A cooperação e a coordenação entre portos têm vindo a ganhar destaque como formas diversas de aumentar a competitividade, otimizar operações e fomentar o crescimento económico.
Exemplos como a HAROPA em França, os portos de Bremen na Alemanha, e as colaborações na Holanda demonstram a importância da cooperação portuária, garantindo a concorrência entre operadores privados de terminais portuários.
Estas estratégias podem assumir diferentes formatos, como fusões completas, alianças estratégicas ou simples coordenação funcional.
A. Tipos de Cooperação Portuária
Segundo a classificação da PortEconomicsManagement, existem vários tipos de cooperação portuária.
1. Fusões Totais (Total Mergers)
As fusões totais envolvem a unificação de dois ou mais portos sob uma única autoridade administrativa. Temos o caso, em Portugal, de Viana do Castelo e Leixões e de Sines e Algarve.
Este modelo é frequentemente impulsionado pelos governos ou pelas próprias administrações portuárias, sendo ideal para regiões onde os terminais dos portos competem entre si, mas os portos possuem potencial complementar.
Exemplos bem-sucedidos incluem a fusão entre os portos de Antuérpia e Zeebrugge, na Bélgica, que ocorreu em 2021. Esta união formou um dos maiores complexos portuários da Europa, permitindo um aumento significativo da eficiência logística, redução de custos administrativos e maior capacidade para competir com outros grandes hubs como Roterdão.
Outro exemplo relevante é a integração do porto de Dordrecht sob a autoridade do Porto de Roterdão. Este processo expandiu a área de influência de Roterdão, permitindo a otimização da gestão de cargas específicas, como os granéis, garantindo um uso mais eficiente das infraestruturas locais.
2. Alianças Estratégicas (Alliances)
As alianças estratégicas permitem que os portos colaborem em áreas específicas, mantendo a sua autonomia administrativa.
Este modelo é útil para regiões onde a fusão total não é viável ou necessária, mas onde a coordenação pode trazer benefícios mútuos.
A aliança HAROPA, que começou como uma colaboração funcional através de um agrupamento complementar de empresas para serviços partilhados de marketing e cooperação estratégica entre Le Havre, Rouen e Paris, é um exemplo claro. Antes de se tornar uma fusão completa em 2021, a HAROPA funcionava como uma plataforma de cooperação, partilhando estratégias de marketing, planos de investimento e soluções de transporte multimodal.
Essa abordagem gradual demonstrou ser eficaz ao construir confiança entre os portos e comunidades portuárias, provando o valor da união antes de formalizar a integração.
3. Coordenação Funcional
A coordenação funcional envolve a divisão de responsabilidades entre portos próximos, onde cada porto se especializa em diferentes tipos de carga ou serviços.
Este modelo é bem exemplificado pelos portos de Bremen e Bremerhaven, na Alemanha. Bremen foca-se na carga geral e granéis, enquanto Bremerhaven é um centro líder no transbordo de contentores e automóveis. Essa divisão permite que cada porto se concentre em áreas específicas, otimizando a utilização de infraestruturas e atraindo clientes de nichos distintos.
Exemplos como a HAROPA em França, os portos de Bremen na Alemanha, e as colaborações na Holanda demonstram a importância da cooperação portuária, garantindo a concorrência entre operadores privados de terminais portuários.
Além disso, essa colaboração reduz a duplicação de investimentos em equipamentos e tecnologias, melhorando a eficiência geral da região.
4. Fusões Top-Down e Bottom-Up
4.1 Top-Down
Este tipo de fusão é imposto por governos nacionais, regionais ou provinciais, como forma de racionalizar operações e reduzir a sobreposição administrativa.
Um exemplo notável é o modelo italiano, onde o governo impulsionou a integração de várias autoridades portuárias numa tentativa de criar sistemas mais eficazes e competitivos.
4.2 Bottom-Up
Fusões bottom-up são conduzidas pelas próprias administrações portuárias, em resposta a pressões de mercado, mudanças nas cadeias logísticas globais ou desafios específicos.
A criação do North Sea Port, no delta do Reno-Escalda (Bélgica e Países Baixos), é um exemplo. Este processo bottom-up foi impulsionado pela necessidade de atrair maiores volumes de carga e melhorar a conectividade com os mercados europeus.
B. Exemplos de Cooperação
1. HAROPA – França
A HAROPA exemplifica uma evolução de cooperação para uma fusão total. Originalmente uma aliança estratégica, a HAROPA consolidou a gestão dos portos de Le Havre, Rouen e Paris, criando um sistema unificado ao longo do Sena.
A fusão trouxe benefícios como maior eficiência operacional, investimentos coordenados em infraestruturas e uma abordagem conjunta ao marketing internacional. Além disso, permitiu enfrentar desafios ambientais de forma mais integrada, reduzindo emissões através do uso de transporte fluvial para complementar a logística marítima e rodoviária.
Este modelo provou ser adequado para aumentar a competitividade dos portos franceses em relação a hubs como Antuérpia e Roterdão.
2. North Sea Port – Bélgica e Países Baixos
A criação do North Sea Port envolveu a integração da Ghent Port Authority (Bélgica) e da Zeeland Seaports (Países Baixos), formando uma das poucas fusões transfronteiriças no setor portuário.
Este modelo enfrentou desafios administrativos significativos devido às diferenças legais e regulatórias entre os dois países. No entanto, os benefícios foram evidentes com um aumento substancial na capacidade de movimentação de carga, melhoria na conectividade logística e uma posição mais forte nos mercados europeu e global. Além disso, a fusão permitiu uma melhor gestão dos impactos ambientais e sociais das atividades portuárias.
3. Portos de Bremen e Bremerhaven – Alemanha
A cooperação entre Bremen e Bremerhaven é um exemplo de coordenação funcional de sucesso. Enquanto Bremerhaven é especializado no transbordo de automóveis, sendo um dos maiores centros do mundo nessa área, Bremen foca-se em cargas convencionais e projetos industriais.
A complementaridade entre os dois portos permite evitar a concorrência interna, otimizando o uso de recursos e fortalecendo a região como um todo. Este modelo também facilita investimentos específicos, como novos terminais ou sistemas digitais, que beneficiam ambos os portos sem redundâncias.
4. Roterdão e Dordrecht – Países Baixos
A integração de Dordrecht na administração de Roterdão exemplifica como uma autoridade maior pode absorver portos menores para melhorar a eficiência geral.
A proximidade geográfica permitiu uma gestão mais centralizada de rotas logísticas, reduzindo tempos de espera e custos operacionais. Além disso, essa integração ampliou a área de influência de Roterdão, consolidando a sua posição como o maior hub logístico da Europa.
C. Vantagens da Cooperação Portuária
1. Economias de Escala
O investimento conjunto em infraestruturas, como terminais ou tecnologias digitais, reduz significativamente os custos operacionais.
Os Portos cooperantes conseguem atrair maiores volumes de carga e oferecer tarifas mais competitivas, beneficiando os seus clientes.
2. Redução da Concorrência Interna
A especialização funcional entre portos próximos evita rivalidades que poderiam enfraquecer a região. Este modelo permite que os portos se concentrem nas suas forças e criem uma oferta complementar.
3. Eficiência Administrativa
A consolidação de estruturas de gestão simplifica processos burocráticos, reduz sobreposições de competências e acelera a tomada de decisões, especialmente em fusões top-down.
4. Sustentabilidade Ambiental
Esforços coordenados possibilitam a implementação de práticas mais ecológicas, como o uso de transporte multimodal, a redução de emissões e a promoção de energias renováveis.
D. Desvantagens e Desafios
1. Complexidade de Integração
Diferenças culturais, legais e operacionais entre portos podem dificultar a implementação de fusões ou alianças.
No caso do North Sea Port, a harmonização das regulamentações entre Bélgica e Países Baixos foi um processo longo e complexo.
2. Perda de Identidade Local
Portos menores, quando integrados com autoridades maiores, podem perder a influência nas decisões, prejudicando interesses locais.
3. Concorrência Externa
Parcerias mal estruturadas e concretizadas podem enfraquecer a competitividade dos portos cooperantes e da região em relação a hubs globais, especialmente se a divisão de responsabilidades não for clara e o plano estratégico não for verdadeiramente conjunto.
E. Resultados
A cooperação portuária é uma ferramenta para maximizar a eficiência, reduzir custos e promover o crescimento económico.
No entanto, a sua implementação exige um planeamento detalhado e uma execução cuidadosa, com base nas características específicas de cada região. O modelo bottom-up tem tido mais sucesso, e a imposição de cima mal desenhada nem sempre traz os resultados desejados. Como no caso de Itália.
Modelos como HAROPA, North Sea Port e Bremen-Bremerhaven demonstram como diferentes abordagens podem ser adaptadas às necessidades locais, promovendo uma logística mais integrada e competitiva na Europa e além.
F. Maior sucesso Bottom-Up
A implementação da cooperação portuária exige um planeamento detalhado e uma execução cuidadosa devido à complexidade envolvida na integração de diferentes portos.
Cada porto opera num contexto único, com características específicas relacionadas à sua localização geográfica, volume de carga, especialização funcional, infraestruturas existentes, e até mesmo às regulações locais e nacionais.
Assim, estratégias genéricas ou abordagens padronizadas tendem a ser ineficazes e podem gerar mais desafios do que benefícios.
1. O Modelo Bottom-Up: Um Sucesso Comprovado
O modelo bottom-up, que parte da iniciativa das próprias autoridades portuárias, tem demonstrado maior eficácia na maioria dos casos.
Este modelo permite que os portos envolvidos definam os seus objetivos, identifiquem sinergias e coordenem estratégias com base nas suas necessidades específicas e nos desafios que enfrentam.
Um exemplo notável é o North Sea Port, que resultou da fusão voluntária entre o Porto de Ghent, na Bélgica, e Zeeland Seaports, nos Países Baixos. Esta integração foi motivada por interesses mútuos: ambos os portos precisavam de melhorar a eficiência logística, atrair maiores volumes de carga e fortalecer a sua competitividade global.
Como resultado, o North Sea Port tornou-se um dos maiores hubs multimodais da Europa, com um impacto económico significativo na região.
Além disso, o modelo bottom-up tem a vantagem de promover um maior alinhamento entre os stakeholders envolvidos, incluindo administrações portuárias, empresas privadas, governos locais e comunidades. A colaboração voluntária cria um ambiente de confiança e compromisso, onde as decisões são tomadas com base no consenso e na compreensão mútua das necessidades regionais.
Este processo reduz o risco de resistências internas, tornando a implementação mais fluida e sustentável.
2. Desafios do Modelo Top-Down: O Caso de Itália
Em contrapartida, o modelo top-down, que é imposto por governos nacionais ou regionais, nem sempre alcança os resultados esperados.
Em Itália, por exemplo, a reforma portuária de 2016 foi uma tentativa de racionalizar o sistema portuário, reduzindo o número de autoridades portuárias de 24 para 15, com o objetivo de criar entidades mais eficientes e competitivas.
No entanto, esta imposição enfrentou vários problemas:
a) Falta de Alinhamento Local
A reforma foi implementada sem um diálogo profundo com as administrações portuárias e os stakeholders locais. Muitas autoridades sentiram que perderam autonomia, o que gerou resistências significativas e dificultou a integração das operações.
b) Heterogeneidade dos Portos Italianos
Os portos italianos possuem características muito distintas, desde grandes hubs de contentores, como Gioia Tauro, até pequenos portos especializados em cargas específicas ou passageiros.
A aplicação de um modelo uniforme não considerou adequadamente essas diferenças, resultando em uma gestão menos eficiente em algumas regiões.
c) Burocracia Acrescida
Em vez de simplificar as operações, a reforma introduziu novos níveis de burocracia, atrasando a tomada de decisões e prejudicando a competitividade de alguns portos.
d) Resultados Limitados
Apesar dos esforços, os benefícios esperados, como o aumento da eficiência e a redução de custos administrativos, foram limitados. A fragmentação regional e a concorrência interna entre os portos italianos permanecem desafios significativos.
Por que o Bottom-Up Funciona Melhor?
O sucesso do modelo bottom-up está na sua flexibilidade e capacidade de adaptação às condições locais.
Este modelo permite que os portos envolvidos mantenham uma visão clara das suas prioridades e controlem o ritmo da integração. Além disso, a cooperação voluntária incentiva a inovação e a criatividade, uma vez que cada porto traz a sua experiência e perspetiva para a mesa.
A abordagem bottom-up também tende a ser mais bem recebida pelos stakeholders, pois respeita as identidades locais e as estruturas de governança existentes.
Por outro lado, o modelo top-down, quando mal concebido ou executado, pode resultar em resistência, burocracia e ineficiência.
Embora existam casos de sucesso em abordagens top-down (como na China, onde o governo tem uma influência central forte e clara), a imposição unilateral nem sempre considera as nuances locais, o que pode levar a resultados abaixo do esperado, como observado no caso italiano.
Conclusão
Para que a cooperação portuária seja bem-sucedida, é crucial considerar o contexto específico de cada região e adotar uma abordagem que promova a participação ativa de todos os stakeholders.
O modelo bottom-up tem demonstrado ser mais eficaz na maioria dos casos, pois equilibra as necessidades locais com os objetivos globais.
No entanto, mesmo em casos de imposição top-down, é essencial garantir diálogo, flexibilidade e adaptação às características locais para maximizar os benefícios e minimizar os riscos.
O caso italiano serve como uma lição importante: reformas mal desenhadas e desconectadas da realidade local podem comprometer o potencial da cooperação entre portos.
VÍTOR CALDEIRINHA
Professor Universitário de Gestão Portuária