Entra em vigor no próximo dia 1 de julho a nova taxa de carbono sobre viagens aéreas e marítimas aprovada nos termos da Portaria n.º 38/2021 de 16 de fevereiro de 2021.
De acordo com o regime aprovado, por todos navios de passageiros que atraquem em Portugal são devidos 2 (dois) euros por cada passageiro em trânsito, que desembarque ou embarque. Ainda que o imposto (pois apesar do nome não se trata de uma taxa) seja pago pelo armador do navio ou o representante fiscal deste, a taxa constitui um encargo do próprio passageiro.
Existe um conjunto de isenções, nenhuma delas amiga do ambiente, o que confirma a ideia de que esta taxa ambiental, além de não ser taxa, pouco tem de ambiental. Afinal, a isenção de transporte fluvial de passageiros, uma atividade cuja externalidade negativa poluidora ocorre inteiramente em território nacional, não tem qualquer justificação num imposto que vende como ambiental apenas para parecer verde, quando não o é.
Do lado da aviação, o regime tem bastantes semelhanças. O tributo aplica-se sobre o bilhete de transporte aéreo comercial. Aqui recorda uma espécie de modelo de imposto de selo sobre a emissão do bilhete, o que é a todos os títulos lamentável.
Mesmo que o passageiro nunca chegue a realizar o voo, paga o imposto apesar de não realizar qualquer atividade poluente. Se o passageiro não voar, independentemente da causa, não se prevê a devolução da taxa. Não é surpreendente, porque a taxa apenas é taxa de nome, não o é materialmente qualificando-se como uma contribuição especial ou um imposto de cariz ambiental.
Quando a aviação e o turismo português estão em sofrimento, a criação de um novo imposto que isenta operações domésticas e incide sobre operações com passageiros em viagens internacionais está longe da resposta política que a indústria merecia no último ano.
Outras questões surgem também ligadas à infeliz escolha do fato tributário, como situações em que o passageiro altera a viagem de acordo com as condições de transporte quando essa alteração obriga à emissão de novo bilhete, será devido novo imposto pese não ocorrer qualquer duplicação de viagens?
Estas questões podiam ser facilmente resolvidas se o imposto se aplicasse sobre passageiros embarcados. Nesse caso a coleta do imposto era simples para os operadores aéreos, podendo ser pago em conjunto com as taxas de passageiro que já são pagas e seria uma solução mais justa. No mínimo, existia uma relação entre o passageiro e a respetiva atividade poluidora.
Adicionalmente, optando-se por este regime, o encargo administrativo na liquidação e cobrança do imposto é muito superior, custo que acrescerá ao custo do bilhete para o passageiro, já que os operadores é que têm a maior fatia da responsabilidade. Curiosamente, o regime prevê a alocação de 3% da receita do imposto para a Autoridade Nacional de Aviação Civil pelo “custo correspondente ao processamento da gestão da cobrança da taxa”, pelo que a compensação do encargo administrativo da Autoridade está assegurada no regime aprovado. Não para o operador, este simplesmente tem de lidar com um custo absolutamente desnecessário.
Em segundo lugar, a oportunidade na aprovação deste imposto no momento atual é, no mínimo, surpreendente. Quando a aviação e o turismo português estão em sofrimento, a criação de um novo imposto que isenta operações domésticas e incide sobre operações com passageiros em viagens internacionais está longe da resposta política que a indústria merecia no último ano. Para mais, um imposto nacional (que não existe em países que concorrem com Portugal como destinos turísticos) de alegado caráter ambiental. Seria mais honesto chamá-lo de imposto de entrada por via marítima ou via aérea.
Vejamos, a natureza nacional do imposto em causa traz dificuldades que não se esgotam na desvantagem comparativa criada em Portugal com outros destinos turísticos. Sendo os impostos ambientais impostos pigouvianos, ou seja, impostos aplicados a uma atividade económica para recuperar pela externalidade negativa gerada por essa atividade (neste caso a poluição resultante da atividade de transporte aéreo ou marítimo), e sendo a externalidade negativa em causa – a poluição – causada a nível transfronteiriço por estes meios de transporte, qualquer medida de tributação ou oneração que se queira eficaz tem igualmente de ser decidida internacionalmente, e não a nível nacional. Foi neste contexto que políticas nacionais de taxação ambiental foram abandonadas em detrimento de soluções de coordenação internacional, nomeadamente a integração da aviação no Comércio Europeu de Licenças de Emissão, o qual, por sua vez, será integrado no CORSIA a uma escala global. [i]
Do que foi dito até agora, facilmente se depreende que esta Taxa de Carbono não apenas não é uma taxa como não incide sobre emissões de carbono, as quais não se encontram representadas no cálculo de valor do imposto, estando condenada à partida no seu objetivo anunciado. Uma tributação sobre a externalidade negativa da poluição, de forma a ser eficaz, tem de tributar a externalidade em si. Da forma que este imposto está construído, o simples aumento do número de voos resultante do crescimento normal do setor terá como consequência o aumento das emissões, independentemente da existência da taxa. Pelo contrário, o comércio de licenças de emissões já referido, ao limitar o total de emissões no espaço europeu, deixando que o mercado decida o valor das respetivas licenças, já atinge o objetivo ambiental de redução de emissões ao reduzir o número total de licenças atribuídas em cada ano. Desta forma, o comércio europeu de licenças de emissão é verdadeiramente ambiental, enquanto esta taxa de carbono é indiferente de uma perspetiva ambiental, é só mais um imposto.
Uma alternativa simples, seria a taxa variar de acordo com a idade da aeronave. Desta forma, ao onerar o preço da passagem aérea nos voos realizados com aeronaves mais antigas, em prejuízo de aeronaves mais poluentes, é criado um incentivo económico para a utilização de aeronaves com menos anos, que também são menos poluentes, tanto em gases atmosféricos como em ruído. Já um efeito positivo era criado de forma simples.
Outra alternativa, pouco discutida, mas válida numa perspetiva de sustentabilidade, seria a taxa incidir não sobre passagens aéreas vendidas, mas sobre lugares vazios na aeronave. Desta forma, assumindo um valor fixo de emissões por voo, o custo ambiental de passageiro é menor quantos mais passageiros se encontrarem a bordo e incentiva-se o combate ao desperdício com o respetivo ganho em sustentabilidade. O atual modelo faz o oposto, o valor de imposto ambiental pago por uma aeronave de dezanove lugares que voe a título comercial é muito menor que uma aeronave com duzentos passageiros, ainda que a primeira polua muito mais se considerarmos cada passageiro individualmente. Em último lugar, se a receita deste imposto for dedicada a projetos ambientais da própria indústria, a ideia de se tirar qualquer proveito ambientalmente útil deste imposto ganha forma. Como de forma lacónica indicou Olivier Jankovec, em entrevista ao Jornal de Negócios, no passado dia 15 de janeiro, “Não digo que não devíamos desenvolver o comboio, mas não devia ser à custa da aviação”.
Finalmente, a afetação da receita do imposto ao Fundo Ambiental, a dita solução verde do diploma. É lamentável que a receita do imposto não reverta para as respetivas indústrias de transporte aéreo e transporte marítimo. Mesmo que se não entregue diretamente às operadoras, pode ser investido em projetos que as beneficiem, como desenvolvimento e investigação de combustíveis sustentáveis, os quais serão uma peça essencial da indústria em 2030.
…esta Taxa de Carbono não apenas não é uma taxa como não incide sobre emissões de carbono, as quais não se encontram representadas no cálculo de valor do imposto, estando condenada à partida no seu objetivo anunciado.
Seria igualmente positivo que o governo esclarecesse em que termos calculou o valor do imposto e a receita prevista. No orçamento do Fundo Ambiental para 2021 encontra-se prevista uma receita estimada de dez milhões de euros para este imposto. A total falta de justificação para o valor apresentado, aliada à total ausência de diálogo com os operadores, só alimenta a suspeita que de que o valor foi decidido de forma despiciente. Basta calcular o número de passageiros nos aeroportos Portugueses pelo valor da taxa e dividido por dois (porque a taxa apenas se aplicará no segundo semestre do ano) para o valor orçado se tornar irreal, nem sequer contabilizando a previsão de aumento de tráfego para 2021.
Gostamos de pensar que uma medida destas é tomada com base num estudo preliminar sobre o impacto previsto na receita dos setores de transporte aéreo e marítimo, além do setor do turismo, contudo o mesmo é inteiramente desconhecido. Recorde-se que no projeto de reforma da fiscalidade verde de 2014 a ideia de criação deste imposto foi abordada nunca tendo o mesmo sido implementado; ainda assim já o projeto de 2014 chamava a atenção para a importância de um sistema com simplicidade de cobrança, que não é o caso deste imposto aprovado, e a necessidade de modulação do imposto de acordo com as emissões, o que, como indicamos acima, também não existe neste imposto aprovado.
O mais curioso, porventura, é que os operadores não são necessariamente contra a criação de um imposto que reverta para a indústria, e que uma consulta simples a estes teria permitido alterar as soluções legisladas por soluções mais eficientes para todas as partes interessadas. Faltam dois meses, ganhe-se a humildade de recuar e rever a medida antes do mal estar feito.
[i] Neste tema, recomenda-se a leitura do muito esclarecedor artigo “Sustainability-oriented EU Taxes: The example of a European Carbon-based Flight Ticket Tax” escrito por Alexander Krenek e outros no âmbito do projeto Fairtax;
FRANCISCO ALVES DIAS
Advogado
DLA Piper