exige e tudo permite. Ou seja, só existe distorção porque a operadora em causa preteriu as operações a partir do Porto. Logo, desde que a distorção de mercado beneficie a cidade, está tudo bem e aplauda-se o interesse público; quando não beneficia, há que atuar. Lamento, mas não procede.
Ora, das possíveis leituras da entrevista em causa, há que considerar dois cenários. O primeiro cenário é aquele no qual Rui Moreira sabe que a TAP, ou qualquer outra companhia, não pode receber diretamente um auxílio do estado para operar as rotas em causa. A subsidiarização de rotas tem de ser realizada através de concursos públicos abertos a qualquer transportadora aérea comunitária, como é o caso, por exemplo, das obrigações de serviço público no interior do país, cujo concurso foi ganho por uma transportadora nacional, ou a ligação entre o Funchal e Porto Santo, atualmente operada por uma transportadora que nem sequer é portuguesa, mas que ganhou o respetivo concurso público apresentando a proposta mais competitiva. Se o sabe, e não há razão para não saber, as presentes declarações têm de ser tomadas como uma manobra política para reclamar apoios para a região fora da questão da aviação. Nesse caso, o recado deve ser tomado em algo como deram quatro mil milhões de euros a uma empresa que apenas atua em Lisboa e a nós não nos dão nada. Nesse caso, estamos, em pequena parte, com Rui Moreira, mas por razões muito diferentes.
Já aqui nesta coluna assumimos estar contra um apoio que apenas ajudou a TAP e a SATA em detrimento dos restantes operadores nacionais, por razões diferentes, parecemos concordar que a decisão foi polémica e criou vencedores e vencidos de forma injustificada. Mas não pode Rui Moreira exigir voos a partir do Porto porque um auxilio foi dado à empresa, não consta do contrato, não consta do programa, e certamente não consta da decisão da Comissão Europeia de aprovação do apoio.
Mas, sabendo Rui Moreira que o apoio não pode ser dado em troca da realização de voos que a transportadora não considera rentáveis, então a intervenção dele é uma questão puramente política (e desenganem-se aqueles que consideram que a aprovação de auxílios estatais é uma matéria de direito, é uma questão política) e um pedido de fundos para a região do Porto, caberá ao governo central defender a solução que tomou, como sempre defendeu, e sofrer a consequência política das decisões que tomou no seu devido lugar, nas urnas. Se alguma solução de pork-barrelling pode ser orquestrada com o município, isso já cai fora do âmbito desta análise.
O segundo cenário é um cenário onde Rui Moreira não sabe que a TAP não pode receber um auxílio de estado e, em contrapartida, ser obrigada a operar rotas específicas, ou crê que o auxilio de estado serviu precisamente para regressar aos dinossáurios tempos da aviação politicamente orquestrada. E aqui o caso torna-se mais preocupante, na medida em que deixa em aberto a ideia de que em certos quadros políticos nacionais (e, porventura, em alguns eleitores) há quem pense que com a nacionalização da companhia vamos ter “a velha TAP”, uma companhia aérea estatal que voa para onde o poder político lhe apetece em cada momento, realizando as operações aéreas que são determinadas em gabinetes políticos, por muito ruinosas financeiramente que essas escolhas possam ser. Será um crasso erro de interpretação da realidade, sem paralelo em nenhuma economia de país dito desenvolvido.
Aqui, importa reter uma importante noção: embora a União Europeia não possa ditar regras sobre o regime de propriedade de uma transportadora aérea europeia, sendo o estado livre de deter uma percentagem de capital da empresa desde que atue como um acionista ou investidor se comportaria em semelhante situação, não pode essa empresa, seja ela pública ou privada, operar de forma deficitária com o fim de prosseguir fins alheios à sua atividade de transporte aéreo; mas mesmo que por exercício académico se imagine que sim, dificilmente terá outra pandemia ao virar da esquina a servir de janela de oportunidade para uma maciça injeção de capital que a mantenha a voar.
Se a edilidade do Porto considera que é região periférica, em desenvolvimento ou numa rota de fraca densidade de tráfego para qualquer outro aeroporto do seu território, e se considerar que as rotas que desejaria ver operadas são vitais para o desenvolvimento económico e social da região servida pelo aeroporto do Porto, que requeira então ao Estado Português que este determine uma obrigação de serviço público que seja sujeita a um concurso a nível comunitário e transparente, como existe para vários destinos na Europa e em Portugal, para aeródromos como Bragança, Açores e Porto Santo. É essa a medida legalmente prevista para suprir as falhas de mercado de forma transparente a que se refere. Não há outra, nem é necessária outra.
Não creio que o Porto se qualifique para a outorga de uma Concessão de Serviço Público e tratando-se de um aeroporto com o movimento do aeroporto do Porto, certamente seria uma injustificada distorção de mercado, para os restantes operadores. Mas já se percebeu que isto das distorções de mercado só incomodam a quem delas não se aproveita.
FRANCISCO ALVES DIAS
Advogado na DLA Pipe
Estaria de acordo consigo se a operação da TAP em Lisboa fosse rentável. Não sendo, cai por terra a sua argumentação. A decisão de levar para Lisboa os voos internacionais da TAP tem a ver com outras razões tais como a de justificar a construção de um novo aeroporto. Aliás conhecendo a atual situação do aeroporto de Lisboa, não seria mais lógico desviar voos desse aeroporto para outros no País?
Mas para mim, a questão até deveria ser outra. Por que razão precisamos nós de ter uma companhia aérea de bandeira que nos custa os olhos da cara? Países maiores que o nosso e mais desenvolvidos perderam as sua companhias e que saiba não deixaram de ser desenvolvidos e de ter turismo.