Em Portugal, a confusão entre concessões portuárias e Parcerias Público-Privadas (PPP) tem vindo a ganhar expressão nos relatórios da Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos (UTAP), apesar de estes modelos contratuais seguirem enquadramentos jurídicos completamente distintos.
Enquanto o Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de maio, define PPP como “contrato ou conjunto de contratos por via dos quais entidades privadas se obrigam, de forma duradoura, a assegurar funções de interesse público, partilhando riscos relevantes com o parceiro público e recebendo contrapartidas pagas pelo setor público”, o regime das concessões portuárias aprovado pelo Decreto-Lei n.º 324/94, de 30 de dezembro, estabelece um contrato de uso privativo do domínio público para a movimentação de cargas em cais e terminais, em que o concessionário financia integralmente as infraestruturas e assume a totalidade dos riscos económicos.
Como ilustra a tabela abaixo, as diferenças são claras e de grande impacto:
Aspeto | PPP (DL 111/2012) | Concessão portuária (DL 324/94) |
Risco e financiamento | Risco partilhado; Estado paga contrapartidas (disponibilidade, desempenho) | Risco suportado integralmente pelo privado; financiamento e investimento 100 % privados; privativo das receitas. |
Fluxo financeiro | Pagamentos do Estado ao privado | Pagamentos do privado (rendas, tarifas) ao concedente público |
Objeto | Conceção, construção e operação de infraestruturas novas (autoestradas, hospitais, escolas) | Exploração de infraestruturas portuárias já existentes ou em expansão |
Serviço prestado | Serviço público direto ao cidadão | Serviços logísticos a empresas; mercado concorrencial; sem contrato direto com o utilizador final |
Incluir concessões portuárias no âmbito das PPP obriga a UTAP, criada pelo mesmo Decreto-Lei n.º 111/2012 para monitorizar os encargos do setor público em parcerias superiores a 10 milhões de euros, a intervir em processos jurídicos que não são, verdadeiramente, do seu âmbito. Essa intervenção, como se viu no passado, introduz (e bem!) exigências como análise de custo-benefício e (mal!) avaliações de matriz de risco — diligências próprias de PPP que podem alongar prazos, agravando a burocracia e, dessa forma, podem afastar a agilidade necessária ao mercado portuário.
No mercado globalizado de hoje, onde investidores internacionais valorizam regimes contratuais estáveis e previsíveis, a incerteza criada por uma definição indevida de PPP mina a liberdade contratual das empresas que participam em concursos portuários.
Hoje, as Administrações Portuárias portuguesas funcionam sob forma de sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos, com estatutos próprios. Tal configuração concede-lhes autonomia administrativa, financeira e patrimonial, permitindo-lhes lançar concursos em regime aberto, definir tarifas e regulamentos, gerir receitas próprias e ajustar investimentos segundo a dinâmica do mercado.
Quando se sujeita indevidamente uma concessão portuária ao regime de PPP, impõe-se a essas sociedades comerciais obrigações de contrapartidas estatais e partilha de riscos com o erário público — cenários alheios à lógica portuária que criam perceções erradas sobre passivos do Estado e enfraquecem a confiança dos operadores privados.
Importa reconhecer que a UTAP se tem destacado pelo rigor técnico e profundo know-how nas vertentes jurídica, económica e financeira, resultante do seu papel de apoio à tomada de decisão. Foi esta Unidade que introduziu nos contratos de concessão portuária cláusulas inovadoras — como níveis mínimos de atividade e padrões de qualidade de serviço — que acabaram por se tornar referência no setor. A intervenção da UTAP foi igualmente crucial na renegociação de contratos complexos, como sucedeu no terminal de Alcântara (Liscont), onde a sua presença ajudou a equilibrar interesses públicos e privados, garantindo condições mais vantajosas para o Estado. Contudo, apesar deste histórico de exigência e competência, é imperioso que a UTAP continue a atuar estritamente no âmbito do Decreto-Lei n.º 111/2012 — que regula apenas as PPP com contrapartidas estatais e partilha de riscos relevantes —, sem estender indevidamente o seu escrutínio a concessões portuárias cujo regime jurídico específico não contempla pagamentos públicos.
No mercado globalizado de hoje, onde investidores internacionais valorizam regimes contratuais estáveis e previsíveis, a incerteza criada por uma definição indevida de PPP mina a liberdade contratual das empresas que participam em concursos portuários. Além de atrasos, os operadores acabam por incorporar prémios de risco nos seus cálculos, elevando custos e tarifas para os utilizadores finais. Em vez de se discutir a modernização dos portos, focamo-nos numa disputa semântica que afasta decisões de investimento e fragiliza a atratividade dos nossos terminais.
A distinção terminológica não é, pois, um mero pormenor jurídico: é uma questão de boa governação e eficácia económica. Portugal precisa de portos competitivos, com administrações portuárias autónomas e um Estado que assuma o seu papel regulador.
Defender que as concessões portuárias não são PPP não é desmerecer ninguém; é proteger a liberdade contratual das sociedades comerciais portuárias enquanto se assegura flexibilidade estratégica na gestão dos terminais, fortalece a confiança dos investidores, preserva a agilidade administrativa das administrações portuárias e fomenta um quadro regulatório neutro — pilares essenciais para atrair capital, impulsionar a modernização tecnológica e garantir a sustentabilidade ambiental e económica do nosso setor marítimo.
IRIS DELGADO
Mestre em Gestão Portuária, pela Escola Náutica Infante D. Henrique
Certo, concessões portuárias não são PPPs! São, em sem regra, contratos de serviço público do uso do domínio público marítimo, podendo também ser de uso privativo nas condições previstas no regime jurídico da operação portuária. Podem ser também usadas para a construção de novos terminais criados de raiz, pe o Terminal XXI é um exemplo!
E se as concessões portuárias fossem um “lease industrial”, como é prática nos portos do Norte da Europa!? Teríamos um regime contratual mais liberal equivalente a um contrato de uso de direito de superfície em que a liberdade contratual é maior, em que a regulação já não é feita na esfera do direito administrativo público, mas sim do direito privado. Ou seja, teríamos uma indústria portuária com regras equivalentes a qualquer outra indústria do universo económico. Seria bom ou seria mau para os portos portugueses? Fica a questão.