A construção da Linha de Alta Velocidade (AV) entre as cidades do Porto e Lisboa é um projeto ambicioso que promete redefinir a infraestrutura ferroviária em Portugal, proporcionando avanços significativos em termos de conectividade e mobilidade.
No entanto, torna-se imperativo abordar como conciliar os potenciais atrasos da sua construção com o prazo de conclusão do projeto estabelecido pela UE para 2028.
O cenário atual revela uma lacuna preocupante entre as expectativas e a realidade temporal da implementação do projeto. Os atrasos na construção, muitas vezes impulsionados por questões burocráticas e litígios, colocam em risco a conclusão dentro do prazo estabelecido e custos inicialmente previstos.
Notamos que o empreendimento de obras públicas tem vindo a ser objeto de auditorias do Tribunal de Contas por constituir uma área de risco para a gestão sustentável das finanças públicas.
Em 2009, o relatório sobre derrapagens em obras públicas concluiu ser prática generalizada verificarem-se acentuadas derrapagens financeiras e significativos desvios de prazos. Em 2015, o relatório sobre empreendimentos de obras públicas concluiu que persistia: i) planeamento deficiente das obras públicas, ii) falta de identificação dos responsáveis pela execução das obras públicas, iii) ausência de análises custo-benefício e de controlo de custos associado ao ciclo de vida do projeto, iv) aumento do recurso a ajustes diretos.
A possibilidade real de incumprimento do cronograma estabelecido e derrapagens financeiras são preocupações que requerem uma análise profunda.
A indústria da construção está a ser moldada de forma significativa pelas novas tecnologias, alterando a conceção, construção, operação e gestão de projetos.
A introdução de novas tecnologias em projetos desta natureza, como, por exemplo, a utilização de veículos automatizados não tripulados e drones na recolha de dados destinados à monitorização do progresso em obra são ferramentas imprescindíveis no âmbito da administração contratual.
A utilização de drones vocacionados para a captura de informação presente em obra e capaz de ser processada através de inteligência artificial (IA) destaca-se como uma ferramenta valiosa para monitorizar o progresso dos trabalhos de construção e a identificação antecipada de eventuais defeitos de obra.
Adicionalmente, a implementação de IA não se limita apenas à monitorização do progresso e identificação de defeitos. A alocação eficiente de mão de obra é outra área em que a inteligência artificial pode desempenhar um papel fundamental. Ao otimizar a distribuição de recursos humanos com base nas necessidades específicas de cada fase do projeto, é possível minimizar riscos associados a potenciais acidentes de trabalho e assegurar uma utilização mais eficaz da força de trabalho.
A utilização de drones, por exemplo, não só promove a eficiência operacional, mas também contribui para a prevenção de litígios. A captura de dados detalhados e objetivos através deste tipo de tecnologias permite identificar erros/defeitos numa fase inicial e encontrar soluções em tempo real, reduzindo assim as potenciais fontes de discordância entre as partes envolvidas, elevando consequentemente padrões de eficiência.
A utilização de novas tecnologias em tempo real tornará mais fácil para as partes manterem registos regulares, uniformes e contemporâneos. Tais registos de obra podem potencialmente minimizar litígios, ao invés de serem a sua origem.
A utilização de novas tecnologias contribui também, assim, para reduzir os problemas associados a registos inadequados e identificação a montante de defeitos de obra. A recolha de dados de obra através das referidas tecnologias permite o registo detalhado e contemporâneo do que ocorreu no local, como por exemplo (i) trabalhos realizados e não realizados; (ii) razões pelas quais certos trabalhos não foram realizados; (iii) entrega e fornecimento de material e equipamento; (iv) condições meteorológicas no local; e (v) instruções do dono de obra.
A utilização de novas tecnologias em tempo real tornará mais fácil para as partes manterem registos regulares, uniformes e contemporâneos. Tais registos de obra podem potencialmente minimizar litígios, ao invés de serem a sua origem.
Paralelamente, a quantidade e tipo de dados recolhidos, armazenados e utilizados neste tipo de projetos através destas tecnologias obrigam as partes envolvidas ao seu tratamento e gestão. A utilização de ferramentas tecnológicas implica que as partes devam garantir que o contrato contenha cláusulas que abordem designadamente questões como a propriedade de dados e confidencialidade.
Não obstante a necessidade de coordenar e gerir a vasta quantidade de informações e dados associados a um projeto, as partes poderão também aproveitar as novas tecnologias para as assistirem na resolução de eventuais litígios. Frequentemente, em litígios complexos, é a informação capturada de forma contemporânea ao longo da vida do projeto que mais persuadirá o juiz ou tribunal que decidirá o caso. Nesse sentido, a tecnologia implementada e integrada no início do projeto para capturar, gerir e analisar as vastas e diversas fontes de informação num projeto de construção impactará a forma como o projeto progride e, por fim, a forma como são evitados ou resolvidos os litígios entre as partes.
É imperativo que as partes contratantes reconheçam a importância de adotar este tipo de práticas e abracem a evolução tecnológica como aliada na concretização deste projeto emblemático.
Em resumo, a construção da Linha de Alta Velocidade em Portugal enfrenta desafios significativos, mas também abre portas para a introdução de soluções e ferramentas tecnológicas inovadoras, potenciando a eficiência e promovendo a transparência, reduzindo assim os litígios que historicamente têm sido uma das mais relevantes fontes de atrasos contratuais.
Of counsel JPAB – José Pedro Aguiar-Branco Advogados