Todos temos alguma perceção que muitas decisões políticas são tomadas em função da quantidade de votos que podem vir a gerar numa eleição futura. Sejam essas decisões provenientes do poder central ou do poder local, independentemente de poderem ser ou não as melhores para o país, do ponto de vista económico.
Especificamente no setor dos transportes de mercadorias, é notória e frequente a falta de decisões e de cumprimento de planos estratégicos ou de investimento, quando os há.
A questão é simples. A carga não vota e por isso não é urgente nem importante, sendo muitas vezes esquecida a sua importância para o desenvolvimento económico do país.
Há muitos exemplos, nomeadamente no transporte marítimo e nos portos.
O Porto de Lisboa nunca chegou a ter o seu plano estratégico aprovado, nem é clara a estratégia para o mesmo, continuando a não existir uma definição do que lhe irá acontecer. Os terminais da margem Norte do Tejo irão desaparecer quando atingirem o termo das respetivas concessões, para a expansão do terminal de cruzeiros para montante e da zona da Expo para jusante dando lugar ao negócio imobiliário? Sempre veremos a criação de algum ou alguns novos terminais na margem Sul do Tejo?
O Porto de Setúbal, que tem espaço de expansão para acolher novos negócios e cargas, não apresenta novos projetos reais e um plano de desenvolvimento bem definido, estando a perder oportunidades de captar novos serviços.
Todos assistimos ao anúncio de apoios financeiros superiores a mil milhões de Euros à TAP, para que se possa manter uma companhia aérea de bandeira portuguesa, sendo considerada uma empresa estratégica, mesmo demonstrando consecutivos resultados deficitários, ano após ano.
Será que se a TAP deixasse de existir deixaria de haver transporte aéreo entre Portugal e os destinos proporcionados pela TAP? Não será necessário ser-se especialista em transporte aéreo para qualquer pessoa depreender que certamente as outras companhias aéreas tomariam o espaço de mercado ocupado pela TAP. Com exceção provável de destinos deficitários para os quais talvez fosse necessário garantir um serviço público, devendo então ser subsidiado caso fosse de interesse nacional e de coesão e continuidade territorial.
Certamente que os empregos diretos, indiretos e induzidos que a TAP gera, e o seu impacto na economia nacional, deverão estar também a ser equacionados, para que tal apoio estatal seja considerado.
Será que não poderíamos ter uma marinha mercante com capacidade pelo menos para as nossas trocas intracomunitárias? Ou, de facto, não temos “músculo” para isso, como uma vez um armador nacional publicamente mencionou? Ou não estamos interessados em criar esse músculo?
Por oposição, nos anos oitenta, talvez alguns ainda se lembrem, quando a nossa marinha mercante de bandeira portuguesa e registo convencional (não existia o Registo Internacional de Navios da Madeira – RINMAR) teve o seu fim anunciado, não houve qualquer apoio estatal, para além de um certo regime sucedâneo, definhando até aos dias de hoje, estando reduzida a dois navios de registo convencional e quatro a cinco armadores nacionais dedicados sobretudo ao tráfego insular e à costa ocidental africana, com uma reduzida mas, porém, boa frota de navios, na sua maioria com registo no RINMAR.
Porque é que, na altura, o Governo de então não pensou na importância da frota mercante nacional para a economia do país, tal como agora pensa em relação à TAP?
Será que o transporte marítimo não tem mesmo importância para a economia do país?
Se tivermos em consideração a quantidade de carga de importação e exportação movimentada por Portugal em 2019, cerca de 101 milhões de toneladas, verifica-se que o transporte marítimo foi responsável por 57% desse movimento.
Caso se subtraísse o movimento de carga intraeuropeu, restando um total de 35 milhões de toneladas, o transporte marítimo representaria 98% (figuras 1 e 2).


Todo este serviço de transporte foi realizado por armadores não nacionais sendo por isso um serviço totalmente importado.
Qual o impacto que isso teve na economia do país? Será que não poderíamos ter uma marinha mercante com capacidade pelo menos para as nossas trocas intracomunitárias? Ou, de facto, não temos “músculo” para isso, como uma vez um armador nacional publicamente mencionou? Ou não estamos interessados em criar esse músculo?
Recentemente foi publicada a atualização de um estudo realizado pela Oxford Economics para a ECSA (European Community Shipowners’ Associations) com o título “The Economic Value of the EU Shipping Industry, 2020” cuja leitura se recomenda (são apenas 9 páginas e na sua maioria em gráficos).
Este estudo retrata de uma forma simples e entendível a importância do negócio do Shipping na economia Europeia.
Os principais números a reter são que, em 2018, a indústria Europeia do Shipping empregava diretamente 685.000 pessoas das quais 83% eram tripulantes e 17% trabalhadores de terra. Dos tripulantes apenas 38% eram nacionais europeus, sendo os restantes 62% não europeus, demonstrando um défice de mão-de-obra nesta área.
Estes 685.000 empregos diretos geraram 780.000 empregos indiretos e 540.000 empregos induzidos, representando no total mais de 2 milhões de empregos gerados por esta atividade.
Esta indústria representou 54 biliões de Euros do PIB (Produto Interno Bruto) da União Europeia estando à frente de várias indústrias importantes como a do tabaco, a dos equipamentos médico-cirúrgicos, ou a dos têxteis.
Qual a diferença em relação ao transporte aéreo e à sua importância económica para o país?
A diferença é que num caso maioritariamente se transportam pessoas e no outro se transporta carga.
A produtividade por trabalhador direto (78.000 Eur/ano/trabalhador) é superior a muitas outras indústrias, como por exemplo os serviços e a atividade fabril, estando acima da média Europeia (63.000).
Não obstante a frota controlada por empresas da União Europeia ter vindo sempre a crescer (entre 2010 e 2020 cresceu 51,7% versus 57,6% do crescimento da frota Mundial no mesmo período) a sua quota na frota Mundial tem diminuído, sendo atualmente de 39,5%, quando em 2007 era superior a 42%.
E onde é que nós ficamos ou nos posicionamos?
Temos uma Escola Náutica que forma profissionais para o mar e também para as tais funções de terra diretamente relacionadas com esta indústria, sendo muitos destes profissionais do mar exportados para trabalhar em navios estrangeiros, com a vantagem económica para o país de, ao contrário de outras profissões exportadas como enfermeiros e outros licenciados, trazerem o dinheiro que ganham de volta ao seu país, pois é aqui que passam os seus períodos de descanso e onde têm a sua família.
Temos, por enquanto e ainda, know-how desta atividade que poderia ser usado para desenvolver a mesma em Portugal, com os benefícios económicos que são claros e fáceis de quantificar, criando emprego e riqueza.
Qual a diferença em relação ao transporte aéreo e à sua importância económica para o país?
A diferença é que num caso maioritariamente se transportam pessoas e no outro se transporta carga.
Certamente que se a carga votasse a atenção política para esta atividade seria muito diferente.