A dissuasão do transporte rodoviário por essa Europa fora está a acontecer. Está a acontecer, não apenas devido à necessidade de descarbonizar, mas devido aos elevados índices de sinistralidade rodoviária, também aos congestionamentos que se verificam nas principais autoestradas europeias e acessos aos centros de maior consumo.
Em Portugal, não se nota. E não se nota, desde logo, porque o que se prevê é um aumento considerável da taxa de uso ferroviária – de cerca de 25% em 2024 e mais 25% em 2025 -, ao que se adiciona uma elevada percentagem de energias renováveis nos combustíveis a utilizar, logo, tornando mais caro o custo desses combustíveis.
Espanha aqui ao lado conseguiu negociar uma redução da taxa de uso junto da UE, em sede do PRR. Verdade que com isso não aplicou as portagens em autoestradas que tinha previsto, mas em contrapartida recebeu uma boa “maquia” para investir em ligações aos terminais rodoferroviários, apostando assim num investimento facilitador de mais intermodalidade com o objetivo de tornar o seu transporte de mercadorias por via terrestre mais sustentável.
Para tentar (não) perceber melhor esta estratégia, é anunciada em Portugal a intenção de passar de uma quota de mercado (oficial) de 13% para 40% até 2030 no transporte ferroviário. Ora, quer-me parecer que a aplicação de mais taxas à energia, acessos à infraestrutura, redução de preços em portagens sem qualquer compensação, atrasos permanentes nas obras, não serão muito favoráveis ao aumento da quota de transporte de mercadorias por via ferroviária. Já para não perguntar onde está esse material , esses profissionais, esses operadores ferroviários que permitirão tal crescimento.
Por outro lado, dizem-nos igualmente que a concorrência é importante e que pode acelerar alguns processos e decisões dos dois operadores “incumbentes” para tornarem-se mais agressivos no mercado. A verdade é que o processo de licenciamento de um operador ferroviário é moroso, difícil e oneroso, e nem todos têm tempo e paciência para tal. Ou seja, a concorrência é boa, mas se não existir, tanto melhor.
…quer-me parecer que a aplicação de mais taxas à energia, acessos à infraestrutura, redução de preços em portagens sem qualquer compensação, atrasos permanentes nas obras, não serão muito favoráveis ao aumento da quota de transporte de mercadorias por via ferroviária.
No entanto, a ferrovia é resiliente e há que continuar a acreditar, até porque quando imaginamos uma nova história para a ferrovia nacional, temos de acreditar nela.
E há quem acredite. Nunca como hoje se ouviu falar em tantos planos para terminais rodoferroviários. Desde o Alentejo, ao Norte, passando pelo Centro, exceto Lisboa, manifestam-se imensas vontades, imensas comunidades, indústria, operadores logísticos que apostam e anseiam por estas infraestruturas.
Mas… e depois?
Bem, depois, o que parece estar a acontecer é que temos investimento em ferrovia como não tínhamos, vontade de investir em terminais, vontade de migrar carga para o comboio. Parece que o que não vamos ter é comboios, porque os operadores ferroviários olham para o lado (Espanha) e veem o apoio que cá não têm.
É verdade que Portugal está a consolidar o foco na sustentabilidade, mas a introdução de mais custos prejudica o planeamento estratégico das empresas, nomeadamente, quando se querem focar nessa mesma sustentabilidade. A onda verde está a crescer, é cada vez maior e apenas falta perceber para que lado devemos remar e que todos temos de remar no mesmo sentido.
Quando não remamos todos para o mesmo lado, parece que se chama “andar à deriva”, certo?
Não devemos acreditar em algo que simplesmente ouvimos, assim como não devemos acreditar em algo apenas porque todos falam disso. Mas, se todos concordamos com algo e (já) sabemos que é o melhor e nos conduz para um futuro mais sustentável para benefício de todos, por que não aceitar e viver essa nova realidade?
Mais uma vez, agora provavelmente devido às alterações climáticas, os “astros” da ferrovia voltaram a desalinhar-se.
NABO MARTINS
Especialista em ferrovia
“E verdade que Portugal está a consolidar o foco na sustentabilidade, mas a introdução de mais custos prejudica o planeamento estratégico das empresas, nomeadamente, quando se querem focar nessa mesma sustentabilidade.” ??? GOSTEI! Com a pequena reserva de que a primeira sustentabilidade a conseguir é a económica e que a ferrovia, digo eu que até bem, sempre assentou a sua sustentabilidade em meia dúzia de clientes cativos. Estou a forçar a nota, mas não a mentir…:):)