Ainda no passado dia 26 de outubro, davam à costa no Canal de Bristol alguns contentores de um navio, que tinham “voado” borda fora no dia 20. Dos cerca de 11 avistados, alguns, vazios, acabaram por se afundar, outros, porém, chegaram a terra com as suas cargas no interior.
Os rigorosos invernos a Norte da Europa têm produzido este efeito ao longo dos anos, mas existem casos também noutras partes do mundo. A carga nem sempre chega ao seu destino fruto destes e de outros fenómenos, como avarias aquando do seu manuseamento, ou por incidentes/acidentes no navio, tais como incêndios, naufrágios, colisões, entre outros.
Recentemente, a European Maritime Safety Agency (EMSA) produziu um relatório onde analisou este tipo de acidentes com navios de contentores para o período de 2011 a 2019. Se na década de 50 os navios desta classe transportavam 2 a 3 alturas de contentores no porão e outras tantas no convés, hoje em dia, com as novas configurações e com o gigantismo associado a estes navios, podemos ter 10 alturas de contentores no porão e entre 9 a 11 no convés.
Este relatório cobre cerca de 8 anos e meio, com cerca de 2 170 ocorrências nesse tempo, registando uma tendência crescente até 2015, com picos em 2015 e 2017, verificando-se depois um decréscimo até 2019, com um total de 213 ocorrências, abaixo da média anual de 241 durante o período coberto (gráfico 1).

Pese embora o número de ocorrências registadas, apenas 4% foram consideradas como “very serious”, 81% como “other marine casualties” e 15% como “marine incidents”.
Se a declaração de peso obedece desde há algum tempo a regras de pesagem certificadas (Verified Gross Mass – VGM), mesmo assim, em alguns casos, (…) continuam a verificar-se discrepâncias nos pesos declarados e efetivos, que numa escala de 1 000 ou 2 000 contentores podem ter um forte impacto na distribuição de cargas a bordo.
Ao nível da perda de contentores, podemos considerar fenómenos meteorológicos, mas também os que derivam de naufrágios, colisões entre navios e outros acidentes decorrentes da navegação. Das cerca de 58 ocorrências registadas, que resultaram em 2 332 contentores perdidos, com uma média de 284 por ano, foram registados picos em 2014 e 2015, relacionados maioritariamente, em 2015, com o naufrágio do navio “El Faro” (gráfico 2).
Estes fenómenos dependem em grande parte da falta de informação das cargas dentro dos contentores para os armadores, bem como da sua peação/acondicionamento. Salvo casos de mercadorias perigosas, os contentores são planeados de acordo com o seu porto de destino/transbordo, tamanho, tipo e peso. Se a declaração de peso obedece desde há algum tempo a regras de pesagem certificadas (Verified Gross Mass – VGM), mesmo assim, em alguns casos, e após análise de alguns acidentes, continuam a verificar-se discrepâncias nos pesos declarados e efetivos, que numa escala de 1 000 ou 2 000 contentores podem ter um forte impacto na distribuição de cargas a bordo.
Por seu lado, alguns dos navios apresentam, segundo os relatórios de acidentes, deficiências na peação das cargas a bordo ou do material de peação, levando a que, com condições adversas ou fora do normal, as enormes pilhas de contentores sofram danos e acabem por se desmoronar como peças de dominó.

De um modo geral, cerca de 80% das 1 657 ocorrências registadas centram-se nas perdas de controlo, colisões e contactos (gráfico 3). As ocorrências com navios sofreram um 2019 um decréscimo na ordem dos 23%, mas os incêndios a bordo registaram ainda assim um acréscimo de 27%.
Os incêndios são hoje um fator de grande preocupação a bordo. O número reduzido de tripulantes, associado ao gigantismo dos navios, torna a equação na maior parte dos casos resolvida a favor do fogo, pondo em causa não apenas vidas humanas a bordo, mas também as restantes cargas e, em muitos casos, o próprio navio. Tem havido esforços na correta declaração de mercadorias perigosas, bem como no seu acondicionamento a bordo, mas têm sido vários os casos recentes que devem mostrar preocupação e um caminho mais forte a seguir, tanto no transporte como na declaração e acondicionamento das mercadorias classificadas como perigosas, pois de certo modo, perigosas todas elas podem ser – como ouvia há uns tempos de um entendido na matéria.

As zonas portuárias parecem ser o palco natural para este tipo de acidentes com navios porta-contentores. Recentemente temos assistido, também com alguma regularidade, a colisões entre navios e instalações portuárias e seus equipamentos, tendo em alguns casos consequências absolutamente devastadoras, levando à queda de pórticos de cais em cima de navios, para o cais, ou para o plano de água. As paragens ou imobilizações de áreas portuárias derivadas deste tipo de acidentes são de uma complexidade extrema para os operadores, não apenas pelo espaço necessário para recuperar desses acidentes, mas também pela redução do número de equipamentos afetos às operações, bem como a sua localização no cais, que pode em alguns casos inviabilizar completamente as operações em terminais de menor dimensão.
As colisões com outros navios ou com o cais também têm tido algum relevo e destaque nas notícias do setor quase todos os meses. É por isso grande o risco associado ao gigantismo dos navios, mas também à grande quantidade de manobras que diariamente são feitas a nível mundial em portos cada vez mais apertados pela pressão das cidades.

De acordo com os dados recolhidos pela EMSA, cerca de 48% das ocorrências acontecem em zonas portuárias, 19% em mar aberto (dentro e fora das ZEE – Zonas Económicas Exclusivas) e 18% em águas territoriais. Olhando apenas para as ocorrências (cerca de 854) relativas a acidentes de navegação (colisões, contatos e encalhamento) as áreas portuárias continuam a colher cerca de 59% das ocorrências, com apenas 9% destes acidentes a ocorrerem em mar aberto. São várias as falhas que podem levar a estes acontecimentos em mar aberto, pese embora toda a tecnologia existente hoje em dia, mas o certo é que devido a falha humana, ou dos equipamentos a bordo, continuam a dar-nos maus exemplos regularmente.
Com este relatório foram emitidas pela EMSA recomendações de segurança aos armadores ou fretadores de navios (59%) e às Autoridades Marítimas (17%). Ao nível dos navios foram ainda identificados alguns problemas que põem em causa a segurança, nomeadamente a falta de documentação das cargas dentro dos contentores, o manuseamento de algumas cargas especiais, a incapacidade de resposta ao fogo, a falta de condições de segurança que podem levar depois à perda de contentores, as práticas de peação a bordo e o estado do material em alguns casos, e a resposta das autoridades costeiras após os acidentes.
Este é um tema que continua a tocar as cargas, navios, terminais, o meio ambiente e todo o ecossistema de transporte mundial, devido à globalização a que assistimos nas últimas décadas. É difícil conseguir mudar o paradigma num curto espaço de tempo e tem havido efetivamente algumas melhorias para debelar este tipo de problemas, promovendo a segurança no transporte marítimo de contentores, para que as cargas possam chegar do ponto A ao ponto B no devido tempo e sem avarias. Vamos esperar que as tendências do número de acidentes continuem a caminhar no sentido descendente, pois, afinal de contas todos ficaremos a ganhar, tanto os clientes, como as cargas e toda a cadeia de transporte.
Tendo apreciado o artigo sobre acidentes com contentores gostaria de dar umas achegas:
Deficiências na peação: pode ser devida ao não cumprimento do plano de peação aprovado por parte de tripulantes ou estivadores, consoante o caso, sem verificação adequada dos responsáveis do navio ; também pode ser devido próprio plano de peação indevidamente aprovado pela Administração ou em seu nome , o que não raras vezes se verifica durante inspecções de Port State Control: este problema é muito dificil de combater porque, em princípio, a Administração é soberana.
Por outro lado o navio pode largar do cais antes de os contentores serem peados (normalmente os terminais exigem que os navios larguem no prazo de 2h após terminar a movimentação de contentores, o que pode ser manifestamente insuficiente): é fácil imaginar o “filme” com tripulações reduzidas, navio a poder dar fortes balanços, levando a que não se cumpra o plano de peação ; infelizmente os navios ro-ro são os únicos que não podem seguir viagem antes da peação de toda a carga estar concluída.
As eventuais deficiências de peação interligadas com a alegada falsa declaração de pesos e estiva da carga dentro dos contentores, enfim, o não cumprimento adequado do código das cargas perigosas (não esquecendo que não raramente os Comandantes poderão ser pressionados a cumprir horários descurando efeitos de temporais ao não reduzir devidamente as velocidades, alterar rumos, etc para tentar minora os seus efeitos) pode levar a grandes desastres, nomeadamente com grandes navios como se vem verificando desde há muitos anos.
“Quanto maior é o navio maior é a tormenta” como se costuma dizer.
Caro Hélder, passei 20 anos na frente cais, em todas essas tarefas, incluíndo os ro-ros. Conheço perfeitamente a situação que retrata. As tripulações curtas levam por vezes a deficiências na peação, mas em alguns casos ( cada vez mais até pelas regras dos marítimos STCW e demais) são equipas nos terminais que as fazem e também daí podem advir erros. O gigantismo dos navios traz outros problemas não só ao nível da peação mas da distribuição e carregamento dos contentores nas diversas bays. Antes do VGM era certamente bem pior, e muito mais haveria a dizer num artigo sobre o tema. Obrigado pelo seu comentário.
Pedro Galveia