No passado dia 20 de junho de 2022, o Tribunal de Justiça proferiu decisão no processo C‑700/20, relacionado com o acidente do navio Prestige.
Em novembro de 2002, o navio Prestige, um petroleiro registado nas Bahamas, partiu‑se em dois e afundou‑se ao largo da costa da Galiza. No momento do acidente, o navio transportava 70.000 toneladas de produtos petrolíferos. O acidente provocou uma maré negra e importantes danos nas costas portuguesa, espanhola e francesa.
Os tribunais do Reino Unido deverão agora acolher esta posição, esperando-se assim que reconheçam a decisão dos tribunais espanhóis e, consequentemente, a indemnização do P&I Club a Espanha.
A seguradora do navio é o London P&I Club. O contrato de seguro contém duas cláusulas com especial interesse para o caso. Por um lado, prevê um mecanismo “pay to be paid”, segundo o qual o tomador do seguro deverá primeiro pagar as responsabilidades pelas quais estiver segurado, podendo apenas depois exigir esses montantes da seguradora. Por outro lado, prevê que qualquer diferendo deverá ser submetido a arbitragem em Londres.
Em 2010, Espanha intentou ação contra, entre outros, o London P&I Club, na qualidade de segurador. Essa ação foi intentada em Espanha e em conformidade com um direito de ação direta previsto no Código Penal espanhol. O P&I Club não participou no processo espanhol. Como resultado desse processo, o P&I Club foi considerado responsável perante o Reino de Espanha em aproximadamente 855 milhões de euros.
Em 2012, o P&I Club deu início a uma arbitragem, em Londres. Nesse processo foi decidido que o Estado espanhol estava obrigado a prosseguir a ação direta através de arbitragem em Londres e que o P&I não poderia ser responsável enquanto os proprietários do navio não pagassem os danos, ao abrigo da cláusula “pay to be paid”. Em 2013, o Supremo Tribunal de Inglaterra e País de Gales proferiu um acórdão que reproduzia os termos dessa decisão.
Em suma, o naufrágio do navio deu origem a um longo contencioso entre o P&I Club e Espanha, no contexto de dois processos diferentes, em dois Estados‑Membros, dos quais resultaram duas decisões distintas.
O Reino de Espanha pretendeu que a decisão proferida em Espanha fosse reconhecida pelos tribunais relevantes do Reino Unido. No contexto desse pedido, o Supremo Tribunal de Inglaterra e País de Gales chamou o Tribunal de Justiça a pronunciar-se, nas vésperas da efetivação do Brexit, dando origem ao Processo C-700/20.
De forma simplificada, o Tribunal de Justiça, na referida decisão de 20 de junho de 2022, no Processo C-700/20, concluiu que o compromisso de arbitragem que integra o contrato de seguro tem eficácia relativa, aplicando-se apenas entre a seguradora e o proprietário do navio, não podendo prejudicar os direitos dos lesados e titulares de ação direta. Concluiu também que o processo em Espanha estava já em curso quando foi iniciado o processo no Reino Unido, existindo por isso uma questão de litispendência.
O laudo arbitral confirmado por acórdão no Reino Unido apenas impediria o reconhecimento, no Reino Unido, da sentença espanhola, se a decisão arbitral fosse consentânea com os princípios do Regulamento n.° 44/2001 – e no caso não é, pelos motivos apresentados no parágrafo anterior.
Os tribunais do Reino Unido deverão agora acolher esta posição, esperando-se assim que reconheçam a decisão dos tribunais espanhóis e, consequentemente, a indemnização do P&I Club a Espanha.
Advogada na JPAB Advogados