As notícias sobre o estudo do transporte marítimo de mercadorias nos Açores, que “aqueceu” o debate durante algum tempo é, no presente, um tema que se poderá considerar moribundo, atendendo aos últimos desenvolvimentos políticos na Região Autónoma dos Açores, com a provável dissolução da Assembleia Legislativa daquela Região.
Mas o que fica de tudo isto?
Destaco o momento inaugural, ocorrido a 26 de setembro, com a divulgação, por parte do Diário Insular, de um resumo do conteúdo do estudo produzido pela VC Duarte, encomendado pelo governo regional dos Açores. Poderemos considerar que a comunicação social exerceu em pleno o seu papel, divulgando o que o governo impedira de ser do conhecimento geral, tentando ainda limitar a respetiva análise a uma comissão de três especialistas independentes.
Destaco ainda o que, durante alguns dias, se seguiu: uma série de artigos na comunicação social regional, envolvendo stakeholders e especialistas. Dos primeiros, temos que duas entidades divulgaram o seu entendimento sobre o tema. Para a Câmara do Comércio de Ponta Delgada, o estudo ficou muito aquém das expectativas, sugerindo o seu presidente que se adote o modelo existente no transporte aéreo, aplicando-se os preços de mercado nos pontos mais competitivos como benchmarking para os preços nas outras ilhas. Para além disso, considera aquele que a liberalização é claramente mais vantajosa para as empresas e para os consumidores.
Da parte do maior operador de transporte nos Açores, a Transinsular, o modelo atual, com algumas melhorias, será o mais indicado, incluindo-se entre as melhorias escalas semanais em todas as ilhas. Contudo, o CEO da Transinsular refere logo a seguir que o aumento de custos que tal significaria não deveria passar para o valor do frete. Ora, tal parece-me impossível sem qualquer tipo de intervenção pública.
O que significa este conjunto de ideias? Que subsistem forças conducentes ao imobilismo e que os modelos apresentados no estudo corresponderam a uma tentativa de compatibilização de interesses, tipo “quadratura do círculo”, aventando algumas das soluções a um maior protagonismo do porto da Praia da Vitória.
Das restantes intervenções, resulta uma crítica geral relativa à falta de detalhe e à fragilidade da abordagem, para além da inexistência de elementos que fundamentem as conclusões apresentadas no estudo. O último artigo, publicado inicialmente no TRANSPORTES & NEGÓCIOS, da autoria de Fernando Grilo, fala da possibilidade de disrupção do sistema caso não ocorram investimentos nos próximos anos, o que julgo ser um aspeto crítico e a ter em grande conta no futuro.
O que significa este conjunto de ideias? Que subsistem forças conducentes ao imobilismo e que os modelos apresentados no estudo corresponderam a uma tentativa de compatibilização de interesses, tipo “quadratura do círculo”, aventando algumas das soluções a um maior protagonismo do porto da Praia da Vitória.
Previsivelmente jamais saberemos o que a comissão nomeada pelo governo regional dos Açores dirá, atendendo à previsível dissolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. Soubemos apenas que as expectativas da parte do governo açoriano cessante eram ingenuamente elevadas, nos termos do parágrafo constante da página 91 do Plano Regional Anual 2024 da Região Autónoma dos Açores, rejeitado no passado dia 23 de novembro:
“Uma das prioridades, consagrada no Plano para 2024, é a modernização do setor, visando maiores índices de produtividade e competitividade, e potenciando a implementação de um modelo mais adequado para o transporte marítimo de mercadorias. Este modelo será proposto pela Comissão constituída por especialistas independentes, na sequência de estudo realizado para o efeito, procurando a promoção de um verdadeiro mercado interno e a garantia de maior regularidade, previsibilidade e estabilidade das operações.”
De tudo isto ficam apenas duas ou três grandes ideias, a primeira das quais está na base do que se pode considerar o fundamento de uma sociedade livre, dinâmica e democrática: os contributos obtidos no âmbito da discussão gerada pela divulgação do estudo valem outro tanto quanto o próprio estudo. E não custaram nada! A segunda ideia é a de que a substituição de uma competência governamental por uma decisão de uma comissão cujos interesses todos desconhecemos, desresponsabiliza e secundariza o papel dos órgãos governamentais, em claro prejuízo do papel das instituições públicas. E a terceira, é a de que continuamos na estaca zero, com um sistema de transporte marítimo levado à exaustão e sem que se tenha sequer dado início a um debate consequente.
Em suma, e como em tantos outros assuntos, subsiste no sistema político nacional uma visão incipiente, ingénua e inconsequente, tal como os olhos de Argos Panoptes, um gigante da mitologia grega com cem olhos atentos, que tudo veem, mas nada fazem.
LUÍS MACHADO DA LUZ
Doutorado em Sistemas de Transportes pela Universidade de Coimbra, ao abrigo do Programa MIT Portugal