O antigo presidente da Empordef e líder da comissão liquidatária dos ENVC afirmou em tribunal que houve “alta corrupção” na venda do navio Atlântida à Douro Azul, de Mário Ferreira.
“Houve alta corrupção. que envolveu políticos em funções, o Conselho de Administração dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, o júri do concurso, o BES e o comprador”, afirmou João Pedro Martins, ouvido enquanto testemunha arrolada pela defesa da ex-diplomata Ana Gomes, no julgamento em que a antiga eurodeputada responde por difamação de Mário Ferreira.
Ouvido por videoconferência, no Tribunal do Bolhão, no Porto, João Pedro Martins contou que cerca de um ano antes da alienação do Atlântida (vendido em 2014) havia “doze propostas firmes” de aquisição do navio na ordem dos 30 milhões de euros, acrescentando que o Conselho de Administração dos ENVC considerou-as “extremamente baixas” face ao valor de construção.
O antigo presidente da Empordef explicou depois que, mês e meio antes da venda do navio a “um armador grego”, que ofereceu o melhor preço para a sua aquisição (12,8 milhões de euros), este ficou “incontactável”.
De acordo com as regras do concurso, o navio acabou por ser adquirido pela segunda melhor proposta, que foi apresentada pela Douro Azul, de Mário Ferreira, no valor de 8 milhões e 750 mil euros, valor que, segundo o também economista, “serviu para pagar a penhora” que pendia sob o navio, no mesmo valor da aquisição.
João Pedro Martins disse acreditar que o primeiro comprador serviu como “lebre” para que o segundo classificado pudesse adquirir o navio por um valor muito inferior, recordando também que havia “muita pressão” por parte do poder político para a concretização do negócio e para a liquidação dos ENVC, devido às ajudas estatais.
O antigo presidente da Empordef, que, em Fevereiro de 2019, numa audição parlamentar já tinha afirmado ter havido “alta corrupção” nos ENVC, revelou hoje em tribunal que há cerca de três anos e meio entregou ao Ministério Público documentação e “matéria probatória”, nomeadamente as atas das reuniões do Conselho de Administração dos ENVC, considerando que “os factos são demasiados evidentes”, caso entenda deduzir acusação.
Questionado depois pela defesa de Mário Ferreira sobre onde estão as provas e os factos da alegada prática de corrupção por parte do seu constituinte, a testemunha reiterou o que já havia dito.
Ouvida também enquanto testemunha, a presidente do júri do concurso da venda do Atlântida explicou que se “limitou a ordenar” as propostas, assegurando que o concurso decorreu “dentro da normalidade”.
Filomena Bacelar indicou que o único critério que havia no concurso era o da proposta de “valor mais elevado”, admitindo que as ofertas que o júri recebeu foram “muito baixas”.
A inspectora das Finanças revelou ainda que cabia aos ENVC decidir se vendiam ou não o navio, ou se anulavam o concurso e lançavam um novo, caso entendessem que não estava “salvaguardado o interesse público”.
Confrontada com as acusações de alegada corrupção pelo antigo presidente da comissão liquidatária dos ENVC, Filomena Bacelar refutou-as, dizendo “não perceber” essas suspeitas levantadas sobre os membros do júri.
O julgamento em curso decorre de uma acção interposta por Mário Ferreira contra Ana Gomes, na sequência da reacção da agora arguida a um ‘tweet’ do primeiro-ministro, António Costa, após participar em 7 de Abril de 2019 no baptismo do MS World Explorer (paquete construído nos ENVC por iniciativa do grupo Mystic Invest), lamentando que o chefe do Governo tratasse como grande empresário um “notório escroque / criminoso fiscal”, além de classificar a venda do Atlântida como “uma vigarice”.
O julgamento prossegue a 16 de Setembro com a inquirição da última testemunha e as alegações finais.
Recorde-se que o Atlântida, construído pelos ENVC para a Atlânticoline, foi recusado pela empresa detida pelo Governo Regional dos Açores por falhar por uma milha a velocidade prevista no caderno de encargos. O navio acabaria por ser vendido à Douro Azul, de Mário Ferreira, que cerca de três meses depois o revenderia praticamente pelo dobro do preço a um operador norueguês.