Os acidentes bem como os incidentes, fazem parte do nosso dia-a-dia. No mar também eles se sucedem, uns com maior gravidade que outros, com resultados negativos a nível ambiental e de vidas humanas também por vezes, mas igualmente nas instalações portuárias onde o potencial é enorme no que concerne ao impacto na vida portuária, tal como em todos os seus utilizadores.
Recentemente assistimos a uma enorme explosão no porto de Beirute, que além do porto em si deixou um rasto de destruição em toda a zona portuária e arredores da cidade. Foi enorme o impacto de um acidente com cargas que estavam no porto há anos, à mercê de condições propícias para mais um acidente. Assim foi em Tianjin, há algum tempo atrás, bem como em muitos outros acidentes de menor relevo que têm acontecido a nível mundial.
O acondicionamento e a declaração em conformidade de cargas perigosas, e a sua necessária segregação à luz do código IMDG, continuam a ser um calcanhar de Aquiles para algumas zonas portuárias, tal como para todos os navios e equipamentos que as manuseiam/transportam.
No mar são também muitos os acidentes e incidentes que ocorrem anualmente. Também recentemente, e à luz de uma festa de aniversário a bordo e uma aproximação indevida à costa, segundo informações preliminares, o navio MV Wakashio encalhou num recife nas ilhas Maurícias, com cerca de 4200 toneladas de combustíveis a bordo, provocando um derrame por mais de 15 quilómetros de costa, numa zona de grande biodiversidade, acabando por se partir em dois, levando a alguns trabalhos ainda mais morosos de remoção e contenção de todo o derrame e reboque dos restos do navio.
O acondicionamento e a declaração em conformidade de cargas perigosas, e a sua necessária segregação à luz do código IMDG, continuam a ser um calcanhar de Aquiles para algumas zonas portuárias, tal como para todos os navios e equipamentos que as manuseiam/transportam.
Nos últimos 10 anos, e segundo relatório recente da Allianz (Safety and Shipping Review 2020), registaram-se cerca de 950 perdas de navios, sendo 2018 e 2019 anos relativamente bons a nível estatístico, registando-se em 2019 apenas 41 perdas, com um grande declínio em relação a períodos antes de 2017 (Gráfico 1).
Registou-se, ainda assim, um incremento na perda de navios ro-ro em relação ao ano anterior (+3), continuando os navios de carga a serem os mais afetados a nível mundial, seguidos pelas embarcações de pesca (Gráfico 2).
Já os incidentes marítimos registados foram cerca de 2800, registando um aumento de cerca de 5% em relação ao ano anterior. Cerca de 600 dos incidentes registados a nível mundial aconteceram na zona das ilhas britânicas, Mar do Norte, Canal Inglês e no Golfo da Biscaia, sendo registados cerca de 90% dos casos de pirataria no Golfo da Guiné. Uma em cada três perdas de navios ocorreram nas zonas da China, Indochina, Indonésia e Filipinas, confirmando os resultados registados na última década, havendo ainda assim algum decréscimo nos últimos dois anos, começando a ganhar algum destaque o Golfo do México e a costa Oeste Africana.
A maior causa para a perda de navios continua a ser o afundamento ou submersão parcial, registando cerca de 75% do total. Na origem de alguns destes acidentes continuam em grande parte as condições meteorológicas adversas, levando a que uma em cada cinco perdas se registem devido ao mau tempo.
Os incêndios e as explosões continuam a ter alguma preponderância nos acidentes a bordo, registando cinco das ocorrências em 2019. O aumento de capacidade nos navios de transporte de carga contentorizada nas últimas décadas, combinado com o acondicionamento deficiente e não declaração de cargas perigosas, tem levado a ocorrências do género neste tipo de navios, gerando grandes perdas, algumas delas quase irreparáveis para as cargas e navio. (Gráfico 3)
Para o relatório do próximo ano, que será atípico certamente, o impacto do Corona Vírus poderá também contribuir com boas notícias neste caso. Os navios deixados em lay-up, mais a redução verificada de escalas (blank sailings) e uma redução verificada no tráfego mundial durante o segundo trimestre poderão trazer melhores indicadores.
As mudanças de tripulação atrasadas globalmente, devido aos riscos associados à pandemia, podem potenciar por outro lado alguns acidentes, devido ao cansaço e extensão de tempos a bordo, levando assim a problemas de fadiga física e mental das tripulações, aumentando a probabilidade de risco humano, que se estima em cerca de 75 a 96% da causa dos acidentes marítimos. Outra área que deve sofrer um enorme recuo ao nível dos acidentes – devido à quase completa paragem – será a do transporte de passageiros.
Existem ainda outros fatores que potenciam os acidentes a nível marítimo e portuário. Os problemas de segurança fazem-se sentir em várias vertentes. Confrontos políticos, guerras comerciais e conflitos regionais, bem como a pirataria e as guerras civis, levam a que alguns acidentes/incidentes ocorram com mais frequência em certas partes do globo terrestre. O Shipping como utilizador global de toda a superfície terrestre sofre um pouco por todo o lado destes problemas. Também a relação cada vez mais próxima da tecnologia com os navios e portos tem trazido alguns problemas – além da solução de muitos outros problemas é certo- levando a algumas colisões e encalhamentos, bem como todos os problemas associados a cibersegurança, já enunciados em artigos anteriores.
O ano de 2020 deverá seguir o desempenho verificado nos dois últimos anos de decréscimo dos acidentes, também derivado aos efeitos da pandemia. No entanto, existem outros fatores que potenciarão alguns acidentes certamente, como aqueles enunciados como externos ao Shipping. Tanto a nível do mar como em terra nas instalações portuárias, é cada vez maior a atenção dada a estes casos, mas continuaremos infelizmente a assistir a acidentes onde o controlo é relativamente baixo, aumentando a probabilidade de falhas. O caminho que tem sido seguido parece trazer bons resultados, resta esperar que os efeitos sejam proveitosos nos próximos anos, reduzindo ainda mais o número de acidentes verificados, contribuindo para menos perda de vidas humanas e de cargas.
Porque razão há mercadorias perigosas a serem transportadas sem serem declaradas ou mal declaradas?
Para além das causas que o Pedro Galveia identifica neste excelente artigo, poderia acrescentar que algumas das restrições unilaterais à margem das regras definidas no Código IMDG, os softwares que ao pretenderem estar a controlar tudo e que vão para além do que a lei determina, o desconhecimento crónico das regras aplicáveis em toda a cadeia logística, a cada vez maior separação entre a carga e a informação que lhe está (ou devia estar) associada, são apenas algumas das potenciais origem dos acidentes, incidentes e até dos milagres (pois nem sei como não há mais acidentes, tamanha é a dimensão do problema).
Falta formação, muita formação, a todos os intervenientes, incluindo as autoridades responsáveis pela regulamentação e fiscalização, para que sejam desenvolvidas as devidas competências que permitam acompanhar as atualizações bianuais a que os diferentes regulamentos modais de transporte de mercadorias perigosas estão sujeitos. Por vezes consigo vislumbrar alguns progressos, mas a este ritmo estaremos cada vez mais distantes do patamar de segurança que deveríamos alcançar.