Há cerca de um ano, nesta mesma casa, iniciei uma abordagem sobre a importância dos portos secos. Falámos do congestionamento crescente nos portos marítimos e do fim anunciado do terminal da Bobadela — esse verdadeiro “dinossauro logístico” que, mesmo obsoleto, ainda fazia muito pelo país.
E hoje? Hoje voltamos a um daqueles lugares que todos conhecemos, mas que ninguém parece querer reconhecer: o Entroncamento.
No século XIX, foi o coração da ferrovia nacional. No século XXI, continua lá — central, conectado, tecnicamente preparado, mas inexplicavelmente fora das prioridades do País. Um cruzamento natural de linhas, com acessos rodoviários eficazes e capacidade instalada, mas ignorado.
Enquanto Espanha liga os seus portos a Madrid com comboios diários, fomentando a intermodalidade dos seus hubs, Portugal teima em usar um “planeamento por omissão”. Os comboios cruzam-se no Entroncamento todos os dias (linhas do Norte e do Leste). Mas as decisões estratégicas, essas, nem vê-las!
Se o futuro da logística depende de visão, talvez esteja na hora de olhar para os nossos antecessores — e usar o que nos deixaram (estendo o meu convite aos pensantes de Aeroportos).
Os nossos vizinhos desenvolveram uma rede integrada de portos secos conectados a corredores ferroviários dedicados. Portugal limitou-se a reconhecer o conceito — sem o implementar. Espanha investiu na modernização da ferrovia, duplicação de vias e terminais logísticos on-dock, permitindo uma operação ágil e eficiente. Por cá, persistem linhas saturadas, terminais obsoletos e portos sem ligação ferroviária direta.
Enquanto os Espanhóis ligaram os seus portos ao interior com cadência regular e uma visão estratégica, Portugal continua à espera que a carga tome a iniciativa. Já nem vou entrar no modelo de concorrência que existe no mercado Português, para não ficarmos mais deprimidos …
Já que perdemos “provavelmente, o maior Terminal Rodoferroviário da Península Ibérica”, vamos então focar-nos na sua substituição.
O desenvolvimento Espanhol foi pensado e implementado durante os últimos 25 anos, alcançando o nível de maturidade atual. Portugal apresenta-se, assim, atrasado cerca de três décadas.
Mas o que relaciona o Entroncamento e a Bobadela?
Podemos afirmar que a área de influência logística dos terminais e depots da região de Lisboa pode ser delimitada, de forma indicativa, até ao Cartaxo, a norte, e à Lourinhã, a oeste.
Enquanto a sul observa-se uma sobreposição com os hinterlands naturais dos portos de Setúbal e Sines — cuja proximidade geográfica e melhores acessibilidades reduzem a competitividade de Lisboa nessa direção —, importa notar que, embora alguns operadores atuem exclusivamente em determinados portos, esse nível de detalhe não condiciona de forma relevante a análise do corredor ferroviário.
Agora, que se discute o futuro da ferrovia em Portugal, importa colocar uma questão estratégica:
Valerá a pena a Infraestruturas de Portugal estudar a criação de uma nova plataforma intermodal, ou não será mais racional reforçar o papel do Entroncamento como um polo logístico para operadores privados?
A Área Metropolitana de Lisboa já concentra cinco parques, distribuídos entre o eixo da Bobadela e Alverca. A esta realidade somam-se outros três em Setúbal e outro par em Sines, sem contar com os próprios terminais portuários, que frequentemente também desempenham funções semelhantes.
Por contraste, o Entroncamento conta atualmente com apenas dois terminais, estando um terceiro em fase de arranque. Contudo, os dois existentes pertencem ao mesmo grupo, sendo que um deles não está destinado a operações (contentorizadas), mas podia. Trata-se de uma localização com centralidade geográfica, área disponível e acessos ferroviários já estabelecidos, que poderia — com investimento e vontade política — tornar-se um centro de concorrência saudável no setor ferroviário, complementando o papel dos hinterlands de todo o país, ajudando ao descongestionando e pressão sobre os corredores urbanos.
Assim, importa perguntar:
É mesmo necessário repensar mais uma infraestrutura da IP na AML?
Há dados públicos sobre a rentabilidade da atual infraestrutura?
Sabe-se se a sua capacidade de operação está esgotada, ou se existe uma necessidade comprovada de expansão?
Estas são perguntas legítimas num país onde os recursos são limitados e as decisões de investimento devem ser guiadas por critérios de eficiência e planeamento a longo prazo.
Talvez o foco não deva estar em duplicar infraestruturas num território já saturado, mas sim em promover e potenciar ativos logísticos com margem real de crescimento.
PEDRO NABO MARTINS