PORTUGAL CAMPEÃO DAS ENERGIAS RENOVÁVEIS
Esta é a opinião da EDP escrita em artigo publicado em janeiro 2020 no website da empresa: em 2019, o consumo de energias renováveis em Portugal terá ultrapassado o das não renováveis. A energia hidroelétrica é a segunda responsável pelos bons números do nosso país, contribuindo com 19% do consumo de energia primária em 2020.[ii]
Mas será que a energia hídrica é uma verdadeira energia renovável? A água é um recurso capaz de se regenerar num curto espaço de tempo e de forma sustentável?
Em 1 de fevereiro de 2022, o Ministro do Ambiente e da Ação Climática, Matos Fernandes comunicou que “foram dadas ordens” para que, nas barragens do Alto Lindoso, Touvedo, Vilar-Tabuaço e Gerês (Cabril/Castelo de Bode), “não seja utilizada água para produção de eletricidade”. O Ministro não reconheceu que, entre janeiro e março de 2021, a produção de energia hidroelétrica tinha batido recordes em relação aos dois anos anteriores. Em outubro, ele tinha dito que “as energias renováveis são o melhor seguro contra a escalada de preços, e por isso em 2022 o preço da eletricidade irá baixar”. Foi como dizer: utilizem a água ao máximo para produzir eletricidade porque ela é renovável e de baixo custo. Uma avaliação política totalmente errada.
NAVIOS COM PROPULSÃO A HIDROGÉNIO VERDE JÁ!?
Segundo o manifesto “Tertúlia Energia” (julho 2020), subscrito por Abel Mateus e Mira Amaral, entre outros:
“As alterações climáticas representam um grande desafio para a humanidade, mas é essencial ter o sentido das proporções. O país com maior participação nas emissões de CO2 em 2017 foi a China contribuindo com 29,3% do total global, seguindo-se os EUA com 13,8%. A Alemanha contribuía com 2,15%, e Portugal com uns meros 0,15%. Se dividirmos a proporção da emissão pela proporção da população mundial, verificamos que este rácio é de 3,2 para os EUA, 1,97 para a Alemanha e apenas de 1,13 para Portugal. Portanto, não só temos uma proporção muito reduzida na sua contribuição para as emissões globais, como a nossa taxa já é muito inferior ao destes grandes países.”
Apesar dos bons conselhos, em agosto de 2020 o Governo aprovou o Plano Nacional do Hidrogénio e fixou metas a cumprir até 2030; entre elas consta que em 2025, no consumo de energia no transporte marítimo doméstico 1% a 2% será hidrogénio verde (3% a 5% em 2030 e 20% a 25% em 2050).[iii]
Assumindo um crescimento anual contínuo do transporte marítimo de 3% e melhorias anuais de eficiência energética de 1%, as emissões de GEE devem ser reduzidas no mínimo em 75 – 85% por tonelada-milha até 2050, para alcançar uma redução absoluta de 50% para contribuir para as ambições do Acordo de Paris (2015).
No próximo programa de governo ficaremos decerto a saber como em 2025 estarão disponíveis os navios que permitirão na cabotagem insular atingir tal meta. Quanto a custos de investimento em infraestrutura para produção e abastecimento tudo estará no OE 2022? Ou os armadores tratarão do assunto e depois repercutirão nas taxas de frete?
WORLD OF SHIPPING PORTUGAL 2022
A Descarbonização do Shipping foi um dos temas mais interessantes da conferência on-line que teve lugar em 27 e 28 janeiro; uma organização de Ana Cristina Paixão Casaca[iv].
Um dos oradores, Elizabeth Lindstad, Cientista-chefe da SINTEF Ocean (Noruega), publicou recentemente o artigo “Reduction of maritime GHG emissions and the potential role of E-Fuels”[v] que merece uma leitura atenta. Passo a reproduzir um curto extrato que permite avaliar que o caminho a percorrer é muito mais complicado do que se depreende da propaganda do Governo Português.
“A principal fonte de emissões de gases de efeito estufa (GEE) dos navios são os gases de exaustão dos motores de combustão, que se estimam em cerca de mil milhões de toneladas de equivalentes de dióxido de carbono (CO2eq) anualmente. Tais estimativas cobrem apenas o que acontece no navio, ou seja, as emissões Tank-to-Wake (TTW). Ao incluir o Emissões Well-to-Tank (WTT) da produção de combustíveis, as emissões totais Well-to-Wake (WTW) somam 1,25 – 1,5 mil milhões de toneladas de CO2eq, o equivalente a cerca de 3% dos 50 mil milhões de toneladas de GEE antropogénicos emitidos anualmente.
Assumindo um crescimento anual contínuo do transporte marítimo de 3% e melhorias anuais de eficiência energética de 1%, as emissões de GEE devem ser reduzidas no mínimo em 75 – 85% por tonelada-milha até 2050, para alcançar uma redução absoluta de 50% para contribuir para as ambições do Acordo de Paris (2015). As reduções de GEE desejadas podem ser alcançadas através de: a) Novos projetos e melhorias técnicas de navios, b) Melhorias operacionais, c) Combustíveis com zero ou menos GEE, ou uma combinação dos três.
Combustíveis de carbono zero produzidos a partir de fontes renováveis (hidroelétricas, eólicas ou solares) são por muitos, por exemplo a UE, encarados como uma opção promissora para atingir as reduções de GEE desejadas. Aplicados ao transporte marítimo, estes e-combustíveis estarão disponíveis em três formas:
- Como E-Hidrogénio ou E-Amónia, que requerem novos navios e infraestruturas de abastecimento, ou conversão dos existentes;
- Como E-combustíveis de hidrocarbonetos na forma de E-Diesel ou E-GNL[vi], que são totalmente misturáveis com os seus equivalentes fósseis, como o MGO e o GNL e podem ser utilizados nos navios em operações nos dias de hoje sem quaisquer modificações ou qualquer nova infraestrutura.
- Para além do E-Diesel e E-GNL, também o E-Metanol ganhou interesse como um futuro combustível para o setor marítimo. Apesar de existirem navios a transportar Metanol, são poucos os navios que utilizam esse combustível na atualidade. Ainda assim, esta é vista como uma opção futura promissora, técnica e economicamente viável, seja como E-Metanol ou como matéria-prima de Biomassa como Bio-Metanol. O metanol é um combustível líquido que pode ser armazenado de maneira semelhante ao diesel e para o qual a infraestrutura de abastecimento existente pode ser convertida com baixo custo de investimento. Em teoria, o motor diesel e o sistema de combustível de um navio podem ser modificados para funcionar com metanol, enquanto na prática, para a maioria dos navios, a menos que o motor e os sistemas de combustível tenham sido construídos para serem preparados para uma conversão para Metanol, construir novos navios pode ser mais económico.”
LÍTIO “JAMAIS”
Tal como o Cobre e o Cobalto, o Lítio tem hoje uma enorme procura para a produção de baterias para carros, embarcações ou aviões com propulsão elétrica, computadores, telemóveis, etc.. Quer resida na cidade ou no campo, nenhum Português admite viver sem algum desses equipamentos que, na generalidade, são fabricados na Ásia/China a partir daquelas matérias-primas, importadas da Austrália, do Chile, da República Democrática do Congo (RDC) ou da Zâmbia.
O Governo promete que o Lítio que vier a ser explorado em minas em Portugal será processado em Portugal, nunca será vendido/exportado em bruto. Leia-se, depois de processado (refinado) será, se tiver preços competitivos no mercado, exportado para a China ou EUA de onde continuarão a vir os carros elétricos, computadores e telemóveis (ou os seus componentes) de que não podemos prescindir.
Ao efetuar estudos de transportes e logística em Angola tomei contacto com a evolução recente da exploração mineira na República Democrática do Congo e na Zâmbia. Esses dois países estão sob forte pressão da China que, através dos seus bancos e empresas mineiras:
- Financiam os investimentos de empresas internacionais, chinesas ou mistas, nas minas industriais, as que têm capacidade para construir barragens nos rios e produzir energia elétrica localmente para, com menores custos, fundir e processar os minérios,
- Financiam as pequenas e médias empresas nacionais/locais que exploram minas de forma artesanal (em regime de quase escravatura dos trabalhadores) e que vendem o produto às anteriores ou o exportam de forma ilegal,
- Compram o produto final às duas anteriores, ao ritmo e aos preços que eles próprios formam nas bolsas internacionais,
- Financiam os Governos na construção de infraestruturas, estradas e caminhos de ferro cuja utilização é predominantemente para o transporte de minérios para os portos da costa africana (Oeste e Leste). Se os Governos têm dificuldade em reembolsar os empréstimos, ameaçam tomar posse dos ativos.
É nesse quadro que o principal terminal de carga do Porto do Lobito (Angola) está em vias de ser concessionado a uma empresa chinesa, e que o Corredor do Lobito (Caminho de Ferro de Benguela) está a ser disputado entre um consórcio de empresas chinesas e um consórcio de que fazem parte a Trafigura (trader Suiça) e uma empresa Portuguesa onde a China tem uma palavra a dizer: a Mota Engil. A China, pouco a pouco, prepara-se para controlar toda a infraestrutura e serviços num corredor Este-oeste (Tanzânia/Moçambique, RDC, Angola/Zâmbia).
Em Portugal, continuaremos, no quadro da União Europeia, a ser recordistas da defesa do ambiente, da transparência nos negócios e da defesa dos direitos humanos. Outros tratarão de cometer atrocidades por nossa conta…
[i] Este é o título de um livro de contos de Agustina Bessa Luís, escritos entre 1951 e 1953, cuja temática é um mundo doente e em decomposição. Do mesmo destaco uma frase: “a crítica nunca é um retrato – é, mesmo quando galhofeira, um fruto gorado do pessimismo espiritual”.
[ii] DGEG – estatísticas Dez 2021.
[iii] Hidrogénio produzido por eletrólise da água (processo químico que utiliza corrente elétrica para separar o hidrogénio do oxigénio que existe na água) utilizando, por exemplo, eletricidade produzida em parques eólicos ou solares. Tecnologia que ainda não está disponível á escala industrial.
[iv] Ver em www.worldofshipping.org.
[v] Disponível para leitura livre em https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1361920921003722.
[vi] GNL – gás natural líquido.
Economista de transportes marítimos