“Neste momento, trinta e um satélites circulam à volta do mundo sem nada melhor que fazer do que ajudá-lo a descobrir como chegar à mercearia”
Ed Burnette em, “Hello, Android: Introducing Google’s Mobile Development Platform”
A tecnologia espacial tornou-se essencial nas nossas vidas integrando um conjunto de atividades que realizamos quase sem pensar nisso. Meteorologia, serviços de localização, comunicações via satélite, rádio por satélite, entre outras. Adicionalmente, a panóplia de serviços oferecidos fora do espectro do consumidor diário é vasta. Proteção marítima, setor energético, defesa, indústria médica e, claro, comunicações, são indústrias que não prescindem hoje do espaço ou de atividades relacionadas com o espaço.
Um dos principais consumidores de serviços relacionados com o espaço e seu principal investidor são os governos. Contudo, este paradigma está em rápida mudança, ao ponto de hoje falarmos já no “Novo Espaço”, uma indústria dirigida essencialmente por empresas privadas e para privados ao lado de governos na sua lista de clientes (e é esta a definição que utilizaremos ao falar do Novo Espaço). De acordo com dados partilhados pelo Banco Europeu do Investimento, a economia global do espaço cresceu, em 2017, para 309 mil milhões de euros, apresentando uma taxa de crescimento média de 6,7% ao ano entre 2005 e 2017. Em 2030, prevê o Banco Europeu de Investimento que a indústria do espaço possa alcançar os 2,3 mil milhões de euros.
Em suma, há, no espaço, uma área de negócio que muitas vezes se coloca a jusante do serviço prestado por transportadores, mas à qual convém tomar atenção.
Importa, como é apanágio, proceder a alguma organização da informação para que a possamos analisar com mais detalhe. O espaço é vasto, a economia espacial também. De acordo com a OCDE, a economia espacial é definida como “o alcance total de atividades e de utilização de recursos com a finalidade de criar e fornecer valor e benefícios à espécie humana no que concerne a exploração, compreensão, gestão e utilização do espaço.”. Dentro desta definição, podemos visualizar inúmeras atividades que se qualificariam como tal a aproveitar no Novo Espaço.
Em suma, há, no espaço, uma área de negócio que muitas vezes se coloca a jusante do serviço prestado por transportadores, mas à qual convém tomar atenção.
Em primeiro lugar, importa categorizar atividades de upstream, ou seja, atividades relacionadas com o fabrico de equipamentos e componentes que serão enviados para o espaço. Em oposição, classificamos como downstream as atividades que envolvem o uso de objetos espaciais para entregar produtos e serviços na Terra. Finalmente, para completar o cenário, teremos um terceiro tipo de atividades, que são as atividades acessórias a estas duas primeiras: serão as atividades auxiliares ou derivadas de atividades espaciais.
Assim, por exemplo, como atividades upstream, ocorrem:
- Fabrico de componentes de objetos espaciais;
- Lançamento de objetos espaciais para o espaço;
Por outro lado, como atividades downstream ocorrem:
- Análise e processamento de dados e informação obtidos a partir de objetos espaciais, tanto em navegação como em comunicações.
- Atividades de investigação, desenvolvimento e inovação relacionadas com objetos espaciais, ou derivada de dados obtidos a partir de objetos espaciais.
Como atividades auxiliares, tanto a atividades upstream ou downstream,
- Serviços de financiamento à aquisição e desenvolvimento de objetos espaciais
- Formação específica de capital humano para setores espaciais
A Europa, através dos Estados-Membros da União Europeia, a Agência Especial Europeia e a EUMETSAT têm desenvolvido ao longo dos anos vários projetos de sucesso, nomeadamente o COPERNICUS, GALILEO, ROSETTA ou BEPICOLOMBO. De acordo com os dados da Comissão, entre 2014 e 2020, a União Europeia investiu mais de 12 mil milhões de euros em atividades espaciais. No conjunto dos Estados Membros, a União representa o segundo maior orçamento público espacial, distribuído entre programas e instituições na União.
Porém, persiste uma visão de que a economia do espaço existe para o desenvolvimento de programas estatais de investigação, a qual é frontalmente desafiada pelo Novo Espaço. O contexto internacional encontra-se em rápida mudança, com o cariz comercial a crescer exponencialmente, maior integração do setor privado e avanços tecnológicos que representam importantes reduções no custo de acesso ao espaço. É este o cenário em que o Novo Espaço tem crescido e o contexto em que as participações nas atividades espaciais devem ser pensadas. É igualmente este o contexto que lança desafios ao desenvolvimento de novas atividades, desafios de financiamento, licenciamento, certificação, etc….
Para um país pequeno que constantemente recorda a sua localização periférica como desvantagem comparativa, é essencial recordar que país algum neste planeta se encontra em posição periférica perante o espaço. Existem diversas oportunidades e “espaço” para a criação de novas linhas de atividade no Novo Espaço que estão longe de estar reservadas a agências governamentais. Lancem-se.
FRANCISCO ALVES DIAS
Advogado Especializado em Direito Aéreo e Espacial