A falta de contentores no mercado é culpa da pandemia e da sua propagação em ritmos e com intensidades diferentes, explica o director executivo da AGEPOR.
Sem contentores, ou obrigados a pagar fretes elevados para os terem, carregadores e transitários multiplicam-se em críticas aos armadores, acusando-os de quererem ganhar com a crise, prejudicando a retoma e a economia.
Em declarações ao TRANSPORTES & NEGÓCIOS, António Belmar da Costa, director executivo da AGEPOR, a associação dos agentes de navegação, que, para o caso, representam no mercado português os operadores internacionais de transporte marítimo de contentores, refutou as críticas e sublinhou a excepcionalidade da conjutura ditada pela pndemia de Covid-19.
Por outro lado, lembrou, o mercado é cíclico, e se agora é tempo de os armadores encaixarem para financiarem os vultuosos investimentos a que estão obrigados, já foi tempo em que a baixa dos preços levou a falências de companhias ou a resgates púbicos.
Carregadores e transitários têm multiplicado as críticas à forma como os armadores têm feito a gestão da oferta de capacidade de contentores. Quer comentar?
Belmar da Costa – Antes de mais, e por forma a enquadrar devidamente a situação, é necessário perceber que não existem, num mundo global contentorizado, “trades” perfeitos no que respeita a trocas comerciais. Salvo raríssimas excepções haverá sempre desequilíbrios nas mercadorias importadas e exportadas entre países, o que obriga os armadores a procederem ao reposicionamento de contentores vazios. Para se ter uma ideia, calcula-se que, ainda antes da pandemia, o reposicionamento de contentores “cheios de ar” custaria aos armadores cerca de 20 mil milhões de dólares ano.
Obviamente que, face à enormidade deste custo, os armadores procuram maximizar a rotação dos contentores. Ainda assim, é natural, e decorrente das trocas comerciais internacionais, que, por um motivo ou por outro, haja uma escassez pontual de contentores no mercado para satisfazer as necessidades dos exportadores.
Ora, acontece que o tempo de pandemia que vivemos é tudo menos natural. Para se ter uma ideia da grandiosidade do impacto no transporte contentorizado, note-se que se antes da pandemia o rácio de reposicionamento de contentores vazios da Europa / Estados Unidos para a China era de cerca de 2 vazios para 1 cheio, momentos houve, durante a pandemia, em que navios inteiros fizeram a viagem de retorno apenas com contentores vazios!
Em suma, e de uma forma simplista, os efeitos da pandemia, que foi evoluindo em ondas de Este para Oeste (com evolução diferente no timing e consequências em cada região) acabou por degenerar numa imprevisível escassez de contentores vazios, quer na Europa / Estados Unidos, quer na China.
Mas, afinal, porquê a falta de equipamentos?
Belmar da Costa – Tentando sistematizar a evolução cronológica dos acontecimentos por fases, diria que:
Primeira Fase:
- O COVID-19 teve impacto inicial na China no final de Dezembro de 2019
- A Indústria na China começou a fechar em massa
- O trade baixou significativamente (falta de exportações chinesas)
- Os armadores colocaram navios em lay up (retiraram navios dos serviços) ajustando-se à forte redução da procura e assim minimizando os custos operacionais incorridos
Segunda fase:
- A Indústria na Europa e Estados Unidos começou a fechar em Fev / Mar 2020 (1º confinamento)
- A China iniciou o desconfinamento e a Indústria chinesa começou a produzir para exportação (apoiada pelo Governo Chinês)
- Os stocks de contentores na Europa / Estados Unidos estavam em níveis mínimos (por não terem sido recebidos da China, que esteve fechada)
- “Boom” nas exportações da China no segundo trimestre de 2020 – única grande zona industrial em funcionamento geral nesse momento.
- Forte aumento das importações nos Estados Unidos e Europa (com a indústria fechada e maior propensão em confinamento à procura de bens de consumo)
- Fortíssima redução nas exportações dos Estados Unidos e Europa (indústria com grandes limitações) para a China
- Armadores começam a aumentar o número de navios nos serviços recolocando navios previamente parados
Terceira fase:
- Os navios começaram a sair cheios da China, mas a voltar com muito pouca carga (os fretes marítimos começaram a aumentar na China para compensar a falta de receitas no retorno)
- Principais fábricas de contentores novos na China reduziram os turnos de produção não tendo capacidade de satisfazer a procura existente (resultou num aumento muito significativo no preço dos contentores novos)
- Escassez de contentores vazios na China para fazer face ao “boom” das exportações chinesas (carregadores preparados para pagar ainda mais para conseguir equipamento)
- Portos nos Estados Unidos e Europa acumulam um número imenso de contentores vazios (o que resulta num sobrecusto para os Armadores)
- Necessidade de fazer viagens só com contentores vazios da Europa e Estados Unidos para a China e de anunciar “blank sails”
Quarta Fase:
- Indústria nos Estados Unidos e Europa abre (fim do confinamento) e começa a produzir para exportação
- As exportações chinesas continuam a crescer (muito para lá do esperado) e a crescente falta de equipamento pressiona cada vez mais a procura
- Companhias de leasing de contentores sem equipamento para alugarem aos armadores.
- Armadores preferem trazer da Europa e EUA contentores vazios – para os terem rapidamente disponíveis ao nível de fretes que os exportadores chineses querem pagar – em vez de esperarem que os mesmos sejam carregados nos Estados Unidos / Europa
- Escassez de contentores para fazer face às exportações americanas e europeias pressionando a procura (aumento nos fretes para a China)
- Armadores colocam praticamente todos os navios nos serviços.
A APAT e o CPC falam em sobrecustos muito penalizadores para as empresas nacionais, principalmente as exportadoras…
Belmar da Costa – Não focando o assunto exclusivamente nas empresas nacionais, até porque, como vimos, este é um problema global, diria que nas condições “perfeitamente anormais” em que vivemos seria muito difícil, ou mesmo impossível, que todos estes impactos não produzissem sobrecustos elevados na cadeia logística. Observamos exactamente o mesmo em toda a economia mundial, em quase todos os sectores.
O transporte marítimo é hoje um sector fortemente regulado e particularmente escrutinado, mas não deixa de estar, como tantos outros, sujeito à lei da oferta e da procura. Se no passado (na última década) a “mão invisível” que vai equilibrando os níveis da oferta e da procura o castigou e penalizou em rentabilidade económica, no presente está a beneficiá-lo.
Durante muitos anos o nível de fretes foi insustentável, levando, inclusive, a falências de grandes armadores e necessidades de ajuda estatal a outros. Os investimentos vultuosos que os armadores e toda a Indústria fizeram, e terão que continuar a fazer, num futuro próximo, para os navios se aproximarem das emissões zero, vão exigir que as empresas tenham recursos e aproveitem os ventos favoráveis.
É, claro, necessário trabalhar para obter soluções que permitam a possibilidade de transportar a carga tendo disponíveis os contentores e há indicadores que isso mesmo estará a ser feito. Esta realidade não veio para ficar. É conjuntural. O mercado é cíclico.