A propósito da notícia da compra da Air Europa pelo grupo IAG, dono da sua rival Iberia, ele há cinco questões fundamentais que merecerão reflexão:
1) O preço pago à Globalia, dona da Air Europa: 500 milhões de euros. Corresponde a metade do preço acordado entre as duas empresas por este mesmo negócio em 2019. Esta desvalorização de 50% numa altura em que o setor atinge novamente picos de rentabilidade superiores aos do período pré-pandemia, traduz a incerteza normativa, ambiental e socioeconómica da indústria num futuro muito próximo. Os governos francês, holandês, austríaco e alemão já começaram a restringir alguma atividade aérea e é provável que a UE o faça de uma forma coletiva a determinado momento. Isso desvaloriza o negócio aéreo, em particular de empresas como a Air Europa que, apesar de terem uma rede de longo curso, dependem sobretudo do volume gerado nos voos domésticos e europeus.
Que “remédios” vão propor [as autoridades da Concorrência] e como vão afetar o valor e a concretização do negócio? Estas respostas serão um excelente indicador para a privatização da TAP.
2) Os “remédios” impostos pelas diferentes autoridades da concorrência que vão ser chamadas a avaliar esta compra. De uma forma genérica, a Air Europa detém 4.7% do mercado aéreo de passageiros nos aeroportos espanhóis (fonte: AENA), atrás da Iberia, da Vueling e da Ryanair. Ou seja, com este negócio o grupo IAG será o dono das três principais companhias que dominam o mercado aéreo espanhol. No caso do mercado doméstico puro a Air Europa tem uma parcela de 10% do mercado, nas ligações à Europa esse valor desce para 2.5%, e nos voos intercontinentais, muito focados na América Central e do Sul, fixa-se nos 4.4%. Se há grupo que sabe lidar com este tipo de compra, é o IAG – a compra da BMI pela British Airways, a da Aer Lingus e a própria aquisição da Iberia foi passada a pente fino pelo watchdog britânico, um dos mais exigentes nesta matéria. As cedências de posições em Madrid, onde o grupo ficará com uma quota de mercado acima dos 70%, serão inevitáveis: faixas horárias, terminais, rotas, manutenção obrigatória de acordos interline convenientes com outras companhias concorrentes. É preciso notar que algumas rotas domésticas e de longo curso ficarão sem concorrência, pese embora a Air Europa se tenha especializado também em destinos únicos para onde a Iberia não opera (Salvador da Baía, Santa Cruz na Bolívia, Asunción no Paraguay, Córdoba na Argentina, S. Pedro Sula nas Honduras, entre outros). Quanto tempo as autoridades dos vários países vão levar para completar esta análise? Que “remédios” vão propor e como vão afetar o valor e a concretização do negócio? Estas respostas serão um excelente indicador para a privatização da TAP.
3) Marca – a Air Europa é uma marca flexivel que pertence a uma geografia latina que serve em Português, Espanhol e Italiano. É Air Europa e não Air Europe. Outras companhias do grupo IAG existem que se tentaram estabelecer noutros países com pouco sucesso por não terem essa marca flexível: a British Airways tentou os voos Paris-N. Iorque e desistiu; a Level experimentou bases transatlânticas em Paris e Roma e bases para voos europeus de Viena e Amesterdão e não resultou; a Aer Lingus tenta fazê-lo agora de forma modesta à partida de Manchester… até ver. A marca Air Europa é tão camaleónica como a Ryanair ou easyJet com uma vantagem: já se encontra estabelecida na América Latina como a companhia que leva as pessoas para a Europa – via Madrid por enquanto, mas porque não em voo direto? A missão inicial da Level, a companhia mais pequena do grupo IAG, era um pouco essa, mas a marca não pegou e ficou reduzida a sete aviões de longo curso que voam apenas de Barcelona para sete destinos nas Américas. O mais indicado seria a Air Europa ocupar este espaço da Level e focar-se no longo curso de Barcelona e de outras cidades Europeias com mercado para as Américas, mas mal servidas… porque não do Porto, onde Iberia e Air Europa conhecem muito bem o número de passageiros que transportam todos os dias para vários destinos via Madrid?
…com esta perda da Air Europa, a Air France-KLM pode olhar para a TAP, atualmente membro da Star Alliance, de uma outra forma e aumentar com isso o apetite e o valor da companhia.
4) Frota – a Air Europa tem uma frota exclusivamente Boeing e a Iberia é exclusivamente Airbus. Nos voos europeus, a Air Europa tem uma frota de duas dezenas de Boeing 737-800, inexistente nas outras cinco companhias do grupo (todas utilizam o Airbus no médio curso). No longo curso, os Boeing 787 da Air Europa apenas encontram eco nos mesmos aviões a operar para a British Airways. Muitos dos aviões da Air Europa são recentes, pelo que não é financeiramente interessante terminar os contratos de leasing apenas com a intenção de harmonizar as frotas. Isto significa também que, dada essa diferença tão grande na composição das frotas, não existem sinergias que obriguem a Air Europa a ficar em Madrid. Esta frota é tão única que pode ser transferida para qualquer lado e operar fora do hub de Madrid, que ficaria território da Iberia e das suas concorrentes, mas livre do escrutínio das autoridades da concorrência.
5) Aliança – no geral, as alianças perderam a sua importância até porque o tráfego de transferência nos “hubs” no qual se baseiam sofreu com a expansão cada vez maior de voos diretos. No entanto, com este negócio, a aliança SkyTeam, liderada pela Air France-KLM e onde a Air Europa se integra, perderá um membro a breve trecho. As alianças crescem sobretudo pela adesão voluntária de novos membros e não tanto por aquisições, mas com esta perda da Air Europa, a Air France-KLM pode olhar para a TAP, atualmente membro da Star Alliance, de uma outra forma e aumentar com isso o apetite e o valor da companhia. Caso esta compra da Air Europa pela Iberia seja aprovada pela Concorrência, isto não tem necessariamente de significar que o grupo IAG, cujo acionista maioritário é a Qatar Airways, perca o interesse pela TAP. Com a Air Europa, a IAG resolve o problema da concorrência em Madrid e aí consolidará essa marca com mais destinos e mais voos. Com a TAP, a IAG poderá acrescentar um outro “hub”, uma nova marca e novos mercados à sua rede, cuja complementaridade do eixo Lisboa (TAP )- Madrid (Iberia )- Barcelona (Vueling) estará ao nível de Bruxelas (Brussels Airlines) – Frankurt/Munique( Lufthansa) -Zurique (Swiss) – Viena (Austrian) para o Grupo Lufthansa, ou do eixo Paris Air France) – Amesterdão (KLM) para o grupo Air France-KLM. Por outro lado, o facto da marca Air Europa passar a integrar um grupo financeiro com grandes meios e experiência aeronáutica como a IAG e de estar bem estabelecida em Portugal, Itália e América Latina, permitirá que o grupo IAG considere utilizar a Air Europa para expandir à partida dos seus outros mercados naturais com outras bases que não apenas Madrid… com ou sem a TAP.
PEDRO CASTRO
Diretor da SkyExpert
Docente de Sistemas de Transportes no ISCE.