Em 2022, o transporte rodoviário na União Europeia foi responsável pela emissão de 760 milhões de toneladas de CO2 representando cerca de 24% das emissões totais de CO₂ da UE.
Sendo os veículos de passageiros os maiores contribuintes, representando mais de 60% das emissões de transporte rodoviário, o transporte rodoviário de mercadorias foi responsável por cerca de 8,5% do total de emissões de CO2 da UE. Como ponto de comparação o transporte rodoviário pesado de passageiros foi responsável por cerca de 1% do total de emissões de CO2 da UE.
Os objectivos estabelecidos pela UE para a redução de emissões de CO2 para os veículos pesados são extremamente ambiciosos. Tendo como ponto de partida o ano de 2019, no ano de 2025 a redução de emissões de CO2 deverá ser na ordem de 15%, subindo em 2030 para 45%, em 2035 para 65% e em 2040 para 90%.
A ambição destas metas torna imperiosa e urgente a descarbonização deste sector. Mas subsistem enormes barreiras a essa descarbonização.
Têm sido muito badaladas como alternativas aos combustíveis fósseis e aos motores de combustão os motores movidos a hidrogénio ou eléctricos. No entanto, o hidrogénio continua a ser ainda uma miragem, pela inexistência de oferta fiável de veículos pesados movidos a hidrogénio e pela inexistência de uma rede transeuropeia de abastecimento do mesmo. No que respeita a veículos pesados movidos a electricidade, a indústria europeia (onde se encontram a maioria dos produtores de veículos pesados) encontra-se neste momento claramente atrás da indústria automóvel americana e até chinesa, no que respeita à autonomia oferecida pelos seus veículos .
Nos veículos eléctricos temos uma equação de custos de aquisição elevados, autonomia de motores baixa, a que acresce a inexistência de redes de carregamento generalizadas de alto débito que permitam uma transição generalizada para viaturas pesadas eléctricas.
A reforçar também que os elevados custos deste tipo de viaturas, associados à inexistência de incentivos do Estado (pelo menos em Portugal, uma vez que os mesmos existem de forma bem mais generosa noutros países, como é o caso da França ou Alemanha), tornam economicamente inviável, de momento, uma transição generalizada do sector, uma vez que os agentes económicos não conseguiriam suportar um incremento brutal dos seus custos logísticos e de transporte.
O sector dos transportes tem vindo a fazer o seu caminho. Passa muitas vezes ignorada a melhoria da eficiência dos motores de combustão com as sucessivas normas Euro que foram introduzidas ao longo das últimas décadas (a título de exemplo, a evolução de eficiência entre a norma Euro III e a Norma Euro VI é de quase 20%) e uma redução estrondosa das emissões de partículas e de óxido de azoto. E o sector tem feito um esforço assinalável na renovação das frotas ao seu serviço, com a utilização de viaturas com as normas Euro mais recentes e eficientes.
Sabendo que os motores de combustão irão ficar aí por mais anos que o previsto, é bastante promissora a emergência de novos combustíveis como o HVO ou os e-fuels, com um forte potencial de redução de emissões CO2 (cerca de 80%), ainda que com um custo ainda bem superior ao diesel. Os mesmos deverão ser competitivos face ao diesel e tal só acontecerá com acções que incentivem a procura , o que poderia ser obtido através de uma medida de elementar justiça como a redução da taxa de carbono aplicável a estes combustíveis.
O futuro do transporte de mercadorias no território europeu será radicalmente diferente.
Com um forte investimento na ferrovia, o transporte ferroviário poderá juntar-se ao transporte marítimo na competitividade no transporte intra comunitário desde que existam as condições da manutenção dos exigentes lead times de entrega.
Nos mercados domésticos, onde o transporte ferroviário não conseguirá responder de forma eficiente aos prazos exigentes de entrega necessários na logística e transporte, manter-se-á o transporte rodoviário. Neste tipo de transporte, até que os motores eléctricos e a hidrogénio possam a ser uma solução fiável e competitiva, teremos seguramente motores a combustão movidos a bio combustíveis e fuels, com a existência de uma fiscalidade que ajuda e induz à transição do sector.
O grande desafio ao nível das políticas públicas é, assim, incentivar a descarbonização dos transportes rodoviários, mas ajudando a que este processo ocorra em condições económicas saudáveis, minimizando sobrecustos…
Terão de ser garantidas redes de carregamento nacionais e europeias para viaturas pesadas movidas a electricidade e hidrógenio, mas que permitam, pela sua capacidade, carregamentos/abastecimento rápidos que permitam o cumprimento dos prazos de entrega muito exigentes com que diariamente somos confrontados.
Assistiremos a uma logística urbana/last mile movida a electridade ou bio combustíveis. Aqui de assinalar o atraso significativo verificado em Portugal na regulação das suas ZER ( Zonas de Emissões Reduzidas). Temos aqui o exemplo de Lisboa, onde actualmente podem circular veículos com norma Euro III (que remonta ao ano de 2001). Na maior parte das metrópoles europeias as ZER têm restringido o acesso a viaturas de mercadorias mais poluentes, privilegiando as viaturas com as normas Euro VI e movidas a novos combustíveis. É o caso de Paris, onde, já em 2025, apenas poderão circular viaturas de mercadorias durante o dia que sejam movidas a electricidade ou biocombustíveis. E noutras cidades como Madrid, Milão ou Bruxelas, são já restringidos os acessos a viaturas de mercadorias com normas inferiores à norma Euro VI.
Teremos também, sem dúvida, hubs de logística last mile nas zonas mais centrais das cidades, a partir dos quais poderemos ter entregas muito pequenas a serem efectuadas por viaturas/motociclos/bicicletas eléctricas.
Para este futuro, aliadas ao necessário enorme investimento privado são estritamente indispensáveis políticas públicas que incentivem e ajudem à criação de racionalidade económica e ambiental nesta transição.
É imperiosa uma fiscalidade diferenciada e mais favorável para o HVO ou e-fuels do que a aplicável ao gasóleo, com uma redução da taxa de carbono aplicável a estes novos combustíveis no sentido de incentivar a procura e criar um efeito de escala que permita a aproximação do preço destes combustíveis ao preço do gasóleo, criando as bases para uma transição energética mais acelerada do sector dos transportes.
As políticas públicas nacionais e municipais deverão incentivar a utilização de veículos mais eficientes e mais amigos do ambiente. Eis alguns exemplos:
A diferenciação do custo de portagens segundo normas Euro, a exemplo do que foi feito na Alemanha ou na Suíça com a penalização de normas Euro mais antigas e que resultou num forte incentivo à renovação de frota. Também será necessária uma diferenciação positiva nas portagens para veículos movidos a biocombustíveis, hidrogénio ou eléctricos.
A criação de critérios mais exigentes nas ZER das principais cidades portuguesas, com retirada das viaturas de transporte de mercadorias menos eficientes das nossas cidades, em planos e prazos partilhados e discutidos com todos os stakeholders.
Seguindo o exemplo dos nossos vizinhos espanhóis, a introdução de novas modalidades de transporte como o duo trailer, que permitirão uma massificação e optimização do transporte rodoviário e uma redução dos veículos pesados em circulação.
Por último, e a exemplo do que tem sido feito noutros países europeus, e em Portugal apenas para o transporte público de passageiros, deverão ser criados incentivos à aquisição de viaturas eléctricas/hidrogénio que permitam que a descarbonização do sector possa ser feita de forma gradual.
O grande desafio ao nível das políticas públicas é, assim, incentivar a descarbonização dos transportes rodoviários, mas ajudando a que este processo ocorra em condições económicas saudáveis, minimizando sobrecustos para todos os operadores da Supply Chain e todos os actores económicos e, finalmente, os consumidores finais.
SÉRGIO BATALHA
Membro da Direcção da APOL
Director Projectos Operacionais na STEF Portugal