Os baixos salários, os custos de formação e os entraves à entrada na profissão são os principais motivos para a falta de motoristas que assola o transporte rodoviário, sustenta a FECTRANS.
Intervindo no recente Seminário de Transporte Rodoviário do TRANSPORTES & NEGÓCIOS, Paulo Machado, dirigente da FECTRANS, sintetizou assim os motivos para a escassez de motoristas: “um dos motivos é que o custo para obter a carta de pesados é muito grande. Depois temos as condições remuneratórias e de trabalho. Quem é que vai fazer este investimento, na ordem dos milhares de euros, para depois ser confrontado com uma remuneração a rondar o salário mínimo nacional? O terceiro motivo está relacionado com a idade para a obtenção da carta de condução. Nos últimos anos, o IP Trans conseguiu que os candidatos obtivessem uma licença aos 18 anos, no entanto a idade mínima continua nos 21 anos. Muitas vezes há trabalhadores que querem seguir a profissão mas como não têm idade suficiente acabam por ir para outros sectores de actividade”.
De acordo com o dirigente sindical, a pandemia também “veio agravar alguns conflitos, porque nem sempre estamos de acordo com algumas questões”, nomeadamente no sector do transporte de passageiros. “Neste sector, os salários são realmente baixos e os trabalhadores compõem muito da sua remuneração por força do trabalho extraordinário, que é na ordem das 12 a 13 horas por dia. Portanto, com a redução de passageiros o trabalho suplementar diminuiu. E em sectores como o turismo chegou mesmo a parar. Portanto, estes trabalhadores viram a sua remuneração final substancialmente diminuída”, lembrou.
Para Paulo Machado, a questão do diferendo salarial com a ANTROP acontece porque “os interesses são divergentes. Os motoristas percebem que por força do aumento do salário mínimo a sua componente salarial está reduzida a um nível salarial diminuto e o tempo extraordinário ainda não atingiu os números anteriores, portanto, é necessário aumentar o seu salário. E para as empresas é mais barato pagar mais tempo extraordinário do que contratar novos motoristas, algo que também beneficia os motoristas”.
Luís Cabaço Martins, presidente da ANTROP, também presente no debate, rebateu as acusações da FECTRANS. Para o presidente da associação de transportadores rodoviários de passageiros, “a ANTROP tem feito um grande esforço nos últimos anos para que exista uma actualização do salário dos motoristas”, explicando que “a partir do segundo semestre de 2021 as forças sindicais entenderam reforçar as suas reivindicações, quando já existia um acordo que estava fechado. A FECTRANS está a exigir aumentos imediatos do vencimento dos motoristas quando já tinha negociado com a ANTROP a valorização dos salários para 2021. Esse acordo está fechado e agora querem rever um acordo que foi assinado”.
Já em relação transporte rodoviário de mercadorias a situação é diferente, principalmente porque antes da pandemia, em Janeiro de 2020, entrou em vigor o novo CCTV, assinado entre a FECTRANS e a ANTRAM.
“Antes deste acordo entrar em vigor muitos trabalhadores tinham um vencimento a rondar o salário mínimo e toda a restante componente salarial era suportada por ajudas de custo, situação que de certa forma interessava às duas partes porque lhes permitia pagar menos impostos. Depois, as duas partes perceberam que eram necessários alguns ajustes. Ainda bem que aconteceu antes da pandemia porque permitiu que estes trabalhadores, em vez de terem apoios sociais na ordem dos 500 euros, por via do layoff, viram claramente os seus apoios subirem para a ordem dos 900 euros” adiantou Paulo Machado.
Mesmo assim, o representante da FECTRANS diz que há espaço para melhorar algumas situações, nomeadamente nos serviços de transporte que têm como destino o Reino Unido. Paulo Machado salientou que “por culpa do Brexit, houve um aumento da exigência para com os motoristas. Por exemplo, hoje, é-lhes exigido passaporte para entrarem em território britânico e esse custo é suportado pelo motorista. Este tema será alvo de negociação com a ANTRAM para o acordo de 2022. Se as empresas pagam o CAM e o CAP aos motoristas também têm de pagar o passaporte”.
Outro dos temas em análise foi a entrada em vigor, no passado Verão, do Decreto-Lei n.º 57/2021 que alterou o regime jurídico do contrato de transporte rodoviário nacional de mercadorias, regulando o regime das operações de carga e descarga. Para Paulo Machado, a nova lei permitiu um “melhor aproveitamento do motorista”, uma vez que veio definir que as operações de carga/descarga passam a ser da responsabilidade dos expedidores ou destinatários. “Os interesses das empresas de logística e dos transportadores não são exatamente os mesmos e esta foi uma matéria de ampla discussão. O sector da logística boicotou o acordo. O tempo de espera nos armazéns logísticos diminuiu, no entanto acontece muitas vezes que os motoristas acabam por fazer esta operação porque querem sair mais rapidamente”, realçou Paulo Machado.