O Estado cabo-verdiano assumiu hoje a posição de 51% da Transportes Aéreos de Cabo Verde (TACV) detida desde 2019 por investidores islandeses.
A reversão de privatização da Cabo Verde Airlines (CVA – nome comercial adotado desde 2019 para a TACV) tem efeitos a partir de hoje, com a publicação do decreto-lei que a autoriza, aprovada pelo Conselho de Ministros, face às “sérias preocupações” com o “cumprimento dos princípios, termos, pressupostos e fins” definidos no processo de privatização.
Entre as preocupações do governo constam o “cumprimento com os procedimentos acordados de pagamento de despesas, registo contabilístico e contratação”, a “salvaguarda dos interesses da empresa e objectivos da parceria em consequência de envolvimento em actos e contratos que revelam substâncias e sérios conflitos de interesse”, a “contribuição para o reforço da capacidade económico-financeira e da estrutura de capital” da companhia ou sobre a “concretização integral da venda directa em prazo, condições de pagamento e demais termos”.
“Os órgãos sociais são imediatamente dissolvidos, não podendo os membros cessantes praticar quaisquer actos ou celebrar contratos susceptíveis de alterar a situação patrimonial dos TACV, sob pena de nulidade dos actos e contratos em causa e responsabilidade pessoal dos danos deles decorrentes”, e sem direito a pagamento de indemnizações, refere o decreto-lei, publicado hoje para entrar “imediatamente em vigor”, definindo que a quota de 51% de acções da companhia é revertida a “favor do Estado”, mas sem concretizar sobre o pagamento de uma eventual indemnização aos accionistas islandeses.
Até à nomeação dos novos titulares dos órgãos sociais, o mesmo decreto-lei estabelece que a companhia será representada e administrada por um gestor designado por despacho conjunto dos ministros das Finanças e do Turismo e dos Transportes.
Em Março de 2019, o Cabo Verde vendeu 51% da então empresa pública TACV, por 1,3 milhões de euros, à Lofleidir Cabo Verde, empresa detida em 70% pela Loftleidir Icelandic EHF (grupo Icelandair, que ficou com 36% da CVA) e em 30% por empresários islandeses com experiência no sector da aviação (que assumiram os restantes 15% da quota de 51% privatizada).
A CVA, em que o Estado cabo-verdiano mantinha uma posição de 39% (os restantes 10% foram vendidos a emigrantes cabo-verdianos e trabalhadores da companhia), concentrou então a actividade nos voos internacionais a partir do hub do Sal, deixando os voos domésticos.
Devido aos efeitos da pandemia de Covid-19 – desde Março de 2020 que a companhia não realiza voos comerciais -, foi assinado um novo acordo entre o Estado e a Loftleidir, em Março de 2021, para viabilizar a empresa (envolvendo desde Novembro a emissão de avales do Estado a cerca de 20 milhões de euros de empréstimos para pagamentos de salários e outras despesas urgentes), o qual previa também a cedência de ambas a partes em diferentes matérias.
“O Governo de Cabo Verde e a Loftleidir Cabo Verde entraram em negociações com vista ao apoio e à reestruturação das obrigações dos TACV, a fim de reiniciar as operações. Várias soluções foram acordadas, culminando num acordo de resolução entre o Governo, os TACV e a Loftleidir Cabo Verde, datado de Março de 2021. Nesse acordo, o Estado e a Loftleidir Cabo Verde deveriam providenciar financiamento aos TACV, tendo o Governo cumprido com a sua parte”, lê-se no decreto-lei da reversão da privatização.
“No entanto, e posteriormente ao acordo de resolução, foram identificados factos na governança dos TACV e no relacionamento da Loftleidir Cabo Verde e partes interessadas com os TACV que podem contribuir para a insustentabilidade da continuidade do acordo, pois que existe um risco sério, real e significativo de a Loftleidir Cabo Verde não cumprir com a sua proposta de investimento de capital nos TACV”, acrescenta.
O texto refere ainda que “têm-se verificado várias e sérias questões relativas ao financiamento, operações e governança dos TACV, que ameaçam a sua sustentabilidade, põem em causa de forma grave o interesse público e impõem um acentuado agravamento do risco ao Estado”.
Essa situação, admite o governo, faz “crescer em larga escala as suas responsabilidades como accionista, como garante de pagamentos de avultadas dívidas e como autoridade que deve assegurar uma política de transportes aéreos internacionais que corresponda às necessidades do desenvolvimento económico de Cabo Verde e dos cabo-verdianos.