Quando se fala de transportes, mesmo não sendo rodoviários, é comum vermos a sigla ADR ser evocada. Para alguns, tal é sinal de problemas ou impossibilidades. Para outros, talvez os mais informados, é sinal de oportunidade, pois permite a entrada numa área por vezes melhor remunerada, mais controlada e menos sujeita a imponderabilidades…
Na realidade, todas as mercadorias podem ser perigosas mas apenas algumas estão abrangidas pelos critérios que obrigam à classificação como perigosas para o transporte. Quando temos que sinalizar uma mercadoria, ficamos a conhecê-la um pouco melhor e por isso o nosso comportamento poderá ser mais adequado e seguro, reduzindo o risco na operação.
A classificação para transporte baseia-se em critérios definidos nas Nações Unidas, de forma transversal aos vários modos de transporte, assentando a sua estrutura em classes, que agrupam matérias ou objetos (artigos) com um mesmo estado físico e/ou perigo, para uma mais fácil definição de regras.
Essas classes não estabelecem qualquer hierarquia entre si, pois o risco não é facilmente comparável quando os perigos podem ser tão distintos.
Veja-se por exemplo um produto da classe 3 (líquidos inflamáveis) – a gasolina – e outro da classe 8 (corrosivos) – o ácido sulfúrico. Qual dos dois é mais perigoso? Depende muito das circunstâncias!
Já no que respeita à comparação dentro de uma classe, à exceção da classe 9 (matérias e objetos perigosos diversos) em que os perigos podem variar bastante, torna-se mais fácil identificar o maior ou menor risco, uma vez que as variáveis são da mesma natureza.
Por exemplo, no caso mais simples dos líquidos inflamáveis, olhando para o ponto de inflamação e para o ponto ebulição, é fácil compreender qual a matéria que oferece maior risco. Esta maior perceção do risco permite adequar melhor o grau de exigência a cumprir, nomeadamente em termos de embalagem. É por isso que se chama “grupo de embalagem” ao grau de perigosidade em determinadas classes (não aplicável nas classes 1, 2, 5.2, 6.2 e 7), mesmo quando a matéria não é transportada em embalagens, que é indicado por um número romano I, II ou III, consoante for mais, medianamente ou menos perigosa.
Ainda assim, existe a necessidade de atribuir números ONU às diferentes matérias e objetos perigosos, para acautelar particularidades ou especificidades relevantes para o difícil equilíbrio entre o nível de exigência e aquele que é o custo razoável.
Na edição de 2023 do ADR, os nºs ONU começam no 0004 e chegam ao 3550, num total de 2928 entradas (rubricas) na lista de mercadorias perigosas, que se designa de Quadro A. Não é por isso de estranhar que o que assusta muita gente em relação ao ADR seja a sua dimensão e pretensa complexidade.
Contudo, era impossível gerir um sistema de numeração biunívoco que desse resposta às centenas de milhares (ou milhões) de formulações perigosas presentes e futuras, tendo-se optado por criar rubricas (nºs ONU) coletivas que permitissem batizar misturas e formulações, por muito estranhas e complexas que sejam.
Temos, por exemplo, o nº ONU 1950 para os aerossóis (para os sprays sob pressão), quaisquer que eles sejam, ou o nº ONU 1266 para os produtos de perfumaria (que sejam líquidos inflamáveis), ou até o nº ONU 1993, para todas as misturas líquidas que sejam inflamáveis e não estejam, de alguma forma, já abrangidas por um outro nº ONU.
Na edição de 2023 do ADR, os nºs ONU começam no 0004 e chegam ao 3550, num total de 2928 entradas (rubricas) na lista de mercadorias perigosas, que se designa de Quadro A.
Não é por isso de estranhar que o que assusta muita gente em relação ao ADR seja a sua dimensão e pretensa complexidade.
A atual edição portuguesa, que será em breve apresentada, introduz mais de 700 inclusões, supressões e modificações que se refletem nas mais de 470000 palavras que constituem as quase 87000 linhas do texto regulamentar, esplanadas disformemente nas suas 9 Partes.
No que respeita à complexidade, esta foi substancialmente atenuada aquando da reestruturação efetuada em 2001, com o alinhamento com as Recomendações para o transporte de mercadorias perigosas das Nações Unidas (Livro Laranja) e com a maior harmonização modal, não sendo fácil acompanhar as atualizações que são realizadas a cada dois anos.
Comparando com 2021, a edição do ADR 2023 versão portuguesa acrescenta mais 26 páginas, chegando-se agora às 1336 páginas, se considerarmos, para além dos anexos técnicos (a que correspondem as 9 Partes), os 17 artigos do Acordo, o protocolo de assinatura e o índice.
No presente biénio, 2023-2024, são substanciais as alterações introduzidas na “Avaliação de conformidade”, com implicações na verificação das disposições aplicáveis aos exames de tipo, à vigilância do fabrico, à inspeção e aos ensaios iniciais, periódicos, intercalares e extraordinários de equipamentos sob pressão e cisternas, com reflexos nos organismos de inspeção e no papel da autoridades competentes.
As cisternas de matéria plástica reforçadas com fibras (PRF) têm também um forte impacto no volume das novas disposições, em que este conceito, ao ser estendido às cisternas móveis (multimodais), acabou também por ter reflexo nas cisternas rodoviárias.
No caso das cisternas para o transporte de gases liquefeitos inflamáveis, passam a dever ser providas de válvulas de segurança e a exibir uma nova marca “SV”.
Em relação aos veículos, começam a introduzir-se regras que vêm permitir a utilização de veículos elétricos no transporte em cisternas (apenas veículos AT), sendo expectável novas alterações em próximas edições.
É por isso importante continuar a propor melhorias e a acompanhar as propostas que vão surgindo nas reuniões internacionais, nomeadamente no Subcomité TDG (transporte de mercadorias perigosas da ONU), na Reunião comum RID/ADR/ADN e no WP.15, em prol da segurança e da simplicidade.
Seguramente.
JOÃO CEZÍLIA
Especialistas em transporte de mercadorias perigosas