Pela leitura de relatórios de organizações internacionais especializadas e dos artigos na comunicação social pode concluir-se que estão em diferentes fases de desenvolvimento diversas alternativas tecnológicas para a descarbonização do transporte marítimo. A utilização de biocombustíveis, metanol, hidrogénio e amónia são as mais referidas. Mas em termos práticos, operacionais e de negócio/custos, o metanol está em melhor posição.
Os operadores de serviços de linha globais são os que mais necessitam de tomar decisões de investimento em navios e de saber com que infraestruturas e serviços de abastecimento regular podem contar. Num discurso proferido na One Ocean Summit, em fevereiro de 2022, o CEO da MSC dizia: “O desafio não são os navios. O verdadeiro desafio é a disponibilidade de combustível e por isso necessitamos de trabalhar em conjunto, e verdadeiramente pressionar e incentivar os fornecedores de combustível a desenvolver e fornecer-nos os novos combustíveis”[i].
Metanol: ganhos imediatos, fácil armazenamento e potencial futuro
A utilização do metanol permite reduzir de forma significativa as emissões produzidas pelos motores dos navios (10 a 15% de CO2 no caso da produção a partir do gás natural e 90% de redução se utilizadas fontes renováveis[ii]). Os custos envolvidos na adaptação dos motores existentes nos navios são os mais baixos em comparação com outras alternativas. O metanol tem ainda a vantagem de permitir utilizar as infraestruturas de bunkering e armazenamento existentes estando hoje disponível em mais de 120 portos em todo o mundo.
O objetivo futuro é extrair moléculas de hidrogénio do metanol e utilizá-las numa célula de combustível, um dispositivo que converte hidrogénio e oxigénio em eletricidade através de uma reação eletroquímica. Esta tecnologia está na sua fase inicial, apoiada de forma vigorosa pela Maersk e pela Blue World Technologies[iii]. Esta última, uma empresa dinamarquesa[iv], conseguiu angariar 37 milhões de euros de diversos investidores, entre eles a Breakthrough Energy Ventures[v] que tem o apoio de Bill Gates.
Neste contexto, percebe-se que a Maersk, a MSC, a MOL (Mitsui), a Stena Bulk, a Oldendorf, a COSCO e a China Merchants Energy Shipping apoiem o metanol como o combustível para o transporte marítimo. Estas empresas fazem parte de um grupo de lobby designado The Methanol Institute[vi].
Os CEO da China Merchants Energy Shipping e da COSCO Shipping Bulk seguem as linhas de orientação do governo da China apontadas pelo seu representante no The Methanol Institute: “A China já é líder na produção de energia renovável e a mudança para o metanol a longo prazo está em sintonia com as suas ambições de descarbonização. O shipping não pode esperar por combustíveis que podem estar a décadas da sua aprovação e disponibilidade; os armadores precisam de um ponto de partida para fazer economias de carbono e o metanol pode desde já permitir essa transição.”[vii]
A Maersk, a CMA CGM, a Pacific International Lines e a X-Press Feeders já encomendaram navios porta-contentores dual fuel, equipados com motores que funcionam com metanol ou com diesel.
Hidrogénio líquido: caminho mais longo e dispendioso
O hidrogénio líquido verde pode ser utilizado num motor de combustão interna de um navio ou em células de combustível.
Existem centenas de projetos de investimento na produção de hidrogénio líquido a nível mundial, mas as empresas de transporte marítimo estão ainda pouco envolvidas porque consideram que a produção, transporte, abastecimento e armazenamento a bordo têm pontos fracos[viii] que, com base na tecnologia atual, envolvem elevados custos. O transporte de hidrogénio em viagens de curta distância é o único negócio visível.
Existe um grupo de lobby designado Hydrogen Council[ix] de que a MSC, a NYK e a Mitsui são membros.
Amónia
A amónia é mais adequada ao transporte por navio em longa distância, mas apresenta riscos de toxicidade no caso de derrame.
Existe um grupo de lobby designado Ammonia Energy Association[x], de que são membros empresas do shipping como a Maersk, a NYK, a MOL, a Danaos e a Oldendorff.
A União Europeia tem avançado na regulamentação, o que ajuda as empresas a tomar decisões de investimento, mas ela é apenas um dos elos no setor de transportes marítimos; os EUA, a Ásia e a ONU estão mais atrasados.
Um gestor da Maersk afirmava em março passado: “A indústria marítima enfrenta o desafio do ovo e da galinha, em que a oferta e a procura de combustíveis verdes terão de evoluir em paralelo para garantir rapidamente um desenvolvimento sustentável de combustíveis com zero emissões”. Assim, para a Maersk a investigação à volta da utilização da amónia e do metanol devem decorrer em paralelo.
Na Ásia, Japão e Singapura em particular, surge interesse de empresas de transporte marítimo e de estaleiros de construção naval.
O Parlamento Europeu aprovou o Ocean Fund
Em 22 de junho 2022 o Parlamento Europeu[xi], no quadro do sistema de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na União[xii], aprovou o Ocean Fund que receberá 75% das receitas geradas pelo sistema de venda em leilão das licenças de emissão e que irá “apoiar a transição para um setor marítimo da União eficiente em termos energéticos e resiliente às alterações climáticas e ser utilizado para apoiar projetos e investimentos nos seguintes domínios:
- Melhoria da eficiência energética dos navios e dos portos;
- Tecnologias e infraestruturas inovadoras para a descarbonização do setor do transporte marítimo, nomeadamente no que diz respeito ao transporte marítimo de curta distância e aos portos, incluindo a ligação à rede elétrica nos portos;
- Implantação de combustíveis alternativos sustentáveis – como o hidrogénio, os combustíveis de síntese e o amoníaco – produzidos a partir de energias renováveis, nomeadamente através de contratos para diferenciais de carbono;
- Tecnologias de propulsão sem emissões, incluindo tecnologias eólicas;
- Investigação e desenvolvimento e primeira aplicação industrial de tecnologias e conceções que reduzam as emissões de gases com efeito de estufa, incluindo tecnologias e combustíveis inovadores para navios da classe de navegação no gelo e navegação de inverno em zonas congeladas;
- Deve ser dada prioridade a projetos que promovam a inovação no setor – tais como tecnologias que não só conduzam à descarbonização, mas também, entre outras coisas, reduzam o risco de poluição sonora, atmosférica e marítima;
- Contribuir para uma transição justa no setor marítimo através da formação, da melhoria de competências e requalificação da mão de obra existente e ainda da preparação da próxima geração de mão de obra marítima.”
Como vão ser conjugados os interesses das partes no contexto das diferentes alternativas tecnológicas é algo que fica centralizado a nível superior; segundo a Diretiva:
- O Ocean Fund será gerido a nível central através dum organismo da União.
- A estrutura de governação e o processo decisório devem ser transparentes e inclusivos, em particular na definição de domínios prioritários, critérios e procedimentos de atribuição de subvenções.
- As partes interessadas relevantes têm um papel consultivo adequado.
- Todas as informações sobre os projetos e os investimentos apoiados e todas as outras informações pertinentes sobre o funcionamento do Ocean Fund devem ser disponibilizadas ao público.
Regulamentação
Existe unanimidade em que a descarbonização do transporte marítimo não poderá ser feita com base numa única tecnologia.
A União Europeia tem avançado na regulamentação, o que ajuda as empresas a tomar decisões de investimento, mas ela é apenas um dos elos no setor de transportes marítimos; os EUA, a Ásia e a ONU estão mais atrasados. São muitos os interesses concorrentes, ninguém quer ficar de fora e ninguém quer apostar no cavalo errado, por isso os investidores em infraestruturas vivem na ansiedade de uma clarificação em tempo útil.
Perante a necessidade de renovar as suas frotas de navios as empresas vão escolhendo a favor da solução mais viável na atualidade – o metanol. O crescimento rápido desta alternativa vai tirar espaço (viabilidade económica e financiamento) para as outras.
[i] “Macron brings Shipping big guns together to speed up the industry’s Decarbonisation”, Splash247, February 14, 2022.
[ii] “Methanol and shipping”, Longspur Research, Janeiro 2022.
[iii] https://www.blue.world/markets/maritime/
[iv] “Bill Gates-backed fund backs methanol as green fuel for global shipping”, Bloomberg, August 30, 2022.
[v] https://www.breakthroughenergy.org/
[vi] https://www.methanol.org/our-members/
[vii] “Methanol backers including Cosco and Bill Gates show their hands”, Splash247, August 31, 2022.
[viii] Ver “Hydrogen forecast to 2050”, DNV 2022.
[ix] https://hydrogencouncil.com/en/
[x] https://www.ammoniaenergy.org/
[xi] https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2022-0246_PT.html
[xii] O sistema de comércio de licenças de emissão da UE (CELE) é um mercado do carbono baseado num sistema de limitação e comércio de emissões para as indústrias com utilização intensiva de energia e o setor da produção de eletricidade.
FERNANDO GRILO
Economista de transportes marítimos