Os contratos são a expressão máxima da liberdade individual.
Esta enunciação de princípio é, todavia, contrariada pela experiência comum já que, por vezes, as partes não têm o mesmo poder ou condições para dizer que sim ou não às condições do negócio, acabando a negociação por se mostrar viciada.
Reconhecendo esta disparidade de forças, o legislador, sempre que admite existir desequilíbrio negocial, intervém e impõe regras ou normas de conduta, por forma a defender os interesses e direitos da parte mais fraca. É assim, só por exemplo, no âmbito laboral ou do consumo.
Ora, vem isto a propósito da alteração legislativa operada no regime jurídico do contrato de transporte rodoviário nacional de mercadorias (pelo Decreto-Lei n.º 57/2021 de 13 de julho).
Na verdade, sabia-se do problema que dividia todas as partes intervenientes quanto ao processo de carga e descarga ser efetuado pelo motorista.
Ciente desta problemática e previamente à alteração legislativa, o governo decidiu criar um grupo de trabalho com o objetivo de avaliar o funcionamento das referidas operações de carga e descarga. Ao contrário de tantos outros exemplos de inconseguimento frustracional, este grupo conseguiu atingir o seu desiderato: propôs um modelo de autorregulamentação (com a celebração de um acordo-quadro, consensualizando regras, inclusive ao nível do contrato coletivo de trabalho vertical em vigor) e constituiu uma comissão de acompanhamento para avaliação do modelo de autorregulamentação acordado a funcionar durante um determinado período probatório.
Acontece que, findo este período, o que se veio a verificar é que o modelo de autorregulamentação era insuficiente. Mostrou-se, por isso, necessária a intervenção legislativa para mitigar as ineficiências do mercado na gestão de todos os interesses em crise.
…só o tempo dirá se as partes têm a mesma força negocial, como se, do nada, passassem a ter. Só o tempo dirá se os contratos se mostram equilibrados, justos e razoáveis no que à responsabilidade pelas operações de carga e descarga diz respeito. Só o tempo dirá se as partes envolvidas aceitam respeitar reciprocamente a liberdade de auto-organização que o legislador lhes confiou.
Este é, assim, o contexto da supramencionada alteração legislativa operada pelo Decreto-Lei n.º 57/2021 de 13 de julho.
A presente intervenção legislativa teve em consideração que o contrato de transporte rodoviário de mercadorias é um contrato de direito privado, pelo que em respeito ao princípio constitucional da liberdade de iniciativa económica privada, as normas relativas à responsabilidade pelas operações de carga e descarga foram estabelecidas a nível supletivo, deixando margem para que as partes, por via dos contratos que vão celebrando, possam convencionar em sentido contrário.
Ora, só o tempo dirá se as partes têm a mesma força negocial, como se, do nada, passassem a ter. Só o tempo dirá se os contratos se mostram equilibrados, justos e razoáveis no que à responsabilidade pelas operações de carga e descarga diz respeito. Só o tempo dirá se as partes envolvidas aceitam respeitar reciprocamente a liberdade de auto-organização que o legislador lhes confiou.
Na certeza de que, da próxima vez, a intervenção legislativa se mostrará mais musculada, mais impositiva e com menor margem para as partes negociarem.
JOÃO MARTINS COSTA
Advogado, Sócio da JPAB