Antes de invadir a Ucrânia, a Rússia de Putin, através das empresas GazProm, Rosneft, Lukoil, Surgutnetftgas e Novatek, já vinha, com mais força desde o início do século XXI, a “invadir” a Europa com petróleo e gás natural.
Nessa cruzada participaram a BP (Reino Unido), a Shell (Anglo-Holandesa), a ExxonMobil (EUA), a Total (França) e a Equinor (Noruega) cujos ativos na Rússia representam hoje mais de 25 mil milhões de dólares americanos[i].
Em 2021, os 155 mil milhões de metros cúbicos de gás natural importados da Rússia representaram cerca de 45% do total importado pela União Europeia.
Segundo a IEA (International Energy Agency), em 2021 a UE importou da Rússia cerca de 140 mil milhões de metros cúbicos de gás natural por gasoduto. Nesse período, a importação da Rússia na forma de GNL (Gás Natural Líquido), por navios especializados, foi de apenas 15 mil milhões de metros cúbicos.
Substituir uma tal quantidade de gás importado por gasoduto por gás importado na forma líquida por via marítima é algo impossível, em termos operacionais, no curto/médio prazo. Não existem nas origens alternativas à Rússia, terminais com capacidade de liquefação suficiente, não existem na Europa terminais de receção suficientes e também não existem, e não podem ser construídos em menos de três anos, navios com capacidade de transporte para tal.
Neste contexto, o Plano[ii] em 10 pontos que a IEA preparou para a UE tendo por objetivo reduzir em 30% as importações da Rússia dá à importação por via marítima de origens alternativas um peso muito reduzido.
Segundo a IEA, perante aquele conjunto de restrições a UE poderia apenas aumentar a curto prazo a importação de GNL (gás líquido) em 60 mil milhões de metros cúbicos de gás natural. Mas isso é meramente teórico porque perante um tal acréscimo de procura os preços aumentariam substancialmente.
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Não considero provável que no contexto de uma invasão limitada á Ucrânia, o Reino Unido, os EUA, a França ou a Noruega venham a impor sanções que coloquem as suas empresas com investimentos na Rússia perante a obrigação de vender por tostões os seus ativos aos parceiros russos. Ainda é menos provável que os Estados consigam motivar aquelas empresas a investir, por exemplo, em novos gasodutos ou projetos de liquefação de gás natural que podem levar 5 a 10 anos a entrar em operações[iii].
A IEA sugere à UE reduzir os padrões de aquecimento dos edifícios (residenciais e escritórios) em 1 grau centigrado (de 22 para 21 graus centigrados), o que permitirá reduzir o consumo em 10 mil milhões de metros cúbicos de gás natural. Diz a IEA (de forma algo cínica) que se os Europeus estão solidários então devem mostrá-lo em termos práticos.
A IEA não se atreve a propor o retorno á utilização do carvão em detrimento do gás natural, mas não deixa de referir que tal permitiria reduzir em 22 mil milhões de metros cúbicos as importações de gás natural da UE.
A estratégia de Putin para reconquistar a sua posição imperial através da invasão da Ucrânia será o resultado de uma avaliação errada da situação naquele país. Mas Putin sabe mais do que ninguém sobre as fraquezas da estratégia energética da UE. Bloquear navios que transportam cargas com origem na Rússia, quebrar contratos de compra e de transporte a longo prazo de gás natural, é algo que as empresas internacionais do petróleo e do gás natural não querem e irão fazer toda a pressão possível sob os governos da UE para o evitar.
[i] https://theconversation.com/shell-bp-and-exxonmobil-have-done-business-in-russia-for-decades-heres-why-theyre-leaving-now-178269
[ii] https://www.iea.org/reports/a-10-point-plan-to-reduce-the-european-unions-reliance-on-russian-natural-gas
[iii] Por exemplo, o projeto da ENI para explorar um campo de gás offshore (Coral Sul) descoberto em 2012 vai começar a produzir no segundo semestre de 2022 através de um navio FNLG construído para o efeito.
FERNANDO GRILO
Economista de transportes marítimos