A 13 de Setembro de 1970, o New York times publicou um artigo de Milton Friedman sobre ESG (sim, o tema que hoje é vendido como “novidade”), intitulado: “The Social Responsibility of Business Is to Increase Its Profits”.
Com toda a humildade do mundo, sou de opinião que nele Milton Friedman estava certo, se não estivesse muito possivelmente errado (sendo que isto será, provavelmente, o mais próximo de um elogio a Friedman que alguma vez escrevi).
Como o título deixa facilmente adivinhar, Friedman opõe-se a qualquer forma de responsabilidade social das empresas na medida em que esta conduz à redução do lucro. Como indica de forma taxativa, ao executar uma ação de responsabilidade social: “the corporate executive would be spending someone else’s money for a general social interest. Insofar as his actions in accord with his “social responsibility” reduce returns to stock holders, he is spending their money. Insofar as his actions raise the price to customers, he is spending the
customers’ money. Insofar as his actions lower the wages of some employes, he is spending their money.”
Ou seja, para Friedman, as decisões de gestão de uma sociedade comercial são reduzidas a um exercício de soma zero. Se uma empresa gasta dinheiro na realização de uma acção de ESG, reduz o lucro; se reduz o lucro, não realiza o mandato da empresa perante os seus acionistas, pelo que tem de se abster de o fazer.
Embora de lógica infalível – afinal, trata-se de Milton Friedman -, o facto é que este argumento é contextualizado num universo onde o comportamento de qualquer indivíduo é motivado unicamente por uma equação de ganhos e proveitos. Enquanto indivíduo da escola pura de rational choice, poderia estar correto, mas independentemente da escola de pensamento, despesa pode ser investimento, o que ele sabia, é claro, mas que não tem lugar na leitura bidimensional do problema.
Uma empresa é, nas relações sociais que cria através da sua atividade, muitas vezes julgada como uma pessoa singular, ou seja, percecionada sob padrões de avaliação que não se afastam totalmente da nossa perceção sobre qualquer outra pessoa e dentro de um contexto variável. Todos damos o objetivo de lucro de uma empresa como garantido, mas isso não nos impede de ir mais longe e avaliar a forma como o tenta obter, o que fazemos diariamente enquanto consumidores. É por essa razão que é comum encontrarmos na vox populi uma exigência superior ao comportamento das empresas do sector público do que do sector privado.
Por isso é que é comum encontrarmos em artigos de opinião ilustres incomodados com a baixa qualidade da refeição servida a bordo de uma companhia aérea integrada no sector empresarial do estado em termos que o mesmo ilustre não aplicará quando voa numa companhia privada, especialmente uma que promova o seu produto como sendo “no frills”.
Milton Friedman, sabemos, olharia para a azeitona extra servida na refeição como uma despesa desnecessária dos dividendos dos acionistas ou, na medida em que o preço da mesma azeitona se refletida na passagem aérea, como um gasto de dinheiro dos passageiros. Contudo, ignora o passageiro que escolhe aquela companhia aérea pela sua bondade nas azeitonas servidas na salada. É o calcanhar de Aquiles da rational choice: reduz o consumir a apenas isso, um consumidor que atua imediatamente sob leis de oferta e procura, ignorando que este deposita na empresa, enquanto fornecedora de um serviço, um conjunto de expectativas, obrigações e responsabilidades acessórias que poderão ser determinantes na sua escolha; uma escolha que, por vezes, até seria considerada irracional de uma perspetiva económica (existindo hoje todo um ramo de economia comportamental dedicada ao tema).
Um consumidor que compra leite mais caro porque é produzido por uma cooperativa ao invés da produção de uma sociedade anónima internacional por preferir apoiar um modelo de organização económica em detrimento de outro é, para os liberais, inconcebível e um mau serviço ao mercado, já que se apoia um modelo de organização social economicamente menos eficiente como é demonstrado pelo preço de venda superior.
Ainda bem que não trabalhamos todos para o mercado.
As empresas estão, como qualquer indivíduo presente na sociedade, sujeitas a mecanismos mais ou menos explícitos de controlo social e restrições que vão muito além da norma jurídica ou das estritas leis de mercado. Mais, esses mecanismos variam no tempo e contexto. Quando uma empresa se encontra integrada no sector empresarial do estado, esse controlo social aumenta, pois o comportamento da empresa reflete-se no seu acionista. Quando essa empresa, mesmo privada, ganha dimensão e importância social, esse controlo social também aumenta, pois a sua influência sobre a sociedade não se mantém inalterada.
Como indica Jill Solomon (Corporate governance and Accountability, John Wily and Sons, 2007), “A influência das sociedades comerciais na sociedade tornou-se tão disseminada que estas encontram-se sujeitas a uma forma de responsabilidade mais de acordo com um ator social do que apenasum contribuinte social”.
Ora, esta dimensão adicional do funcionamento da sociedade significa que os consumidores tomam outros elementos em conta, além do preço, na compra de um produto, o que é implicitamente negado por Friedman.
Ou seja, o aumento da despesa de uma empresa em práticas de ESG pode refletir-se num ganho em receitas superior ao custo da medida, o que por sua vez, representa um maior lucro e, como tal, aumentará, em vez de reduzir, a remuneração dos acionistas.
Por outro lado, se esse aumento do preço é, necessariamente, um “gasto de dinheiro dos consumidores”, utilizando a expressão de Friedman, não virá daí qualquer mal ao mundo na medida em que o consumidor tenha realizado uma escolha informada e saiba que, ao comprar uma passagem aérea mais cara (assumindo total simetria de informação no mercado), esse adicional irá, em parte, remunerar uma companhia cujas práticas esse consumidor suporta. Ou seja, ao escolher a passagem aérea mais cara, o consumidor está implicitamente a apoiar o posicionamento social da empresa que vende a passagem aérea. Da mesma forma que quando compra leite de cooperativa, mesmo mais caro.
É exatamente nesse momento que o ESG ganha relevância. Independentemente da definição de ESG que se adote (e há muitas), este é parte da imagem de posicionamento social da empresa o qual, se percecionada de forma positiva pelo público, aumentará os retornos económicos da empresa.
Porém, o ESG não deve ser visto meramente de uma forma economicista (onde Milton Friedman está, em última análise, correto) mas também de uma perspetiva ética. O que se torna mais complicado, porque atualmente a ética é um bem escasso.
…o aumento da despesa de uma empresa em práticas de ESG pode refletir-se num ganho em receitas superior ao custo da medida, o que por sua vez, representa um maior lucro e, como tal, aumentará, em vez de reduzir, a remuneração dos acionistas.
Visto desta perspetiva, defendemos que o ESG pode reconduzir-se a uma palavra: “Ética”.
Importa então retirar alguns princípios que, em minha opinião, não têm necessariamente sido seguidos pela maioria das empresas. Enumero três:
1. Não existe um “one size fits all”
Os consumidores têm expectativas diferentes do posicionamento das empresas consoante o mercado onde estas atuam.
No sector alimentar, por exemplo, existe uma maior preocupação dos consumidores com as diferenças remuneratórias entre os quadros empresariais e os funcionários menos qualificados. Várias vezes o grupo Jerónimo Martins é citado pela (escandalosa) diferença de remuneração entre os quadros de administração e os trabalhadores menos remunerados. Ainda hoje encontramos quem simplesmente boicote a “Padaria Portuguesa” por se ter gabado dos baixos salários pagos aos seus funcionários.
Porém, mais importante que enumerar exemplos, é salientar que sendo esse um ponto válido a ser levantado nas críticas a qualquer empresa, pode ter uma incidência especial nas empresas do sector alimentar, onde o contacto com o público é realizado maioritariamente por pessoal não qualificado e mal remunerado.
No sector aeronáutico não se encontra o mesmo volume de consciência social, não porque as disparidades salariais não sejam um tema relevante (são-no em todas as indústrias, e ainda mais quando se trata de discriminação salarial entre géneros), mas porque a perceção pública é que os funcionários do transporte aéreo, em concreto o pessoal de voo, é bastante melhor remunerado que um caixa de supermercado.
Por outro lado, a vertente ambiental é mais focada nas considerações ESG sobre as empresas de transporte aéreo, na medida em que, como sabemos, a utilização de aeronaves é uma atividade poluidora e com um peso relativo no total de emissões no espaço europeu em forte crescimento. Por muito ambientalmente conscientes que sejamos, sabemos que podemos viver sem viajar de avião, mas não viveremos sem comer.
Quer isto dizer que adotar slogans prontos a vestir sobre ESG não é a solução para uma política de sucesso de ESG para uma transportadora aérea ou qualquer outro ramo de negócio. De forma a ser eficaz, a mesma tem de se dirigir ao cumprimento das expectativas dos consumidores no seu sector específico de atuação. O ESG pode ter um efeito amenizador das externalidades externas negativas que a atividade de transporte aéreo causa, sendo possível um comportamento ético em múltiplas vertentes, mas será mais eficaz quando atue sobre a mais preocupante externalidade negativa da sua atividade.
2. A “fraude” é severamente punida
Acompanhando então a vertente ambiental como preocupação principal dos consumidores do transporte aéreo, o mercado encontra-se atualmente cheio de falsas promessas de sustentabilidade de companhias aéreas. Levadas à letra, até se diria que voar de avião é a melhor forma de se obter um planeta verde no futuro. Deve portanto chamar-se a atenção para os riscos de “greenwashing”.
Mais uma vez, espera-se que uma empresa tenha lucro, é essa a sua razão principal de ser. Para obter o seu almejado lucro, uma empresa dedica-se a uma atividade, o que acarreta externalidades negativas. No transporte aéreo, a poluição é a mais importante externalidade negativa da sua atividade. Não há nada de errado em assumi-lo até porque, no momento em que vivemos, mais parece que os operadores aéreos (e outros transportadores) são os únicos
em negação desta realidade.
…muita da literatura do ESG fala em vantagens indiretas para as empresas no seu cumprimento. (…) Contudo essa literatura, falha, em minha humilde opinião, o verdadeiro objetivo do ESG. Se uma empresa atuar com tal motivação, não está a aplicar medidas de ESG, está simplesmente a mascarar a sua atividade económica de forma enganosa para o consumidor.
Mais uma vez, porque no ESG estamos no domínio da Ética, esta define-se pelos padrões de comportamento expectáveis, sendo a assunção da responsabilidade pelas nossas ações um dos valores mais importantes da vida em sociedade. Casos como a recente decisão de um Tribunal Holandês em condenar uma companhia aérea por greenwashing tem um efeito devastador, não só para esse operador, como para todos os outros já que o dano à
credibilidade afeta toda a indústria.
A eficiência das medidas de ESG a serem tomadas pelas companhias aéreas não se encontra tão associada ao seu custo financeiro como ao seu sentido ético. Quando as medidas anunciadas são exageradas ou escamoteiam o verdadeiro objetivo, o que muitas vezes ocorre por serem simplesmente exageradas, servem o propósito contrário do pretendido.
3. A transferência direta de custos é também, ou mais, severamente punida
Finalmente, medidas de maquilhagem são tanto, ou mais, severamente punidas. Quando é pedido ao passageiro que realize uma “contribuição financeira adicional” para reduzir a externalidade negativa da atividade da companhia, um consumidor lê, não apenas uma confissão da empresa quanto ao dano que causa como simultaneamente uma demissão da empresa em relação às expectativas que sobre ela atualmente recaem.
Existe uma expectativa que a empresa atue realmente na redução da externalidade negativa por si provocada, tenha esta uma origem legal (como o ETS) ou ética (como um programa de progging para os trabalhadores). Ao tentar desviar o custo para o passageiro, por exemplo, transferindo para o passageiro o custo da licença de ETS, fica aquém do padrão de comportamento que atualmente lhe é exigido.
Em nota final, muita da literatura do ESG fala em vantagens indiretas para as empresas no seu cumprimento. Projetos de desenvolvimento educacional nas áreas tradicionais de captação de trabalhadores podem melhorar a sua força de trabalho a longo prazo, ou essa melhoria resultar de uma melhor imagem. Outras políticas podem, por exemplo, trazer um ganho fiscal. Contudo essa literatura, falha, em minha humilde opinião, o verdadeiro objetivo do ESG.
Se uma empresa atuar com tal motivação, não está a aplicar medidas de ESG, está simplesmente a mascarar a sua atividade económica de forma enganosa para o consumidor.
As medidas de ESG justificam-se e devem ser julgadas por si mesmas, é esse o fundamento da Ética enquanto forma de comportamento.
Por isso, Friedman não aceita o conceito de responsabilidade social nas empresas. Não há ética no modelo empresarial de Friedman. É Kant, e não Friedman, que ensina que o dever é a única motivação possível para uma ação moralmente correta. O curioso, é que o comportamento Ético até será lucrativo, mas apenas para quem não o procure necessariamente.
O leite da cooperativa tem o futuro assegurado.
FRANCISCO ALVES DIAS
Advogado Especializado em Direito Aéreo e Espacial
Dr Excelente artifgo como sempre nos tem habituado. ESG (Environmental, Social and Governance) Publiquei um video da C-Span sobre a Boeing que considero brilhante como o Senador esmaga o CEO da Boeing. Fica a ideia “quando alguma vez possa acontecer que os trabalhadores passem a shareholders minoritarios função de desempnhos…”