Angola está em grande velocidade a concessionar os terminais portuários em vários portos. Alguns já foram concessionados, em especial em Luanda. Agora avançam os restantes portos. As Administrações Portuárias, habituadas a operar diretamente os portos, estão perante estas mudanças muito significativas e estão a adaptar-se rapidamente para poderem assumir o novo papel de reguladores, concedentes e facilitadores de negócios em vez de operadores, gestores de terminais e prestadores de serviços.
E agora, qual o próximo passo?
Os estudos científicos indicam que os resultados da concessão de 79 serviços portuários, em 21 países em desenvolvimento, durante 10 anos, foram de +124% de lucro, +25% de eficiência, +126% de investimento, +25% de atividade (Privatization and Developing Countries, Boubakari & Cosset, 1998).
As necessidades de novas fontes de investimento em equipamentos e outras infraestruturas portuárias, de redução de custos e de melhoria da competitividade num contexto cada vez mais global, de aumento da produtividade e maior entrosamento com as cadeias logísticas e com os clientes, maior conhecimento tecnológico, de redução geral da participação dos estados nas economias, de criação de concorrência intraportuária em todos os serviços, são muitas vezes as razões apontadas em muitos países para se iniciarem reformas legislativas, institucionais e económicas ao nível dos portos e do seu modelo de gestão:
- maior participação dos privados;
- concessões, privatizações, passagem para o direito privado;
- criação de concorrência;
- atração de empresas estrangeiras;
- maiores investimentos;
- liberalização dos mercados portuários;
- Maior eficiência e eficácia;
- Adequação do pessoal da estiva;
- Gestão privada.
Existem diversos modelos tipificados de soluções para a realização das concessões portuárias. No entanto, cada país tem adotado soluções diferentes, quer no tempo, quer de porto para porto, configurando casos reais cada um com as suas especificidades, em contextos especiais e com resultados distintos.
Por exemplo:
- Nova Zelândia – O Estado criou empresas operadoras portuárias que alienaram uma minoria do capital e estão cotadas na bolsa local;
- Marrocos – O Estado criou uma empresa nacional para gerir e formar empresas gestoras em cada porto, reduzindo pessoal e custos e expondo as empresas ao mercado;
- Índia – Face à falta de investimentos, adotou-se o modelo BOT para a maioria dos casos;
- Argentina – Concessionou as infraestruturas já existentes a diferentes concessionários.
- No Puerto Sur de Buenos Aires concessionam-se as áreas para desenvolvimento e construção/exploração.
- Malásia – Empresa gestora estatal do porto de Klang alienou uma parte maioritária do seu capital a um consórcio de empresas nacionais e estrangeiras. Nos portos pequenos participaram apenas empresas nacionais.
- Chile – Concessionou a privados terminais já construídos;
- Colômbia – Concessionou a privados terminais já construídos;
- Sri Lanka – Adotou o modelo BOT, retirando a autoridade portuária da operação portuária.
…os resultados da concessão de 79 serviços portuários, em 21 países em desenvolvimento, durante 10 anos, foram de +124% de lucro, +25% de eficiência, +126% de investimento, +25% de atividade…
Após as concessões, as Autoridades Portuárias podem adotar diversas posturas:
- conservadora – concentra-se em gerir e implementar ações passivamente e mecanicamente;
- facilitadora – assume-se como mediadora e parceira entre interesses económicos e sociais, procurando envolver-se em parcerias estratégicas;
- comercial – combina características do facilitador com a atitude de um investidor e empreendedor ativo, prestador de serviços e consultor.
90% dos portos são landLord, com 70% dos contentores mundiais, com concessões de 20 a 50 anos ou mais. Os privados financiam 30% dos investimentos, em média. Entre 2000 a 2016, os privados investiram 70 biliões US$ em 292 projetos portuários em todo o mundo, dos quais 58% greenfield e 38% brownfield.
Mas também se verificaram alguns problemas:
Reino Unido: venda direta, funções regulatórias, cotação em bolsa de valores, desregulamentação do mercado de trabalho portuário, venda a preços promocionais e não há regulador de portos. Modelo de reforma único com a privatização dos portos com a venda de terrenos portuários, por vezes com obrigação de tipo de uso. Mas os críticos dizem que foram vendidos a preços baixos, houve menos investimento que noutros países e modelos, as instituições financeiras começaram a adquirir participações nos portos, sem supervisão, e alteraram as funções dos portos, não resultou num melhor desempenho financeiro e alguns portos venderam os terrenos para outros usos mais rentáveis, não portuários.
Austrália: A reforma portuária permite o arrendamento de longo prazo de infraestrutura portuária. A principal motivação é o investimento em infraestruturas e redução das dívidas do Estado. Embora a privatização dos portos australianos tenha efeitos positivos sobre o orçamento dos governos no curto prazo, tem riscos de desvalorização dos ativos portuários, aumento das tarifas portuárias, impedimento da concorrência portuária, menos investimento portuário e menos preocupação com o interesse público a longo prazo.
Grécia: Tratou-se da uma venda da administração e da operação do porto. As áreas portuárias são propriedade do Estado, mas estas foram concessionadas a Autoridades e foi lançado um concurso internacional para a venda do capital dessas Autoridades. Verificaram-se problemas ambientais (poeira e tráfego de camiões), despreocupação com os riscos e segurança, concorrência desleal com economia local no terminal de cruzeiros (Shopping), não atenção a segmentos portuários de interesse público, pouco rentáveis, incumprimento da legislação laboral e conflitos com os estivadores, greves e penalização de armadores nacionais e de cargas de interesse nacional, mas pouco rentáveis.
O que acompanhar, como regular, como controlar?
É essencial acompanhar a visa da concessão e garantir adequados níveis de investimento, qualidade de serviços e preços aos clientes.
Nas reuniões periódicas com a empresas concessionárias de serviço público, deve considerar-se:
- O movimento de mercadorias por tipos e clientes e das tarifas;
- Os indicadores de qualidade e performance operacional e comercial da concessão;
- Os custos, os investimentos e os indicadores económico-financeiros da concessão.
Enumeram-se seguidamente algumas boas práticas para acompanhamento das concessões referidos pelo Tribunal de Contas Português nos seus relatórios sobre o setor portuário:
- As Autoridades Portuárias devem ter departamentos específicos para o acompanhamento das concessões de serviço público;
- Os técnicos superiores devem ter um bom domínio das principais valências (técnica/ administrativa/ financeira);
- Os contratos de concessão devem ter, no seu conteúdo, a definição de uma matriz de risco;
- Utilização da documentação veiculada pelas próprias concessionárias (por exemplo o relatório e contas e plano de atividades) para a elaboração de outputs;
- Elementos centrais: o Relatório de Acompanhamento das Concessões (RAC) e o Plano de Atividades Plurianual (PAP), ambos enviados pelas respetivas concessionárias;
- O RAC deve apresentar um conjunto de informação que permita comparar os vários indicadores (nível de atividade, investimento, tarifário máximo, análise económica e financeira e indicadores de qualidade de serviço) para que se consiga espelhar a variação da execução real, face ao caso base;
- Deve existir uma checklist de Acompanhamento das Concessões, que permita controlar os timings de envio, contratualmente definidos, de cauções, licenças, garantias bancárias, seguros, inventários, RAC, PAP, proposta de tarifário máximo para o ano civil seguinte, relatório e contas da empresa concessionária;
- Deve proceder-se ao controlo do volume de investimentos a executar pelas respetivas concessionárias, avaliado através da informação disponibilizada pelas próprias concessionárias nos Relatórios de Acompanhamento das Concessões enviados, semestralmente, ao concedente;
- Devem ser realizadas apreciações sobre os resultados obtidos: o grau de execução do plano de investimentos, do controlo de inventários ou dos riscos da concessão;
- Devem realizar-se exames ao sistema da qualidade, ao desempenho operacional e ao desempenho financeiro;
- Os relatórios de acompanhamento elaborados pelos gestores de contrato estão suportados nos relatórios e contas das concessionárias de serviço público, acrescentando a comparação com o que se encontra definido no respetivo caso base;
- São realizadas reuniões semestrais com as concessionárias e ações diárias de fiscalização nos estabelecimentos das concessões de serviço público;
- Devem existir auditorias no que respeita à gestão de resíduos e à implementação do Plano de Segurança e Proteção Ambiental;
- A avaliação dos serviços prestados deve considerar a monitorização de indicadores de atividade e de qualidade de serviço, inquéritos, reuniões com clientes, elaborados com base em informação prestada pelas concessionárias, e na análise de eventuais reclamações dos utentes dos portos;
- Devem ser realizados inquéritos para aferir o grau de satisfação dos utilizadores dos terminais portuários;
- A informação é prestada em modelos previamente definidos pelo concedente, cuja estrutura é equivalente à do modelo financeiro da concessão, por forma a permitir ao concedente efetuar análises comparativas entre os valores contratados e os realizados;
- O gestor do contrato do terminal procede à comparação entre os valores do tráfego real e os valores projetados no modelo financeiro;
- O controlo sobre os fluxos financeiros dos acionistas que concorrem para o apuramento da TIR é efetuado de forma sistemática;
- Devem existir controlos sobre eventuais ganhos de rendimentos excessivos das concessionárias.
VÍTOR CALDEIRINHA
Caro Vitor Caldeirinha, mais um texto/artigo bem necessário nos tempos que correm. Apela a que haja reflexão e se adotem práticas, que levem a uma atuação mais presente e pertinente das AP’s, de forma a que não se tornem apenas recebedoras de rendas.