A baixa quota de mercado do comboio, tanto no segmento de passageiros, como nas mercadorias, o agravamento das alterações climáticas e a pandemia por COVID 19 aceleraram o que já era reconhecido, necessário e inevitável – a atual e futura política europeia de transportes, que visa contribuir para a neutralidade carbónica da Europa e assegurar o descongestionamento e sustentabilidade dos territórios, passa pela ferrovia.
Medidas recentes como os 7 mil milhões de euros no âmbito do Mecanismo Interligar a Europa destinados a infraestruturas de transporte sustentáveis, dos quais 80% são destinados a projetos ferroviários, bem como a entrada em vigor da mais recente revisão das redes Transeuropeias de Transportes (RTE-T), que inclui iniciativas para a ferrovia tais como ligar as principais cidades europeias, reforçar as medidas de governação e, até 2040, aumentar a velocidade dos comboios de passageiros para 160 km/h ou superior nas linhas que integram quer a rede principal, quer a rede principal alargada são algumas das medidas mais relevantes, cujo impacto é significativo.
Exemplo disso é a análise feita, em 2023, pela Direção-Geral da Política Regional (DG REGIO) da Comissão Europeia à velocidade dos comboios em 1.356 ligações ferroviárias entre cidades europeias médias e grandes situadas a menos de 500 km de distância. Os principais resultados do documento de trabalho demonstram bem o caminho que há a fazer pelos Estados-Membros, apesar de haver uns bem mais adiantados do que outros e que é o resultado da priorização do investimento na ferrovia de modo a tornar o comboio peça-chave na descarbonização e a primeira escolha de viagem dos europeus.
Segundo a DG REGIO, em apenas 3% dos trajetos a velocidade dos comboios é superior a 150 km/h e em 30% é inferior a 60 km/h. Faltam mais ligações entre Estados-Membros, um dos grandes problemas atuais da Europa ferroviária, e de 297 percursos servidos por comboio e voo direto, apenas em 68 a viagem de comboio é mais rápida. No entanto, e com comboios de passageiros a 160 km/h no núcleo da Rede Transeuropeia de Transportes, aumentaria o número para 103 e, a nível ambiental, a transferência modal do avião para o comboio reduziria as emissões de CO2 nesses trajetos em 25%.
A importância dada às RTE-T e à Alta Velocidade, tendo em conta o papel que este segmento tem numa perspetiva pan-europeia de integração de territórios, assume-se como estratégica e fundamental.
E é na transferência modal para o comboio, no “equilíbrio de forças” e equidade na concorrência dos modos de transporte rodoviário, ferroviário e aéreo, bem como na discrepância de taxação entre os diferentes meios de transporte, que a União Europeia tem desafios consideráveis e que vão além da realidade provocada pelas alterações climáticas. Segundo um estudo (2023) da Transport & Environment, em 2022, os governos europeus perderam 34,2 mil milhões de euros de receitas devido a níveis de tributação muito baixos no sector da aviação, valor que, de acordo com esta organização, poderia pagar 1.400 km de infraestruturas ferroviárias de Alta Velocidade – o equivalente à distância entre Hamburgo e Roma. A estes desafios junta-se o processo contínuo de harmonização, melhoria, compatibilidade e interoperabilidade entre os sistemas ferroviários nacionais dos Estados-Membros de modo a promover e concretizar o Espaço Ferroviário Europeu Único e obter uma infraestrutura eficiente e robusta, com uma gestão operacional moderna.
A União Europeia vê-se confrontada com a necessidade de implementar soluções imediatas que podem passar por aplicar penalizações sérias e concretas aos meios de transporte mais poluentes ou analisar e auditar os planos, estratégias, investimentos e progressos do sector ferroviário nos diferentes Estados-Membros. Com esta medida poderia salvaguardar, a curto e médio prazo, que o comboio tornar-se-ia uma alternativa à rodovia em grande parte das deslocações, bem como às viagens de avião de curta distância, garantindo desta forma, e sem imposições ou sanções, que certos voos podiam deixar de existir de forma natural porque há uma alternativa de transporte regular e mais sustentável.
A importância dada às RTE-T e à Alta Velocidade, tendo em conta o papel que este segmento tem numa perspetiva pan-europeia de integração de territórios, assume-se como estratégica e fundamental. A Estratégia para a Mobilidade Sustentável e Inteligente da União Europeia aponta para que, até 2030, a Europa tenha de duplicar a sua rede de Alta Velocidade e triplicá-la até 2050. Nesse sentido, e com o intuito de apresentar soluções para aumentar a quota de mercado da ferrovia e dar respostas ao objetivos do Pacto Ecológico Europeu, em 2023, um estudo promovido pelo operador público alemão Deutsche Bahn juntamente com mais nove operadores públicos europeus, apresentou propostas para criar uma Rede Metropolitana de Alta Velocidade com um total de 32.000 km. O objectivo passa por ligar as principais cidades europeias e 230 regiões metropolitanas com mais de 250.000 habitantes a comboios de alta velocidade que circulem, pelo menos, uma vez por hora. Com esta proposta, 60% da população europeia ficaria servida por este tipo de serviço e a quota de mercado da ferrovia aumentaria para 14% em 2050. Para que tal fosse possível seria necessário construir ou modernizar 21.000 km de linhas, a que se juntam os cerca de 11.000 km de rede de Alta Velocidade existente. É reconhecido que a execução desta rede em pouco menos de três décadas é exigente, mas igualmente necessária uma vez que os 550 mil milhões de euros necessários para a sua construção gerariam, até 2070, benefícios líquidos positivos para a sociedade na ordem dos 750 mil milhões de euros. O documento relembra que a mesma Europa, entre 2000 e 2020, teve capacidade para construir 20.000 km de autoestradas.
Os desafios europeus no transporte ferroviário são claros, mas as políticas e os dinheiros europeus, sozinhos, não fazem tudo e há muito a fazer além da Alta Velocidade. É necessário que os Estados-Membros materializem uma real transição modal para o comboio, com redes ferroviárias mais densas, eficientes e modernas, suficientemente capazes de dar resposta aos diferentes tipos de serviço ferroviário. De salientar que, segundo o Eurostat, entre 1990 e 2022 a rede ferroviária europeia encolheu cerca de 7,5%, tornando-se necessário reverter este cenário. A Europa precisa de mais ferrovia, mas a ferrovia também precisa de mais Europa. No presente e futuro próximo o que estará em causa não é o sector ferroviário europeu, mas o modo como se vai estruturar o sector dos transportes na Europa.
Professor
Interpreto o artigo como mostrando que a política ferroviária do governo português, a IP e agrupamentos AEIE devem ser alteradas promovendo imediatamente a coordenação com Espanha e França na construção do corredor atlântico para tráfego misto com as caraterísticas de interoperabilidade do novo regulamento 1679. Não o fazer poderá poupar algum dinheiro agora, mas afeta gravemente o futuro da economia portuguesa e as suas exportações para a Europa. Importante a referência ao estudo da Transport & Environment. Já em 2015 Daniel Gros escrevia que são os locais que impedem o desenvolvimento das redes europeias, não a falta de financiamento. As companhias aéreas não têm interesse em perder a ligação Lisboa-Madrid.
É importante defender a bitola europeia UIC quando os governos defendem a bitola ibérica, um erro de dimensões homéricas. Vamos pagar através de parcerias público privadas o que pode ser financiado pela União Europeia?
Henrique Neto