A palavra hub é usada na aviação comercial para definir um aeroporto que serve como centro de distribuição de passageiros através de uma rede extensa de voos. Como o aeroporto é apenas a infraestrutura, é absolutamente necessária a existência de uma companhia aérea que execute essa função de distribuição.
Ou seja, para essa companhia o hub não é apenas uma base onde os seus aviões pernoitam e onde começam e terminam as suas operações diárias para servir o mercado local. O hub é usado pela companhia aérea como um ponto de transferência intermédio para que os passageiros cheguem da cidade onde iniciaram a sua viagem até ao seu destino final via esse tal hub. Cria-se, assim, uma simbiose ou uma relação de interdependência entre o aeroporto hub e a respetiva companhia aérea.
Este modelo de negócio é uma opção estratégica tomada pela própria companhia aérea e essa opção exige obviamente um determinado número de aviões e de destinos, assim como um aeroporto conveniente para facilitar essa transferência. É igualmente importante que as circunstâncias políticas sejam favoráveis. Dois exemplos concretos: quando, em 2002, os Estados Unidos passaram a exigir um visto americano aos passageiros em trânsito entre dois voos internacionais (exemplo: Madrid-Miami-México sem saír do aeroporto em Miami), isso resultou numa perda de competitividade das companhias americanas nesse segmento; um outro exemplo mais claro da opção tomada por uma dita “companhia de bandeira” que nunca aderiu ao conceito de hub é a EL AL. Tel Aviv é, por isso, destino final ou início de viagem, nunca um ponto intermédio de passagem de um voo para outro.
Hub natural
Um hub natural define-se como aquele que, por uma série de razões, está predestinado a cumprir a missão de ser um centro de distribuição de passageiros. A título de exemplo, Atenas é, sempre foi e continuará a ser o hub para se chegar às mais variadas ilhas Gregas. Ponta Delgada será sempre o hub para se chegar às restantes ilhas Açorianas. Lisboa sempre desempenhou a função de hub para vários destinos Portugueses e para destinos dos PALOP.
Independentemente da estratégia das companhias aéreas, certos aeroportos nunca conseguirão perder essa função vital, pois é o próprio mercado que os coloca nessa posição – por questões de frequências ou de horários, de diversidade de rotas, de laços linguístico-culturais, de continuação político-geográfica, de necessidades individuais ligadas a aspetos tão distintos como negócios, saúde ou família, essa escala natural ultrapassa o puro aspeto económico da tarifa Y ou da companhia X.
Ponto forte: a naturalidade destes hubs faz com que se exija muito pouco investimento para ter sucesso, isto é, a existência desses passageiros em trânsito é uma inevitabilidade.
Ponto fraco: as companhias aéreas que se posicionam neste tipo de hub têm tendência a recorrer a práticas monopolistas e a prestar menor atenção ao serviço. Veja-se a este respeito as críticas recorrentes dos Madeirenses sobre a TAP para a Madeira e a forma como a companhia decidiu isolar Porto Santo.
Hub artificial
Um hub artificial, por contraposição, é aquele que procura compensar a falta dos fatores naturais do seu aeroporto e que o colocam em posição inferior por relação aos hubs naturais. Mesmo assim, o hub artificial tenta conquistar parte desse mercado, e para isso a companhia aérea recorre frequentemente ao fator preço: ser muito mais barata do que a sua concorrente do hub natural.
Dois exemplos concretos: a Iberia ligou Madrid a Luanda e a TAP ligou Lisboa a Bogotá. Em ambos os casos, existia algum mercado de negócios entre essas cidades, mas para ter sucesso era necessário um maior volume de passageiros em trânsito, algo que no caso de Luanda está concentrado em Lisboa e que no caso de Bogotá está em Madrid. Tanto a TAP como a Iberia tentaram, através do preço, posicionar o seu hub artificialmente para um mercado que não é o seu. Ambos os casos fracassaram muito antes do Covid e essas rotas foram abandonadas.
Outros exemplos de hubs artificiais são-nos dados pelo Dubai, Doha e Abu Dhabi. Como se costuma dizer, “antes, não existia nada ali, era só deserto”. Mediante a criação artificial de companhias aéreas gigantescas, de investimentos concetualmente abrangentes e através do posicionamento do destino, estes hubs são hoje considerados um poiso natural entre Continentes. Não o eram há apenas duas décadas atrás. Veja-se como companhias da mesma região como a GulfAir no Bahrain, a Royal Jordanian em Amã, a OmanAir em Muscate e a Saudia em Jedá/Riade, todas tentaram – e falharam – essa mesma proeza. Tentar estabelecer algo de forma artificial custa muito dinheiro e nem sempre o retorno acontece antes do próprio capital para o investimento se esgotar.
Se é verdade que Portugal se posiciona como porta de entrada natural entre Europa, África e Américas porquê limitar esse papel a Lisboa apenas? Ou porquê fazer depender esse estatuto de uma só companhia aérea, no caso a TAP? Por que não estimular que essa missão esteja disponível também no Porto e em Faro e que os voos da easyJet, Transavia ou Vueling para a Europa participem nesse negócio com todas as companhias intercontinentais que aterram em Portugal? No fundo, se esse modelo de negócio é benéfico para o país, por que não alargá-lo em vez de o colocar num pequeno binómio chamado Lisboa-TAP?
Pontos fortes: criação de rotas inéditas que, de outro modo, nunca poderiam existir à partida desse aeroporto. Nesse âmbito, sem o hub dificilmente Lisboa estaria conetada a cidades como Banjul, Conacri, Dacar, Acra ou Abidjã. Outro ponto forte é possibilidade de aliciar os passageiros com escalas mais prolongadas através de programas de stopover para se conhecer a cidade onde se troca de avião.
Pontos fracos: sobrecarga da infraestrutura local para algo artifical e, de certo modo, desnecessário. Dependendo da importância do volume representado pelos passageiros em trânsito, o modelo de negócio do hub pode levar a companhia a perder a noção do que o mercado local verdadeiramente necessita, sobretudo se esse mercado for perdendo importância no negócio global da companhia. Outro ponto fraco é o risco de concentração do negócio desse aeroporto numa única companhia aérea. A este respeito, o caso mais notório será o da cidade do Panamá, onde a companhia COPA detém mais de 85% da capacidade – dos 80 destinos que opera, apenas 6 têm concorrência fora do grupo COPA ou da sua aliança.
Por fim, é fácil ser-se substituído. Foi isso que a Royal Air Maroc conseguiu com o seu hub africano de Casablanca que se impôs relativamente a outros hubs para determinados destinos de África.
Estes conceitos obviamente não são estanques. Por exemplo: para quem está na América do Norte ou na Europa, Santiago do Chile não é um hub natural para chegar a nenhum outro país da América do Sul. Já por relação à Austrália/Nova Zelândia, Santiago do Chile posicionou-se como a primeira porta de entrada para todo o continente Sul-Americano. Já em países de grandes dimensões, o segredo do sucesso é respeitar a naturalidade da geografia e ter hubs múltiplos como fazem as companhias norte-americanas. Países como Brasil e Austrália, cujas companhias nacionais focam num hub internacional único sofrem com esse semi-artificialismo e essa estratégia implica a sua perda de utilidade para uma grande parte do território. Noutras latitudes, se Dubai começou, historicamente, por ser um hub artificial, ele evoluiu para o que é hoje: uma plataforma giratória natural que move pessoas entre os mais diversos continentes.
Hub virtual
Surgiu, há pouco tempo, uma solução tecnológica que veio democratizar o acesso ao estatuto de hub, quer em termos de passageiros, quer em termos das infraestruturas, quer em termos de companhias capazes de oferecer essa solução. O século XXI viu nascer os chamados hubs virtuais.
O conceito é simples: combinar todos os voos existentes, independentemente do aeroporto ser hub ou não ser, e entre companhias sem qualquer cooperação formalizada entre elas. O passageiro está no centro da atenção: quer a rota com escala mais rápida? quer a rota com o preço mais económico? quer a rota que passe naquele aeroporto específico e não noutro? quer voar com uma escala diferente no regresso? Todas estas variáveis são finalmente possíveis em termos semelhantes aos oferecidos pelas companhias de hub.
No passado, esse tipo de tráfego estava limitado a uma só companhia, à sua respetiva aliança (Star Alliance, por exemplo) ou à lista de companhias com as quais se celebravam complexos acordos tarifários (os chamados acordos interline) e à sua respetiva colocação à venda nos sistemas de reservas. O alcance prático deste tipo de acordos é, frequentemente, muito limitado e propositadamente limitativo.
O chamado interline virtual – aquilo que permitiu a criação do hub virtual – veio abrir portas a uma cooperação simplificada, baseada pura e simplesmente no inventário disponível de cada companhia aérea e na sua otimização em termos de preço e/ou rapidez para o itinerário pretendido, que é garantido através de um seguro contra todo o tipo de contratempos (perda de ligação, meteorologia, cancelamentos, etc.). Este tipo de produto não está limitado à companhia A, B ou C, nem ao aeroporto hub X, Y ou Z, nem tão-pouco à disponibilidade tarifária concreta dos acordos interline. Na verdade, esta solução veio apenas enquadrar comercialmente uma prática que se tornou cada vez mais comum: o chamado self-connect que se resume ao ato de um passageiro individual reservar, por sua conta e risco, dois bilhetes separados que conetam num aeroporto intermédio, num itinerário que ou não é servido por mais nenhuma combinação de companhias ou se apresenta muito mais económico por esta via.
Como em tudo o que ameaça o legado estabelecido, a oficialização deste tipo de solução e o afastamento do seu principal problema – o risco que corria a cargo do passageiro em caso de perda de voo – encontrou enormes resistências iniciais e tentativas de boicote por parte das companhias tradicionais e dos seus hubs, que se vêm, assim, uma vez mais, ultrapassados num dos segmentos de negócio que até então era seu exclusivo e através do qual faziam muito dinheiro. Já tinham perdido no chamado tráfego ponto-a-ponto no médio curso, não estavam dispostas a perder no mercado dos passageiros em trânsito.
É por essa razão que o interline virtual e o hub virtual subsequente se iniciam em aeroportos que não eram hubs clássicos e que entenderam o conceito, apoiando-o intrinsecamente. Londres Gatwick, Berlim ou Budapeste foram os primeiros dessa lista. A Portugal este conceito chegou-nos agora de forma tímida e incipiente pelas asas da Azores Airlines e da Transavia. Companhias e potencial não faltarão por este país fora, mas o protecionismo latente das várias entidades, o desinteresse económico de quem monopoliza todos os aeroportos do país, associados à desigualdade no setor promovida pela tutela não são auspiciosos para um desenvolvimento de vanguarda.
Logo agora, com a retoma das viagens no horizonte, também na aviação e nos hubs do século XXI nos deixamos passar à frente. A evolução é isso mesmo: resolve problemas e gera receita. Só é preciso saber abraçá-la.
PEDRO CASTRO
Director da SkyExpert Consulting
Para um “curioso” (?) a mensagem não poderia ser mais clara. Será bom que o “novo” governo reveja o seu conceito de Hub versus TAP.
Parabéns Pedro Castro pelo seu clarividente artigo.