Luís Cabaço Martins
Presidente do Conselho Directivo da ANTROP
Não podemos olhar para o ano de 2021 sem pensar em 2020 e em tudo o que a pandemia, que nos visitou no final do 1.º trimestre desse ano, nos veio trazer, de modo particularmente intenso no transporte de pessoas, devido às restrições de mobilidade determinadas por lei e por alteração radical de hábitos e comportamentos das populações.
Efetivamente, por via destas mudanças e da sua dimensão, os impactos de 2020 prolongaram-se por 2021, até porque nunca deixamos de estar (como ainda agora) em situação de pandemia.
De todo o modo, o ano de 2021 foi já, de alguma forma, um ano de recuperação face a 2020, mas ainda muito longe das performances de 2019.
De facto, o ano de 2021 registou já um acréscimo do número de passageiros transportados, mas, ao mesmo tempo, veio confirmar aquilo que se temia: a pandemia veio condicionar fortemente a tendência de crescimento da utilização de transporte público em Portugal, tendência que marcou o 1.º trimestre de 2020 e que se mostrava bastante consistente. E não nos referimos à perda de passageiros por via dos constrangimentos de mobilidade. Isso seria normal. O que se passou, porém, foi que, quando ocorreram os desconfinamentos e a população passou a usar os transportes públicos sem qualquer tipo de limitação, em nenhum momento a recuperação do número de passageiros foi total relativamente aos valores médios de 2019.
Isto significa que, mesmo num cenário de estabilidade na evolução pandémica, ou até de normalização da situação, os transportes públicos terão perdido, para já, um número significativo de passageiros que adotaram um novo comportamento de mobilidade, por via fundamentalmente da disseminação do teletrabalho, entre outros fatores menos determinantes.
A perda estrutural de passageiros no sistema influi, pois, diretamente no nível de sustentabilidade das operações de transporte, muitas delas dimensionadas e pensadas tendo em conta a realidade de 2019.
Esta questão é absolutamente decisiva e crítica para o ano de 2022 e anos seguintes, tendo em conta o enquadramento jurídico em vigor no nosso país, no que se refere à organização da mobilidade de pessoas. É que, por via desse enquadramento, são as autarquias (Municípios, Comunidades Intermunicipais e Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto) que detêm a responsabilidade pela definição da política de mobilidade nos seus territórios, assim como a sua concretização através da aprovação dos modelos de oferta de transporte público. E, para cumprimento da legislação comunitária que nos vincula, têm vindo a ser lançados processos concursais, um pouco por todo o país, a maior parte dos quais ainda em curso.
A perda estrutural de passageiros no sistema influi, pois, diretamente no nível de sustentabilidade das operações de transporte, muitas delas dimensionadas e pensadas tendo em conta a realidade de 2019.
Ora, na generalidade destes processos, estamos a assistir a uma tendência perversa no âmbito da elaboração dos modelos de operação e financeiros. É que um número muito significativo de Autoridades de Transporte continua a basear-se em pressupostos pré-pandémicos, designadamente ao nível das receitas de operação e procura.
Esta situação tem tido como consequências, ou a ausência de propostas para esses concursos, tornando os concursos desertos, ou a apresentação de propostas irrealistas e insustentáveis, as quais têm dado origem a grandes perturbações na execução do serviço público de transporte. Em alguns casos tem até acontecido a substituição de operador de transporte, na maior parte das vezes chamando o anterior incumbente, que não concorrera ao concurso por ser insustentável, para salvar a situação e voltar a garantir a mobilidade das populações.
A manter-se este estado de coisas, será inevitável, a curto-médio prazo, a destruição do tecido empresarial do setor, por falta de condições de sustentabilidade das operações.
Tem aqui a palavra a Autoridade da Mobilidade e Transportes – AMT, regulador económico do setor.
Um outro tema muito impactante para a sustentabilidade nos próximos anos das empresas do setor é a atualização da sua remuneração pela prestação do serviço.
A fórmula atualmente em vigor, que rege as atualizações tarifárias e as atualizações das remunerações dos operadores de transporte que prestam serviços públicos de transporte, manda atender apenas à variação da taxa de inflação. Ora, esta taxa, as mais das vezes, não reflete, por si só, a real variação dos principais custos de operação das empresas do setor. A título de exemplo, podemos referir que foi autorizada uma atualização, para 2022, de 0,57%. Ora, a inflação acabou por ser de 1,3%, sendo que os custos com os combustíveis variaram cerca de 20% e os de pessoal 6%.
Sustentabilidade, equilíbrio, qualidade de serviço, boas condições de mobilidade: eis os fatores necessários para garantir um verdadeiro serviço público de transporte, eficiente e a um preço justo.
Tal como acontece em muitos países da União Europeia, designadamente em Espanha, mostra-se prioritária e urgente a revisão desta fórmula no sentido de incluir também as variáveis relevantes para o setor, tais como, os custos com os combustíveis e os custos salariais, de modo que a atualização da remuneração dos operadores de transporte reflita a realidade do setor.
Esta nossa pretensão de ter um mecanismo justo é fundamental para que seja garantida a sustentabilidade do setor em Portugal.
Aqui tem a palavra o Governo, pois trata-se de matéria da sua competência.
Sustentabilidade, equilíbrio, qualidade de serviço, boas condições de mobilidade: eis os fatores necessários para garantir um verdadeiro serviço público de transporte, eficiente e a um preço justo.
A ANTROP não deixará de pugnar para que este desiderato seja atingido, a bem do país, da mobilidade e das populações.