No passado dia 19 de Maio faleceu, aos 89 anos, o Professor Aníbal Figueiredo Sequeira, em tempos reconhecido como o Pai da Logística em Portugal, talvez pouco conhecido pelas gerações mais recentes e certamente pouco reconhecido pelas gerações mais antigas.
Não obstante a avançada idade sempre foi mantendo uma excelente memória, poder de raciocínio e pragmatismo de fazer inveja a muita gente, entre os quais me incluo.
Tive o privilégio de durante muitos anos fazer parte da sua equipa e participar em inúmeros trabalhos e projetos de consultoria, que se fossem enumerados passariam facilmente a centena, sendo cada um deles um desafio constante devido à minúcia e qualidade que eram impostas, obtidas através de exercícios de reflexão, estudo e simultaneamente de aprendizagem, acompanhados por uma disciplina de trabalho intenso, pois havia prazos a cumprir que tinham sempre de ser honrados.
Pessoa de extremo rigor e honestidade intelectual, era avesso a facilitismos e a fazer trabalhos sem qualidade, a que apelidava de “encher chouriços” ou “pífios”, termo que gostava de usar para identificar situações e trabalhos com falta de qualidade, impondo sempre um alto nível de exigência e rigor, que por vezes levava alguns a apelidá-lo de pessoa difícil. Quem nos dera haver muitas mais pessoas difíceis como ele.
Com ele muito aprendi, pois a sua “costela” de professor vinha sempre ao de cima e o seu gosto de ensinar e partilhar conhecimento era natural, e mesmo em dias de trabalho árduo, mesmo em sábados, domingos e feriados, das oito da manhã até às oito da noite, havia sempre lugar para pensar, partilhar raciocínios e encontrar as justificações necessárias para consolidar a razão da escolha de determinadas soluções.
…dedicou-se ao ensino (…) da Logística, (…) vendo já nessa altura que esta atividade viria a ter no futuro uma importância fundamental para o desenvolvimento de qualquer economia.
Possuía uma capacidade de trabalho e raciocínio que, muitas vezes, no final de um dia de trabalho, era difícil de acompanhar, batendo facilmente pessoas bem mais novas, como era o meu caso. Era admirável e sempre um prazer trabalhar com um profissional desta natureza.
Com ele aprendi a realizar análises de viabilidade económico-financeira em detalhe, dominando toda a lógica dessas análises e a sua construção, pois os seus conhecimentos de economia e matemática estavam sempre frescos, mesmo decorridos muitos anos desde os seus tempos de Professor Universitário nessas áreas. Muitas destas análises fizeram parte de análises de investimentos em obras portuárias que conseguiram apoios financeiros da UE com base nas mesmas.
Foi professor em várias instituições de ensino universitário como o ISEG (na altura ISCEF), a Universidade de Aveiro, a Universidade Lusíada, a Universidade Aberta, o IST e a Escola Náutica Infante D. Henrique, onde se jubilou em 2002.
À exceção dos primeiros 10 anos de professor no ISEG (1960 a 1970), onde foi Professor Assistente de Matemáticas Gerais e Professor encarregado da Gerência da Cadeira de Economia dos Transportes, em todas as outras instituições de ensino dedicou-se ao ensino da Economia, Gestão e, sobretudo, da Logística, tendo sido este último um dos seus grandes assuntos de estudo do qual muito gostava, vendo já nessa altura que esta atividade viria a ter no futuro uma importância fundamental para o desenvolvimento de qualquer economia.
Foi, por isso, fundador da APLOG – Associação Portuguesa de Logística, tendo sido seu Presidente, sendo na altura membro da APICS – American Production and Inventory Control Society (USA), da CLM – Council of Logistics Management (USA), e da ELCO – European Logistics Consultants Group.
Foi assessor e consultor de várias instituições, tais como o Grémio dos Armadores da Marinha Mercante, Agentes de Navegação do Centro de Portugal, Empresas Operadoras Portuárias e ANTRAM. Foi ainda membro da delegação de Portugal nos comités de transporte marítimo da OCDE e da UNCTAD.
Era figura habitual em seminários, quer como orador ou simples participante, tendo sempre uma palavra a dizer, cativando quem o ouvia.
Escreveu centenas de artigos para várias revistas da especialidade, sempre com uma opinião construtiva, pois, como fazia questão de dizer “se escrevemos ou falamos só para dizer mal e não apresentamos soluções ou alternativas mais vale ficar calado”.
Foi júri de muitos Mestrados e Doutoramentos sem nunca ter feito um Mestrado ou Doutoramento, sendo reconhecido pelo seu mérito como Especialista em Economia de Transportes, Economia Portuária e Logística.
Mas a atividade de que mais gostava era a de Professor na Escola Náutica, onde se sentia à vontade com “os seus Comandantes”, como ele várias vezes referia, admitindo com humildade que com eles muito aprendia, quando nas suas aulas se faziam debates onde se discutiam assuntos práticos e onde a experiência prática de cada um era partilhada, fazendo das suas aulas um momento de interesse e partilha de conhecimentos, onde o tempo passava num instante.
No final dos anos noventa foi um dos criadores do Curso de Gestão de Transportes e Logística na Escola Náutica Infante D. Henrique, fazendo aumentar o número de alunos naquela Escola, sendo um curso alternativo aos cursos de Oficiais da Marinha Mercante já existentes, aproveitando as infraestruturas desta escola de reconhecido valor, demostrando mais uma vez a sua visão de futuro das necessidades de formação nesta área, que se veio a comprovar estar correta pois foi uma licenciatura sempre com pleno emprego, até aos dias de hoje.
Ele foi o responsável por me fazer ingressar, como Professor Convidado neste novo curso da Escola Náutica, mas não antes de me oferecer um livro, o qual guardo com carinho até hoje. Trata-se de “O Diário” de Sebastião da Gama, referindo que todos os professores o deveriam ler, pois é um bom exemplo da forma como se deve desempenhar tão nobre função. Não sendo apenas uma questão de ensinar o que se sabe, mas ao mesmo tempo de ter a humildade de aprender com os alunos, pois eles também nos podem ensinar muito, através do diálogo e da camaradagem, sempre dentro do maior respeito de parte a parte.
Jubilou-se em 2002, tendo a sua última aula versado sobre “A logística dos logísticos”, concluindo que era necessário tratar a formação de quadros como uma Cadeia de Abastecimento, que neste caso teria o objetivo de fornecer os quadros com a formação necessária e adequada que o mercado necessita e requer, o que a Escola Náutica tem sabido fazer, adaptando as suas licenciaturas em conformidade com o mercado e a procura de profissionais.
Após se ter jubilado, aos 70 anos de idade, abandonou toda a atividade profissional, incluindo a escrita, de que tanto gostava.
Continuámos sempre em contacto, pois ao longo de todos estes anos criámos uma grande amizade, com base numa grande admiração, que ele fazia questão de dizer que era mútua, e não obstante os meus esforços e insistência para o trazer de volta à atividade, conhecendo bem as suas capacidades, conhecimentos e mérito, confessou-me um dia que não queria fazê-lo porque tinha medo de errar e isso era a última coisa que queria que acontecesse. A sua honestidade intelectual impedia-o de o fazer, preferindo ir gradualmente adquirindo o seu direito ao esquecimento. Ao longo destes 20 anos começou por deixar de ter e-mail, acabando por deixar de ter sequer computador, deixando mesmo, nos últimos anos, de ter telemóvel.
De tal forma que até na morte deixou expressa a sua vontade que não queria cerimónias fúnebres nem que se avisasse ninguém, sendo cremado numa cerimónia simples apenas com uma pequena parte da sua família.
E assim foi.
Morreu o Pai da Logística em Portugal, sem qualquer reconhecimento por tudo quanto fez, algo que também nunca quis nem esperou que acontecesse, tendo feito sempre o que gostou de fazer, sentindo ter cumprido o seu dever como excelente profissional e como Professor que, mesmo no fim, nos continuou a ensinar algo. A humildade de uma mente brilhante.
JOÃO SOARES
Um bonito texto onde, para além da história de um homem relevante para as áreas em que se empenhou, se pode respirar a gratidão e a exaltação da amizade. Parabéns, João Soares.
Sentimentos, Foi meu professor de economia quando fiz o complementar de pilotagem 1975/76. Tivemos várias “discussões” sobre a dita economia, porque sendo eu oriundo da Soponata, que era um mundo aparte no comercio marítimo, mas sempre se interessou como era a gestão dos navios tanques, tanto mais quanto a empresa trabalhava essencialmente, para o mercado interno e era necessário, movimentar navios com as necessidades do país, só esporadicamente recorriamos ou entrávamos no mercado internacional. Foi um bom professor e aprendi muito sobre a economia maritima.
O Professor Ernani Hernâni Lopes que tinha sido seu aluno no ISCEF, na cadeira de Matemáticas Gerais, enquanto Diretor dos Estudos Europeus da Universidade Católica até à sua morte, referia-se sempre ao Professor Figueiredo Sequeira com a memória da sua exigência, do rigor e da sua excelência, como Docente. Paz à sua alma. Obrigado João Soares pelo belo texto.
Que descanse em paz. Exclente descrição do Homem pelo João Soares.
Caro João Soares,
Excelente texto de homenagem merecida ao homem, ao pedagogo e ao especialista. Parabéns!
Nunca fui seu aluno, mas quando fui Director da Escola Náutica, o Professor Figueiredo Sequeira vinha frequentemente ao meu gabinete conversar sobre assuntos de interesse comum, o que me permitiu aprender muito com ele.
Para alem de saber muito era uma pessoa encantadora.
Caro Professor João Soares!
Bonitas e merecidas palavras! Tive a enorme honra de ser aluno dos dois.
Obrigado!!