A linha circular do Metro de Lisboa é polémica. O novo Executivo da Câmara quer fazer marcha atrás ao mesmo tempo que as escavadoras subterrâneas abrem caminho de acordo com o traçado planeado, atirando alguns moradores para fora das suas casas durante algumas semanas como medida de prevenção.
Não sou especialista, mas observando as redes de metropolitano de outras cidades, uma linha circular existe e parece fazer sentido nos centros urbanos com mais do que quatro simples linhas de metro e quando uma grande parte dos subúrbios e franjas da cidade já se encontram servidos. Ou seja: linha circular, sim; agora já, não.
Ao consultar com mais profundidade o desenvolvimento da rede de Metropolitano de Lisboa, era inevitável o paralelismo com a própria discussão à volta do aeroporto de Lisboa e com o grupo dos interessados – especuladadores imobiliários, construtores, fornecedores, governantes, enfim, todo um filão.
Voltando ao metro. Odivelas, às portas de Lisboa, era uma aldeia até 1964. A sua elevação a cidade consomou-se em 1990. Esta evolução administrativa acompanhou o crescimento do município: 6 000 habitantes em 1950, 150 mil hoje.
Em 1969, ano em que se começou a falar da construção do novo aeroporto de Lisboa, já existia metropolitano na capital há uma década e a então vila de Odivelas nem sequer fazia parte dos planos de expansão da rede – impossível (ou irrealista?) saber, ao certo, para onde a cidade se iria expandir. Alguns geógrafos, políticos e engenheiros estudavam esse assunto, mas entre planear e acontecer vai uma distância considerável.
Durante muito tempo, a expansão da rede de metro ficou limitada aos “muros” da cidade e foi apenas em 2004 que chegou a Odivelas. Aquilo que hoje nos parece óbvio de ver o metro chegar à periferia não o era há 30 ou 40 anos. Este tipo de investimentos a longo prazo requer planeamento, financiamento, estudos e certeza no seu retorno e na oportunidade.
Extrapolemos agora para a rede de aeroportos do Continente: à que existia em 1969, foi acrescentado apenas o aeroporto de Beja, que permanece até hoje uma inutilidade propositada e intencional. A discussão à volta do novo aeroporto de Lisboa, essa, mantém-se inalterada. Eu consigo imaginar esta discussão nos anos 70 e até talvez nos anos 90. Porém, quase tudo mudou desde então: o regime político, a economia, a população, o mercado aéreo liberalizado, a União Europeia, os setores de atividade principais do país, as infraestruturas, o número de turistas, os imigrantes e emigrantes, a acessibilidade e mobilidade, o desenvolvimento regional, o tipo de modelo turístico… e os compromissos ambientais exigentes que teremos de enfrentar, qual elefante numa loja de porcelana.
Portugal precisa de novas centralidades aéreas que possam acompanhar e contribuir para a promoção da diversidade e da agenda de desenvolvimento das nossas regiões.
Concordemos: o aeroporto de Lisboa é uma espécie de funil. Ele não é apenas usado por habitantes do Marquês de Pombal, nem por aqueles que se vão alojar no Chiado em férias ou trabalho. A Portela serve todo um país que não tem outra alternativa aeroportuária. Acrescente-se: a companhia que mais passageiros transporta de/para Lisboa tem como objetivo comercial estratégico atingir os 70% de passageiros em trânsito, isto é, passageiros que aterram em Lisboa para logo a seguir descolarem num outro voo para o seu destino final. O valor económico destes passageiros para o país é quase zero e, simultaneamente, é a sua quantidade massificada que coloca uma enorme pressão sobre a infraestrutura, sobre o ambiente e é ela que cria esta aparente necessidade de um novo aeroporto.
Peguemos no exemplo de Faro: dos 9 milhões de passageiros em 2019, menos de 300 mil deslocaram-se desse aeroporto num voo via Lisboa para outro destino. Os restantes 8.7 milhões de passageiros viajaram diretamente numa das quase 100 rotas servidas por uma das 30 companhias aéreas que servem o Algarve. Isto significa que o aeroporto de Faro soube se autonomizar e se especializar ao longo dos anos no tipo de passageiros e de rotas que melhor servem a sua região. Ao ponto de ser totalmente residual a percentagem dos seus passageiros com necessidade de fazer escala em Lisboa – e de cerca de 10% desses passageiros dizer respeito a ligações às ilhas, inexplicavelmente inexistentes à partida de Faro. O que significa isto em termos ecológicos? De cada vez que um passageiro voa Faro-Lisboa com o objetivo de continuar para outro destino, só esse voo de ligação até Lisboa provoca uma pegada de carbono de 120kg de CO2 por passageiro. Para contextualizarmos esse valor, existem 10 países no mundo cuja produção anual de CO2 per capita é inferior a esse valor. Por outro lado, não existem passageiros a fazerem escala em Faro para voar para outro lugar, não existe “hub” em Faro e não é isso que torna o Algarve menos competitivo. O que faz sentido debater é a possibilidade de se criarem incentivos e estímulos para que mais companhias operem novas rotas e abram novos mercados ou até para que baseiem aviões nesse aeroporto, como aconteceu agora recentemente com o anúncio da base da Ryanair na Madeira.
Voltando à nossa “linha de metro aeroportuária”, Portugal precisa de novas centralidades aéreas que possam acompanhar e contribuir para a promoção da diversidade e da agenda de desenvolvimento das nossas regiões. Se, por hipótese, o aeroporto do Porto nunca tivesse existido – por onde em 1990 apenas circulavam 1.3 milhões de passageiros e que, até 2010, foi sempre o 3º aeroporto nacional atrás de Faro e de Lisboa –, então nunca a região do Norte teria acolhido 13 milhões de passageiros em 2019 no seu aeroporto e nunca teria chegado ao desenvolvimento turístico e de investimento de hoje. Todo um mercado oprimido teria estado condenado a usar outras infraestruturas, com prejuízo para a potencialidade da região.
Assim sendo, valerá mais a pena construir mais estações de metro dentro da cidade Lisboa ou alargar a rede justamente para outras partes ainda não cobertas pela rede de metro? O novo Executivo da Câmara de Lisboa parece-me ir na linha certa ao interromper e alterar os trabalhos da linha circular. É disso que se trata – dar prioridade a outras partes da aglomeração. Disto se trata também quando se pondera a construção de um segundo aeroporto para a mesma cidade-capital-funil-de-todo-um-país.
Não se deixem enganar: o aeroporto de Beja não vai servir Lisboa. O aeroporto do Alentejo – já existente e pronto a ser usado sem custar um único cêntimo ao contribuinte – vai ser o catalizador para essa região. Vai permitir potenciar a promoção turística, empresarial e emprego de uma região que merece as mesmas oportunidades. Vai também contribuir para desviar parte dos passageiros de/para Alentejo que hoje usam, em alternativa, os aeroportos de Lisboa, Madrid ou Sevilha.
Já temos um elefante numa loja de porcelana (a ecologia), não nos aventuremos na construção de um elefante branco. A TAP, se sobreviver, vai ser pequena e regional, o aeroporto de Lisboa ver-se-á organicamente limitado à dimensão de outras capitais que não são “hub”, como Atenas, Berlim, Roma, Praga ou Oslo. Económica e ecologicamente falando, essa é, aliás, a melhor opção para nós, contribuintes, turistas, empresários, cidadãos e governantes. Independentemente do que ANA, Ministros, Oposição, Associações Comerciais locais e Confederações nos pretendam incutir do alto dos seus interesses e agendas individualmente egoístas e dos seus estudos antigos e arcaízantes, sejamos nós próprios a veicular, de baixo para cima, a nossa vontade soberana e esclarecida, e sejamos nós próprios a exigir visão, alcance e ambição na aplicação e proteção dos recursos que existem. Quem não tiver uma visão para futuro, estará condenado a viver eternamente na repetição dos projetos ultrapassados do passado.
PEDRO CASTRO
Consultor em aviação comercial
Sobre a linha circular repare onde ficam as novas estações e que terrenos lhe estão adjacentes.
Como ex técnico do Metropolitano apreciei a sua análise. É exatamente isso, linha circular só quando a rede for maior e servir as periferias. Tal como está, vai servir o turismo e as empresas estabelecidas na avenida da República. Infelizmente, ao novo presidente da câmara de Lisboa não parece ser possível interromper o erro, pois já foi consignada a obra dos novos viadutos e de ampliação dos cais sul/nascente da estação Campo Grande, enquanto prosseguem as obras do túnel na Estrela. E tudo isso foi feito contrariando a letra do art.282 da lei 2/2020.
Quanto aos aeroportos, sou eu que não sou especialista mas tenho a imodéstia de dizer que há anos que defendo uma TAP mais pequena e concentrada no serviço público de ligação às regiões periféricas que a legislação comunitária explicitamente admite para empresas públicas. Infelizmente não foi o pensamento das suas sucessivas gestões públicas e privadas aumentando continuamente o número de aviões e o quadro de pessoal. Mas independentemente da TAP temos o problema da Portela para o qual deveríamos ter um plano de substituição para estar a funcionar na data redonda de 2050 (ainda a legislação comunitária que interdita aeroportos no meio das cidades) e que até lá deveria aumentar a sua capacidade através da saída completa do aeródromo do Figo Maduro, da construção do taxiway norte/nascente e da implementação do novo sistema de gestão de tráfego, Podíamos chegar aos 48 movimentos por hora de ponta e 35 milhões de passageiros por ano? Quanto à ligação em rede, h´s tempos precisei de ir a Bruxelas, não consegui voo direto e dei-me muito bem com um transbordo em Amsterdam, não para um avião para Bruxelas, mas para um Alta Velocidade que apanhei no piso inferior do Schipol. Daí pensar que poderíamos aguentar a Portela até 2050 (só possível com aquelas condições) com os outros aeroportos em rede de AV, mas isto devia ser bem discutido.
Cumprimentos