Fomos campeões do gás natural líquido (GNL)
Em 24 de Novembro 2017, o Governo aprovou a “Estratégia para o Aumento da Competitividade da Rede de Portos Comerciais do Continente – Horizonte 2026” centrada na afirmação de Portugal enquanto hub de gás natural liquefeito (GNL) do Atlântico. Teríamos 5 portos com capacidade para efetuarem operações de abastecimento de GNL a navios: Leixões, Lisboa e Sines e 2 portos das Regiões Autónomas (Açores e Madeira). O GNL seria também a fonte energética-base da mobilidade marítima entre Continente e Ilhas (chegaram a fixar-se metas para os armadores mudarem de navios).
Em 2022, o Governo não tinha dúvidas de que Sines seria a nova porta de entrada do GNL na Europa, por navio.
Nada aconteceu.
Fomos campeões do hidrogénio
Em 2022, o Governo anunciou que ia desenvolver um corredor logístico de hidrogénio verde que ligaria, por via marítima, os portos de Sines (ou Setúbal) e Roterdão (Países Baixos).
Em 2023, percebeu-se que o transporte de hidrogénio por navio a longa distância não é tecnicamente viável ou economicamente sustentável devido á dificuldade de manter o hidrogénio na forma líquida a menos 253 graus centigrados em viagens longas.
Nada acontecerá no atual contexto tecnológico.
O que o Governo anuncia não tem suporte em estudos técnicos ou avaliações rigorosas do que se passa no mercado internacional, nomeadamente de inovação e tecnologia. O Governo toma como boas as frases-chave de um qualquer empreendedor estrangeiro que anuncia biliões de Euros para investir em Portugal e limita-se a torná-las em propaganda política. Depois o empreendedor desaparece, porque não conseguiu convencer entidades financeiras a apoiar o projeto, e o Governo desiste.
O Primeiro Ministro ordenou “habituem-se”. Não conseguimos.
Iremos ser campeões das Eólicas Offshore Flutuantes?
As fontes indicadas em baixo dão pistas para se ter uma opinião sobre o assunto, que é complexo porque envolve tecnologia em evolução.
Um dos aspetos relevantes é a necessidade de INFRAESTRUTURA PORTUÁRIA para fabricar e armazenar (eventualmente), montar e transportar para o local de instalação.
No relatório final do “Grupo de Trabalho para o planeamento e operacionalização de centros eletroprodutores baseados em fontes de energias renováveis de origem ou localização oceânica”, Subgrupo 3 (Planeamento do desenvolvimento das infraestruturas portuárias de suporte à implementação de fontes de energias renováveis offshore), refere-se que “embora seja evidente a relevância dos portos neste setor, atualmente há uma falta significativa de infraestrutura adequada em toda a Europa e especialmente em Portugal. Estima-se que sejam necessários 6,5 mil milhões de euros em investimentos em infraestrutura portuária em toda a Europa até ao final da década para alcançar as metas energéticas estabelecidas para 2030. Embora pareça ser um volume de investimento muito elevado, a WindEurope destaca que esse investimento poderia ser recuperado em cinco anos com a receita gerada pelo uso das infraestruturas para instalação offshore. Isso apresenta tanto um desafio quanto uma oportunidade para o setor portuário português.”
Quer dizer que o Estado Português terá de construir ou adaptar infraestrutura portuária, incluindo, eventualmente, acessibilidades terrestes e marítimas. Os promotores dos projetos que anunciaram ir investir biliões não incluíram esses valores nos seus cálculos deixando ao bondoso contribuinte português o PRIVILÉGIO de os apoiar. Refere-se no relatório que “as Administrações Portuárias detêm uma combinação única de poderes e recursos, os quais as colocam no caminho crítico de UM FUTURO CLUSTER INDUSTRIAL localizado em Portugal”. O Ministro das Infraestruturas terá já confirmado. Que falta de respeito pela inteligência dos gestores portuários!
O que o Governo anuncia não tem suporte em estudos técnicos ou avaliações rigorosas do que se passa no mercado internacional, nomeadamente de inovação e tecnologia. O Governo toma como boas as frases-chave de um qualquer empreendedor estrangeiro que anuncia biliões de Euros para investir em Portugal e limita-se a torná-las em propaganda política.
O relatório tem o cuidado de salientar que “NÃO É POSSÍVEL à data mapear de um modo detalhado a potencial participação da indústria nacional nesta cadeia de fornecimento embora se saliente que está já identificado um conjunto muito significativo de atores que operam em território nacional entre as várias etapas descritas. Ainda assim, a sua participação ou a participação de novas empresas encontram-se significativamente condicionados quer pela taxa de instalação de aerogeradores quer, concomitantemente, pela adaptação das áreas portuárias e áreas destinadas a instalações fabris, assim como as infraestruturas logísticas conexas.”
Por outro lado, em relação aos aerogeradores a instalar existem muitas incertezas. Refere o relatório que “estão atualmente concluídos projetos demonstrativos, com assinalável sucesso. Contudo, É DIFÍCIL DIZER, COM CERTEZA ABSOLUTA, como a indústria se pode desenvolver para a implementação de projetos comerciais em larga escala em Portugal. A inovação terá um papel muito importante na adaptação das infraestruturas portuárias às exigências do sector da energia eólica flutuante. A necessidade de inovação estende-se ao design otimizado das subestruturas, de forma a reduzir custos e necessidades nas várias fases de projeto”. Isto é, existem oportunidades de criação de emprego (nos estaleiros navais, nas operações portuárias e nos navios de apoio), mas também é possível que em Portugal fique apenas uma parte da atividade.
É necessária infraestrutura portuária, mas não se sabe exatamente quais as suas características e dimensões.
No relatório considera-se que os portos de Lisboa e Leixões não detêm capacidade disponível relevante para apoio aos projetos de eólicas offshore. Figueira da Foz, Aveiro, Setúbal e Sines são os portos preferidos dos relatores, mas serão os mais indicados para os projetos que se perfilam?
Por exemplo, para Setúbal refere-se a necessidade de reforço de cais de forma a cumprir com os valores recomendados para fundações fixas (15 a 25 t/m2) e flutuantes (15 a 50 t/m2). 50 toneladas por m2? Os estudos da Mofat&Nichols para o porto de Long Beach apontam para um máximo de 30 t/m2. Estarão os relatores a sofrer da mesma doença do Governo, campeões de peso por m2?
O que Governo não lê
No relatório refere-se que “para a correta avaliação das necessidades da fileira das renováveis offshore e o consequente planeamento dos projetos de adaptação e de melhoria das infraestruturas portuárias nacionais, para dar uma resposta eficaz às necessidades desse sector, É IMPORTANTE O ACESSO A INFORMAÇÃO CONCRETA SOBRE AS TECNOLOGIAS FLUTUANTES atualmente mais desenvolvidas e com maior potencial de aplicação em Portugal, bem como rendimentos de instalação, requisitos para a montagem, armazenamento e instalação. Dada a natureza desta informação e a sua relevância para o leilão dos blocos offshore, a mesma poderá ser difícil de obter”.
As fontes que apresento em baixo permitem que cada um forme uma opinião. Nestas coisas só acredito em projetos concretos elaborados por equipas qualificadas. Para já, temos apenas um relatório que é na realidade um LIVRO BRANCO sobre o tema.
Fontes:
- Grupo de Trabalho para o planeamento e operacionalização de centros electroprodutores baseados em fontes de energias renováveis de origem ou localização oceânica (Despacho n.º 11404/2022, de 23 de setembro) Versão final, maio 2023.
- LIBRO BLANCO de la Industria Eólica Marina en España, AEE Asociación Empresarial Eólica, elaborado pela Deloitte, Dezembro 2022.
- Port of Long Beach – Pier Wind – Concept Phase – Final Conceptual Report, April 20, 2023.
- Article “Approach for Installation and Logistics of a Floating Offshore Wind Farm”, Hugo Díaz and C. Guedes Soares, Centre for Marine Technology and Ocean Engineering (CENTEC), Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa, 2023.
- “Galamba diz que porto de Setúbal tem localização estratégica para parques eólicos offshore”, Lusa, 10 de março 2023.
- “Lisnave tem projeto de €100 milhões para fornecer eólicas no mar a partir de Setúbal”, Expresso, 20 abril 2023.
- “Eólica offshore: uma nova indústria à vista”, Expresso 19 maio 2023.
- “Primeiros leilões eólicos no mar em Portugal irão disponibilizar capacidade de 3,5 gigawatts”, Expresso 11 julho 2023.
- “Vem aí o primeiro leilão eólico ‘offshore’ em Portugal: 10 perguntas e respostas sobre o que significa”, Expresso 12 de julho 2023.
FERNANDO GRILO
Economista de Transportes Marítimos
No norte da Europa, quer o apoio à montagem, quer a manutenção de instalações off shore (GNL, crude ou eólica) utilizam instalações portuárias desactivadas…
Em Portugal aposta-se na construção de novas instalações…