O processo de transição energética em curso vai necessitar, até 2040, de 40 vezes mais lítio, 25 vezes mais grafite, 20 vezes mais níquel e 20 vezes mais cobalto do que o produzido atualmente, tendo como referência o consumo destas matérias-primas em 2020.
Estes materiais são essenciais não só para o processo de transição energética, mas também para a indústria das baterias de telemóveis e dos veículos elétricos
O aumento da procura destes materiais, associado à concentração geográfica dos mesmos, irá dificultar ainda mais o seu acesso, que é já neste momento desafiante.
A título de exemplo, recordo que a República Democrática do Congo possui cerca de 80% das reservas mundiais de cobalto. A China, por seu turno, controla entre 70% a 80% do mercado mundial processado do cobalto e cerca de 50% do mercado mundial de baterias.
O projeto de desenvolvimento do Corredor do Lobito tem como promotores o African Development Bank (AFDB), a Africa Finance Corporation (AFC), os Estados Unidos da América e a União Europeia, com um valor total de investimento estimado em USD 3 mil milhões, e irá abranger territórios de Angola, República Democrática do Congo e Zâmbia.
O principal objetivo deste projeto consiste em tornar mais acessíveis estas matérias-primas – a um custo muito menor e mais rapidamente – e reduzir a dependência dos países europeus e dos Estados Unidos da América da logística chinesa, os quais, neste momento, só a elas têm acesso depois de transformadas pela China.
Quadro comparativo das distâncias entre a cidade mineira
de Kolwezi e os principais portos de exportação africanos utilizados
Origem |
Destino | Distância (km) | Nº Fronteira | Duração (dias) |
Kolwezi | Porto de Durban | 2 972 | 4 | 30 |
Kolwezi | Porto Walvis Bay | 2 553 | 2 | 20 |
Kolwezi | Porto da Beira | 1 898 | 3 | 18 |
Kolwezi | Porto Dar Salem | 2 144 | 2 | 25 |
Kolwezi | Porto do Lobito | 1 587 | 1 |
8 |
O Corredor do Lobito foi escolhido como o primeiro corredor económico estratégico lançado sob a égide da Parceria para as Infraestruturas e Investimento global do G7.
No centro deste projeto está o consórcio Lobito Atlantic Railway (LAR), constituído pela suíça Trafigura, pela portuguesa Mota Engil – uma empresa já com vasta experiência e muito sucesso em África – e pela belga Vecturis. Este consórcio venceu a concorrência, designadamente a chinesa, e viu ser-lhe entregue pelo governo de Angola o desenvolvimento e a gestão da linha férrea do Lobito, por um período de 30 anos. O corredor ligará o porto do Lobito à cidade de Kolwezi, na República Democrática do Congo, conhecida pela extração de cobalto e de cobre.
A parte ferroviária do projeto tem um valor estimado superior a mil milhões de USD, a serem despendidos no melhoramento da atual infraestrutura ferroviária e na aquisição de cerca de 1 555 vagões, 35 locomotivas e outro equipamento.
Mas o projeto global de desenvolvimento deste corredor vai muito para além da linha férrea e prevê investimentos a serem executados em múltiplos setores nos países mencionados, tais como: infraestruturas e logística, cadeias de valor agrícola, energia, educação e formação técnica e profissional.
O projeto apresenta, pelo menos, um grande desafio: que contrapartidas diferenciadoras podem estes países vir a receber com estes investimentos, para além dos benefícios que vêm já recebendo, nomeadamente da China, desde há vários anos?
Uma das soluções poderá passar por dotar estes países de capacidade tecnológica e financeira que permita processar estes produtos localmente. Esta tem sido uma aspiração de muitos países da África Austral, um objetivo político de há muitos anos, dado que possibilitará a entrada de receitas adicionais nas suas economias e a transferência de conhecimento técnico.
Nestes países não existem atualmente unidades de transformação destes produtos, mas o seu custo de implantação é cerca de 33% mais barato quando comparado com os custos de implantação das mesmas estruturas nos Estados Unidos ou na China. A utilização de energia hidroelétrica poderá igualmente originar uma redução da emissão de gases de cerca de 30%.
Este projeto seria uma excelente oportunidade para as empresas portuguesas conjuntamente levarem a cabo um projeto de desenvolvimento multissetorial.
Acresce ao acima descrito que a solução de processamento local iria permitir aos mercados europeus e norte-americanos evitar todo o processo logístico de transporte de matéria-prima até à China para transformação e posterior fornecimento transcontinental.
O estabelecimento de parcerias público-privadas entre os governos/empresas públicas desses países e empresas privadas, com financiamento assegurado pelos promotores do projeto, não sendo uma solução inovadora, poderia bem ser apresentada a esses governos como uma boa opção de desenvolvimento do projeto, com excelentes referências e garantias de parte a parte: financiamento, abertura de novas e inovadoras unidades industriais nesses países, projetos de longa duração em diversos setores, introdução de conhecimento técnico e profissional local, formação de médio e longo prazo de recursos humanos locais, desenvolvimento científico, abertura de novos mercados desses países para a Europa e para o continente americano e desenvolvimento de atividades económicas para exportação e distribuição.
A perceção dos governos africanos sobre os processos de extração e exportação de matérias-primas a partir dos seus países é, em alguns casos, no sentido de que estes representam uma forma de colonização moderna, a qual poderia ser ultrapassada por uma conceção de ownership partilhada como a referida.
Este projeto integra duas vertentes muito interessantes:
- Projetos estruturais (vias de comunicação e construção de unidades produtivas), normalmente de médio prazo;
- Projetos de implementação, desenvolvimento, processamento e gestão de longo prazo.
Para as empresas portuguesas que pretendam apostar em projetos de longa duração no exterior esta pode ser uma oportunidade única. Têm recursos humanos especializados, com capacidade e experiência comprovadas para trabalhar em ambientes mais exigentes; gestores com experiência internacional; tecnologia e experiência técnica para estruturar soluções de desenvolvimento de projetos em muitas destas áreas. Além disso, dada a nossa relação histórica com o continente africano, as empresas nacionais têm a vantagem de uma comunicação mais fluída com os povos locais.
Exemplo disso, é a Mota Engil, uma das empresas nacionais de referência que participa neste projeto e que, neste momento, opera em 14 países africanos. Uma empresa com muita experiência acumulada nas mais variadas áreas de atuação.
Este projeto seria uma excelente oportunidade para as empresas portuguesas conjuntamente levarem a cabo um projeto de desenvolvimento multissetorial. A associação de empresas nacionais, incluindo aquelas que já estão no mercado africano e que têm peso e reputação internacionais, facilitaria a obtenção do financiamento e congregaria as necessárias valências para a execução dos vários elementos do projeto.
Do ponto de vista estratégico, faz todo o sentido as empresas agregarem experiência e dividirem o risco para poderem participar neste tipo de projetos.
Tal constituiria, certamente, para muitas empresas uma boa via de internacionalização de longo prazo, algo raro nos dias que correm.
PEDRO MONJARDINO
Strategio Consulting