Em 30 anos, a MSC Portugal passou de ser mais um agente de navegação a líder incontestado na movimentação de cargas nos portos e referência incontornável nas cadeias de abastecimento em terra.
Foi em 1991 que a MSC Portugal se estabeleceu como agente de navegação, representando o armador italo-helvético fundado 21 anos antes. Em entrevista (por escrito) ao TRANSPORTES & NEGÓCIOS, Marco Vale, administrador da empresa, faz um balanço do caminho percorrido, aponta os objectivos futuros e, pelo caminho, aborda alguns dos temas que fazem a actualidade dos transportes e da logística em Portugal.
30 anos volvidos, o que é que é e o que representa a MSC em Portugal?
Marco Vale – A MSC Portugal conta com cerca de 200 colaboradores, distribuídos por 4 escritórios em Matosinhos, Entroncamento, Lisboa e Sines. Em termos operacionais estamos presentes nos portos marítimos de Leixões e Sines e nos portos secos de Leixões, Valongo, Aveiro, Riachos, Bobadela e Setúbal.
Com acesso a uma rede global integrada de recursos de transporte rodoviário, ferroviário e marítimo, a MSC tem escalas em 500 portos, em 215 rotas de comércio, movimentando cerca de 21,5 milhões de TEU, através de uma frota moderna e equipada com as mais recentes tecnologias sustentáveis.
Ao longo dos anos, temos vindo a consolidar a nossa posição no mercado nacional de carga contentorizada e em 2006 passámos a ser líderes nacionais em termos de carga movimentada.
As nossas actividades na MSC foram também diversificadas ao longo do tempo e, por isso, hoje representamos uma rede global integrada de recursos de transporte rodoviário, ferroviário e marítimo, que responde às necessidades dos clientes, agilizando o comércio internacional entre as principais economias do mundo e entre mercados emergentes em todos os continentes.
Quais os momentos mais marcantes nestes 30 anos de história?
Marco Vale – O ano de 2004 foi, sem dúvida, um ano de viragem na nossa história ao iniciarmos as operações no porto de Sines como alternativa ao porto de Lisboa, enquanto mantínhamos as escalas no porto de Leixões.
Ao movermos a actividade de Lisboa para Sines, foi necessária a utilização, em grande escala, de um serviço ferroviário para o transporte de contentores de e para Sines. A MSC Portugal criou, então, uma rede nacional de serviços de transporte ferroviário para ligar as principais áreas de importação e exportação ao porto de Sines (Terminal XXI).
Com as possibilidades que o porto de Sines nos oferecia em termos de operação de navios de grandes dimensões, foi um passo até nos tornarmos, em 2006, a empresa líder nacional em carga movimentada, consolidando assim a nossa posição neste sector no país.
Em 2009, a MSC Portugal construiu o seu próprio terminal ferroviário no Entroncamento.
Com o crescimento dos volumes transportados e com a consolidação do nosso modelo de portos secos ligados por ferrovia aos portos marítimos surge, em 2016, um outro momento marcante na nossa história com a aquisição da antiga CP Carga, hoje designada por MEDWAY.
MSC e Sines são indissociáveis. Como é “puxar” serviços para Sines, perante a concorrência de outros portos / terminais onde a MSC tem também uma forte presença e investimento (desde logo, Valência, por exemplo)?
Marco Vale – Actualmente, a MSC tem cerca de 18 escalas semanais em Sines, na sua maioria com serviços directos para todos os continentes. Por ser um porto de águas profundas, Sines apresenta-se fulcral para o sucesso das importações e exportações portuguesas, pois garante tempos de trânsito mais curtos e fretes mais competitivos.
O Porto de Sines é também muito importante para as cargas de transbordo que esses mesmos serviços directos acabam por descarregar e carregar. Sines, tal como Valência, são alguns dos hubs de referência da MSC na zona do Mediterrâneo, e cada um deles tem as suas características competitivas. Estes grandes portos funcionam em rede, procurando sempre tirar partido das vantagens competitivas de cada um em cada momento. É uma concorrência saudável e que, no fim do dia, permite à MSC ser um armador mais competitivo.
O concurso para o segundo terminal de contentores de Sines falhou. A “culpa” é da conjuntura? Sines tem potencial para crescer no ranking dos grandes portos de contentores?
Marco Vale – De facto, a situação pandémica que ainda vivemos acaba por condicionar a concretização deste tipo de grandes investimentos, sendo natural a ausência de propostas para o segundo terminal de contentores de Sines.
…o porto de Leixões faz maravilhas com o espaço que tem (…). O nosso sistema portuário só tem a ganhar com um porto de Leixões com mais capacidade
A pandemia mostrou que não podemos basear o crescimento económico apenas no turismo, é necessário exportar bens e um porto de nível europeu/mundial é uma infra-estrutura essencial para o crescimento do nosso País.
Atenta a conjuntura e a evolução previsível do mercado de transportes (que não apenas o marítimo) e do comércio mundial, faz sentido falar em Portugal como porta atlântica da Europa?
Marco Vale – A nossa localização na ponta ocidental da Europa, rodeada pelo Oceano Atlântico, sempre reforçou a importância geopolítica e económica do país, posicionando-o como um dos pontos de ligação mais relevantes para as relações internacionais.
Naturalmente, o potencial económico de Portugal através do mar só é possível devido ao elevado desempenho dos muitos portos portugueses distribuídos de norte a sul e é através destes portos que somos capazes de comercializar bens em todo o mundo e responder às necessidades dos nossos clientes.
Por tudo isto, acreditamos que sim, Portugal tem potencial para ser visto como a porta atlântica da Europa.
E Leixões? O terminal de 14 metros tarda em sair do papel… Como vê o futuro do porto nortenho?
Marco Vale – Costumo dizer que o porto de Leixões faz maravilhas com o espaço que tem, conseguindo produtividades muito interessantes. A dimensão média dos navios cresceu muito nos últimos anos e as limitações de espaço de um porto são cruciais para o seu crescimento.
O nosso sistema portuário só tem a ganhar com um porto de Leixões com mais capacidade e apto a receber navios de maiores dimensões.
E Lisboa? Está condenado a definhar? O que é que os grandes armadores privilegiam na escolha dos portos de escala, e que falta ao porto da capital?
Marco Vale – A estabilidade é um factor fundamental para qualquer cadeia logística. Um porto necessita de estabilidade para que os operadores logísticos ganhem confiança e possam aumentar os seus volumes, dando início a um ciclo virtuoso em que maiores volumes trazem depois maior capacidade de investimento nos portos, levando ao seu crescimento.
O short sea europeu estará “condenado” a crescer (mais ainda se avançar a relocalização dos centros de produção mais próximos dos mercados de consumo). Que portos nacionais poderão beneficiar mais dessa tendência?
Marco Vale – Através da cobertura do short sea, temos vindo a promover a cooperação entre modos de transporte e, consequentemente, a possibilitar cadeias multimodais, contribuindo para o desenvolvimento sustentável de Portugal, e da União Europeia no seu conjunto.
Isto será bastante benéfico para todos os portos nacionais. Tendo em conta que o short sea usa navios de menores dimensões do que os serviços transoceânicos, esta janela de oportunidade acaba por se abrir para a maioria dos portos nacionais.
A ligação com a Medway é uma vantagem competitiva óbvia para a MSC. Até onde podem ir juntos, nomeadamente na captação / encaminhamento de cargas para o interior da Península?
Marco Vale – Desde que a MSC iniciou as suas escalas em Sines que o transporte ferroviário tem sido uma prioridade e, nesse sentido, a MEDWAY é um activo essencial para aproximar o Porto de Sines do restante território continental. O transporte ferroviário é muito importante para a estratégia de utilização de portos secos em Portugal, na medida em que a complementa.
Tendo em conta que o short sea usa navios de menores dimensões do que os serviços transoceânicos, esta janela de oportunidade acaba por se abrir para a maioria dos portos nacionais.
É importante também referir que a aquisição da CP Carga, hoje denominada por MEDWAY, pelo grupo MSC permitiu desenvolver ainda mais esta estratégia, potenciando a nossa oferta de serviços de transporte terrestre entre os portos secos e o porto de Sines.
A captação de cargas no interior da Península Ibérica está directamente ligada à competitividade da ligação ferroviária a Espanha. Para Sines poder ser uma porta de acesso aos grandes centros espanhóis é necessário que a combinação porto de Sines + transporte até Espanha seja mais competitiva do que a solução apresentada pelos portos espanhóis.
Fala-se hoje muito em portos secos. A MSC há muito fez essa opção. Que vantagens retiraram? É uma aposta ganha? Para reforçar com novas localizações?
Marco Vale – Sem dúvida, os portos secos são fundamentais na operação da MSC em Portugal. Constituem uma rede capilar, que leva o navio para além da costa marítima, aproximando-o das instalações dos nossos clientes.
Actualmente, esta rede de portos secos da MSC consegue captar cargas da Extremadura espanhola, em particular das zonas de Mérida e Sevilha e que usam o porto de Sines como porta de entrada e saída para as suas mercadorias.
Um número crescente de armadores está a caminhar para terra (e até para o ar!), numa lógica de integração de serviços e de oferta “one stop shop”. Estão também a fazer esse caminho? Têm sentido as críticas dos transitários?
Marco Vale – Como parte de uma empresa de transporte marítimo internacional, temos décadas de experiência na movimentação de carga mas também no desenvolvimento de parcerias com todos os stakeholders do sector. A evolução do negócio e a constante procura de novas soluções para os nossos clientes não invalidam de forma alguma as parcerias existentes, pelo contrário, fortalecem-nas na medida em que os nossos maiores clientes são Transitários.
É com muita satisfação que vemos ao longo destes 30 anos de actividade o crescimento dos transitários com quem trabalhamos acompanhar o nosso próprio crescimento.
Portugal está a apostar na JUL. A MSC disponibiliza o e-BL. A digitalização parece imparável. Os operadores nacionais estão a fazer o que precisa de ser feito?
Marco Vale – A eliminação de documentos físicos das transações de transporte marítimo torna os processos mais fáceis, rápidos, eficazes e seguros, representando, por isso, um benefício para todos os intervenientes – quer operadores, quer clientes.
A MSC já tem vindo a destacar a importância da digitalização em todo o sector do transporte marítimo e tem sido uma das pioneiras na transformação digital do sector. Como membro fundador da Digital Container Shipping Association (DCSA), a MSC participou numa série de iniciativas focadas na condução da padronização, digitalização e operacionalização do transporte de marítimo de mercadorias.
A nossa solução e-BL está a ser introduzida na nossa base de clientes, para assegurar que cada vez mais empresas possam beneficiar desta solução digital. Da nossa parte, estamos a fazer tudo para que esta se torne uma nova norma no sector.
Falando de investimentos: como avalia as opções do Ferrovia 2020, do PNI 2030 e do PRR no que toca ao desenvolvimento dos portos e do transporte marítimo?
Marco Vale – Para que os portos nacionais sejam competitivos são fulcrais os investimentos para a expansão da sua capacidade. Porém, os nossos portos precisam de mais do que o mar. Precisam de infra-estruturas em terra que completem o circuito das cadeias de abastecimento com acessibilidades rodoviárias, ferroviárias e fluviais bem estruturadas e que nos permitam ganhar eficiências e competitividade, não só internamente, mas também nas ligações a Espanha.
As infra-estruturas de ligação a Espanha desempenham um papel fundamental para que consigamos ter acesso ao mercado logístico além-fronteira, expandindo o mercado nacional e captando carga para os portos nacionais.
Em matéria de investimento público nesta área, a velocidade de implementação é crucial para que os planos de investimento tenham o retorno esperado. Regra geral, não são as opções tomadas que falham, mas sim o seu timing de implementação. Um bom plano executado tardiamente pode facilmente transformar-se num mau plano. Portanto, mais do que discutir as opções julgo que o nosso foco deveria ser a sua efectiva conclusão o mais rapidamente possível.
Quase a terminar: como é que explica a evolução recente do mercado do shipping de contentores, com carregadores e transitários a queixarem-se de falta de equipamentos e da alta dos preços e os armadores a somarem lucros recorde? Esta situação é para manter-se? até quando?
Marco Vale – Os fluxos logísticos de contentores sofreram graves disrupções durante o ano de 2020, consequência dos confinamentos e grandes oscilações na procura que ocorreram em diferentes áreas do mundo, em diferentes períodos.
As infra-estruturas de ligação a Espanha desempenham um papel fundamental para que consigamos ter acesso ao mercado logístico além-fronteira, expandindo o mercado nacional e captando carga para os portos nacionais.
Os grandes portos mundiais ainda estão congestionados, o que faz atrasar as operações dos navios. Por outro lado, a própria produção de contentores foi também gravemente afectada, com 85% da produção mundial concentrada na China.
Com esta tempestade perfeita, aliando o congestionamento portuário à escassez de contentores no mercado, seriam inevitáveis as dificuldades que ainda se sentem a nível global.
Finalmente: onde é que vê a MSC Portugal daqui a 10-20-30 anos?
Marco Vale – A MSC, como um dos maiores fornecedores de serviços de navegação e logística, terá um papel crucial nos próximos anos, que serão sobretudo de recuperação económica.
Queremos manter a nossa actividade e o mundo em movimento e, aqui, a tecnologia será essencial, um dos nossos focos. Muitos dos nossos clientes já utilizam a nossa plataforma de reservas online myMSC e iremos dar prioridade a esta solução de e-business.
No fundo, queremos continuar a crescer e a conseguir responder a todas as necessidades dos nossos clientes que, certamente, não serão as mesmas de hoje. Queremos evoluir e acompanhar todas as mudanças do sector, para que possamos continuar a representar uma solução de referência.