Copio o título de mim próprio, em poema escrito e publicado, num livro de título “Metamorfoses do Silêncio”, no idos de 1990. Isto porque, aproximando-se o dia da minha aposentação, dei por mim a decidir ser o último texto de opinião a escrever sobre matéria de que tanto gosto mas que se torna cansativa e com falta de esperança.
Aludi ao cansaço e à falta de esperança, por um lado, passados 27 anos de ligação ao setor marítimo-portuário, pela recorrência de alguns temas que se perpetuam, sem resolução, quando tão simples seria levá-los à prática e, por outro lado, sentir que o ambiente criado em nada perspetiva uma mudança e tempos melhores.
Muito tenho escrito sobre matérias que, a meu ver, mereciam ser levadas à prática, entre as quais: um novo modelo de governação para os portos; uma clarificação sobre a coordenação dos investimentos nos portos portugueses, a especialização e a competitividade intra e interportuária; os licenciamentos e as concessões, nomeadamente, o prazo, o acompanhamento e a supervisão das mesmas, e sobre a necessária criação de um organismo de coordenação nacional similar aos portos de Espanha. Sem esquecer um modelo de financiamento portuário, que substitua a atual entrega de dividendos ao Estado e que contemple uma capitalização e disponibilização de um Fundo de Compensação Interportuário.
Dizem-nos que está em marcha uma nova reforma do Setor Marítimo-Portuário. Queremos acreditar que desta será de vez, passados mais de 25 anos em que alguma coisa se fez do género. Mas antecipamos que, para que a mesma se faça, tem de ser feita em primeiro lugar uma grande reflexão participada sobre o atual estado do setor. Antes de mais, recomenda-se que haja humildade e se reconheçam os erros, desde logo, que se estipule um clima de verdade e de menos notícias empolgantes que não correspondem à verdade.
A este propósito, lembro-me dos primórdios do aparecimento e contratação das agências mediáticas e de quando, sendo eu administrador na APS, nos perguntaram sobre o que pretendíamos ao nível do estilo: mais high-profile ou mais low-profile. Optámos pelo low-profile, preferindo o trabalho e só a notícia verdadeira e essencial. Coisa que não se passa no momento, em que, de uma forma geral, se prefere transmitir uma informação, tantas vezes contrária à realidade.
Tenho para mim, em jeito de reflexão, que o modelo de landlord port foi levado à prática em demasia. Tempos houve em que fiz estudos sobre o impacto dos licenciamentos e das concessões em Espanha e fiquei abismado pela percentagem exagerada que elas significam nas receitas dos portos portugueses, principalmente na APL. Em Espanha, entre os principais cinco portos, é Barcelona que atinge um máximo de 49,29% em 2014, enquanto em Portugal, dos também considerados cinco portos principais, é o de Lisboa que chega aos 98,56%, em 2016. (Excluímos o Porto de Aveiro desta consideração, por ser uma situação em que os Outros Rendimentos e Ganhos superam em muito o valor das Vendas e Serviços Prestados, e sendo estes últimos os apenas considerados como Volume de Negócios, quando comparados com o valor que deriva das Concessões e Licenciamentos.)
Estudei as estatísticas dos portos da Península Ibérica e constatei dos crescimentos continuados, muitas vezes a taxas de dois dígitos, dos portos espanhóis, enquanto por cá vamos vivendo com poucos avanços.
…o maior impulso que precisamos neste tão importante e rico setor, é que haja nova gente apaixonada e ganha pela linguagem e pela ação de uma área essencial ao desenvolvimento económico de Portugal.
Vou assistindo a uma descoordenação nos investimentos em infraestruturas portuárias, cada um fazendo obra a seu gosto, sem haver disciplina e clarificação sobre o que se pretende na oferta agregada de serviços, em termos nacionais, tendo em conta uma necessária especialização de cada porto. Portugal é um país pequeno, com uma frente atlântica servida por quatro grandes núcleos portuários, cuja vocação particular é conhecida, obrigando a uma rentabilização de recursos, que são escassos e para os quais se exige uma necessária disciplina de utilização.
Saúda-se o pretendido aumento do prazo máximo das concessões portuárias de serviço público, porque bem sabemos o que nos custou a aceitação comunitária, quando quisemos passar para o estabelecimento de 30 anos no tempo do contrato de concessão entre a APS e a PSA de Singapura. Mas, no que respeita a concessões, bem sabemos também que tem havido um aligeiramento no acompanhamento e supervisão das mesmas, coisa que não deve ser subtraída à responsabilidade dos concedentes.
Julgamos que deve ser tida em consideração a criação de uma estrutura (organismo) específica, do tipo “Puertos del Estado”, seja holding ou não, dos portos portugueses, que coordene a ação das AP’s, retirando-as, diretamente, da esfera da tutela direta governativa.
Pelas minhas ligações partidárias e pelas minhas responsabilidades no setor, participei, muito ativamente, dando o meu melhor no capítulo da experiência e das minhas ideias. Não querendo assumir-me como “velho do Restelo”, acho que o maior impulso que precisamos neste tão importante e rico setor, é que haja nova gente apaixonada e ganha pela linguagem e pela ação de uma área essencial ao desenvolvimento económico de Portugal.
Não quero terminar sem ter uma palavra de agradecimento a todos os que contribuíram para que estes tão longos anos fizessem parte do meu percurso profissional. Como sempre, momentos houve de grande satisfação e outros menos bons, próprios da maldade e inveja dos homens. Repescando aquela frase que nos foi ficando no ouvido e dita por uma das minhas maiores referências: “É a vida!”
Economista e ex-gestor portuário
Meu caro Amigo
Tanta lucidez.
Sinto o mesmo relativamente a todo o sector da logística – com pouco era possível fazer muito mais – ou como alguém diz, “tudo o que é grande nasce pequeno”. A pouco e pouco se pode fazer muito, tal como a galinha que “grão a grão enche o papo”.
É a vida. É a nossa vida.
Forte abraço
A comparação com Espanha só nos pode dar alegrias. A PE apesar das boa intenções não impediu a proliferação de terminais às moscas. Os tráfegos, comparativamente, só se aproximam em 2022, face às perdas em 2021 e, após o início da guerra, ao carvão e cereais. As tarifas são bem melhores por cá (lá, além das taxas das concessões e licenças, há taxas sobre a carga…). Nem tudo tem sido bem feito mas o caminho não passa por copiar o que está mal (em vários casos, com gente no banco dos réus – El Musel, Maiorca, Ceuta, etc.).