Não sabendo sobre o que escrever, nem sabendo porque escrever, não é que me surge nos media digitais alguma inspiração para o tema de hoje? Bem, inspiração para o conteúdo não sei, pelo menos para o título já ajudou, até porque a minha avó já usava esta expressão amiúde. Olhem que “Ele há coisas do arco da velha…”.
Nestes últimos dias, lemos em local conveniente para o efeito que em Valongo vai nascer um primeiro investimento logístico de um promotor Imobiliário em Portugal e que deve estar concluído em Maio de 2024. Ocupará uma área de 150 mil metros quadrados na zona industrial de Campo, arredores do Porto, com acesso direto à rede nacional de autoestradas através da CREP / A41, mas sem qualquer referência a uma eventual ligação ferroviária.
E, noutro lado, ficamos a saber que, finalmente, a Medway conseguiu comprar os terrenos que faltavam para concretizar o seu terminal em Lousado, um complexo que contará com quatro linhas férreas de 750 metros e capacidade para 10 mil TEU.
Oportunamente também ouvimos o Sr primeiro-ministro anunciar um Terminal Multimodal em pleno Alentejo, no interior e muy cercano a Badajoz, que entretanto inaugurou o seu Terminal neste verão de 2023 e que, em concurso público, atribuiu a concessão do mesmo à Medway.
Nada contra, até porque sempre defendi que sem Terminais não há carga em comboios, mas Terminais onde não há carga para comboios não parece ser uma grande decisão. Quase todos ainda nos lembramos do Plano Logístico Nacional de 2008.
Construir a maior zona logística do Norte sem acesso ferroviário também padece, aparentemente, da mesma incompreensão relativa à decisão. Ou seja, num momento da nossa vida comum em que nos deparamos com desastres ambientais diariamente, continuamos a não fazer nada para acompanhar o discurso “do amigo do ambiente”. Como é possível neste século permitir que não se considere uma ligação ferroviária numa área logística desta dimensão? Bem, sempre podem utilizar o Terminal Ferroviário do SPC, que já existe.
Não são os operadores ferroviários que têm a carga. A carga é das empresas, dos clientes e operadores logísticos, e quer queiramos ou não, ela, a carga, encontra sempre o seu caminho
Já construir aquele que parece ser o maior Terminal da Península Ibérica aparenta ser uma decisão muito avisada quanto ao futuro. A Medway reforça muitíssimo a sua posição na Península Ibérica. Os anúncios do maior Terminal na Península, em Famalicão, das concessões dos Terminais da Estremadura Espanhola, da aquisição/construção de vagões chamados inteligentes, de novas locomotivas e, muito recentemente da sua vontade expressa e formal de adquirir (?) a Renfe Mercancias, demonstram a aposta que a Medway continua a fazer na ferrovia.
Continuando… com muita estupefação leio que a Captrain não tem previsto qualquer investimento para Portugal, apesar de que “… o tráfego de contentores de/para o porto de Sines continua, de resto, na mira, mas para este ano uma das principais apostas é o lançamento de um serviço entre o porto de Barcelona e Toulouse / Vénissieux ...”. Ele há coisas do arco da velha…
Há bem pouco tempo falava da dificuldade de angariar carga para a ferrovia. Julgo que a ferrovia perdeu muitas cargas “tradicionais”, o transporte virou-se muito para o Oriente e com isso para o contentor. Esta alteração/realidade não foi acompanhada e acho que até do ponto de vista de comercial “vender” transporte ferroviário não é o mesmo que vender transporte rodoviário ou ate aéreo. O nosso país é pequeno, produzimos e consumimos poucas quantidades quando comparamos com outras regiões, e a necessidade de encher os gigantes do mar de contentores é obviamente fundamental.
Também nestas circunstancias nem sempre os contentores têm cargas completas. Em Portugal muito poucas são as empresas que conseguem fazer grandes cargas contentorizadas. Há talvez que perceber como pode a ferrovia competir e entrar neste jogo. Afinal, não era apenas a questão da falta de concorrência a causa. Ele há coisas do arco da velha…
Eu diria que para o transporte ferroviário é cada vez mais necessário Investir, valorizar, reconhecer e fomentar a proximidade aos clientes. Serão eventualmente estes os fatores diferenciadores e competitivos, mas também comprometidos com as empresas suas clientes e com o seu sucesso. Se é assim na maior parte das empresas, também devia ser nas instâncias Europeias decisórias do tema da ferrovia. Não são os operadores ferroviários que têm a carga. A carga é das empresas, dos clientes e operadores logísticos, e quer queiramos ou não, ela, a carga, encontra sempre o seu caminho, independentemente do que se decida nos corredores Europeus.
A realidade da ferrovia é muito diferente da realidade dos outros modos de transporte, não é nenhuma “anormalidade” mas é diferente e, como diferente que é, deve ser olhada, analisada e pensada nessa mesma diferença.
ANTÓNIO NABO MARTINS
Especialista em ferrovia