A utilização de contentores para o transporte de carga está hoje banalizada pelas vantagens que oferece, no transporte intermodal, permitindo a circulação das cargas por sucessivos modos de transporte, sem o manuseamento destas aquando da alteração de modo.
Existem diferentes preocupações que devem estar subjacentes à consolidação das cargas em contentores, que vão muito para além da otimização da cubicagem disponível ou da não ultrapassagem do peso máximo admissível.
Na questão da cubicagem, poder-se-ia pensar que esta é uma limitação física inultrapassável e pouco haverá a fazer quando o volume é o fator limitativo. Na realidade, é importante atender à orientação a que certas cargas estão obrigadas, sob pena de surgirem derrames cujas consequências podem ir muito acima da simples perda do produto, podendo causar danos noutras cargas e, em algumas situações, até potenciarem reações perigosas. E, por isso, nem sempre poderemos utilizar todo o volume disponível apesar de não estarmos limitados pelo peso.
Para reduzir o risco potencial, em determinados casos, as mercadorias classificadas como perigosas para o transporte podem estar obrigadas a ter, em lados opostos dos volumes, setas de orientação que permitam identificar claramente a forma adequada para a sua movimentação e preensão. Sempre que essas setas surjam nas embalagens, os diferentes intervenientes deverão saber que essa indicação tem caráter obrigatório, independentemente de se tratarem de produtos perigosos ou não.
No que respeita à qualidade/resistência das embalagens, as mercadorias perigosas estão normalmente mais distantes de provocarem avarias na carga, pois a regulamentação obriga a que sejam aprovadas/certificadas por organismos independentes que garantam resistir aos ensaios previstos no livro laranja das Nações Unidas; em linha com o modo de transporte utilizado.
Na realidade, se todas as demais preocupações atrás referidas fossem observadas, e se juntássemos algumas boas práticas no afastamento de certas cargas, estou em crer que o esquema complexo de segregação presente no Código IMDG poderia ser questionado quanto à sua pertinência na redução do risco.
Importa que as pessoas envolvidas na consolidação de cargas em contentores estejam conscientes que há reações perigosas que se podem dar com produtos não perigosos…
A complexidade nunca foi amiga da segurança (safety) e era importante que o sistema de segregação previsto no Código IMDG fosse colocado em causa, numa altura complexa em que os acidentes em navios continuam a acontecer, pois creio ser este sistema um dos fatores principais para a não declaração de cargas perigosas ou para a sua má declaração.
Os acidentes só poderão ser reduzidos com um controlo total dos contentores[i] ou por uma aposta séria na formação de todos os intervenientes (requisito que já se encontra inscrito na regulamentação), mas teria que ser supervisionada/controlada pelas autoridades nacionais, eventualmente com o suporte da própria IMO.
Não acredito na operacionalização de um controlo total dos contentores pois os custos associados excederiam qualquer benefício, uma vez que para ser eficaz teria que ser aplicado a cargas perigosas e não perigosas. Se assim não for, aumentará a tendência já existente de cargas não declaradas.
Uma aposta na formação parece ser o caminho mais fácil e que requer menor investimento, face ao benefício esperado.
No transporte aéreo (mesmo que sejam questionáveis os interesses económicos da IATA) o sistema de certificação da formação para cargas perigosas, abrangendo todos os potências responsáveis pela expedição e aceitação de cargas (perigosas e não perigosas) fez a diferença pela positiva e até permite que algumas autoridades nacionais se demitam das suas responsabilidades no controlo da formação prevista regulamentarmente.
Importa que as pessoas envolvidas na consolidação de cargas em contentores estejam conscientes que há reações perigosas que se podem dar com produtos não perigosos e isso é particularmente importante nas mercadorias que após serem colocadas em contentores podem circular ou navegar longas distâncias em condições adversas, longe da vista de quem as transporta.
Para além do atrás referido, é também critico para a segurança da cadeia logística a distribuição da carga de forma a aproximar o centro de gravidade do centro geométrico do contentor, tão próximo da base quanto possível, para aumentar a estabilidade da unidade de transporte.
Importante é também garantir que não existe risco de deslocamento da carga no interior do contentor, eliminando espaços vazios e/ou garantido a fixação ou travamento das cargas através de material de estiva, ou seja, o centro de massa do contentor deve manter-se constante durante todo o trajeto. Ainda que tal seja impossível sempre que se transportam líquidos em grandes volumes unitários, pelo efeito de onda.
Estas devem ser preocupações transversais a todas as cargas, e a sua observância deve ser intransigentemente garantida. Caso contrário, as consequências podem ser catastróficas e, mesmo quando não estejam na origem de acidentes, podem levar a perdas económicas consideráveis, sem esquecer o perigo de contaminação ou depreciação de cargas, perigo para a saúde dos trabalhadores e dos consumidores.
Diz o ditado popular “olhos que não veem, coração que não sente” e os contentores encerram em si muitas estórias, muitos segredos…
Seguramente.
[i] Só em 2017, segundo dados da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), estima-se que 752,2 milhões de unidades equivalentes a 20 pés (TEUs) foram movimentadas em terminais de contentores em todo o mundo.
JOÃO CEZÍLIA
Tutorial
Bom dia
Meu caro Cezília.
Sempre interveniente de forma segura e inteligente.
Grande Abraço